REFLEXÃO DOMINICAL II
·
Artigos
21 de abril –
4º Domingo da Páscoa
Por Maicon André Malacarne*
O Bom
Pastor: uma vida que se entrega!
I.
Introdução geral
Com o
chamado “domingo do Bom Pastor”, a Igreja celebra a Jornada Mundial de Orações
pelas Vocações Sacerdotais e Religiosas. O ponto de referência é Jesus Cristo e
seu estilo de vida, aquele que cuida das ovelhas a ponto de oferecer a própria
vida para guardá-las. Muito diferentes são os maus pastores, que dispersam e
assustam o rebanho. A parábola do Bom Pastor oferece um paradigma vocacional
cujo princípio é o amor, o cuidado e a liberdade das ovelhas.
Pedro,
no sinédrio, falou aos chefes do povo e aos anciãos “cheio do Espírito Santo”.
Por causa da cura de um coxo de nascença, que agitou o povo de Jerusalém e fez
muitos acreditar em Jesus, os chefes se enfureceram e mandaram prender os
apóstolos. Sem medo, Pedro anuncia que tudo que realizam é “pelo nome de Jesus
Cristo, de Nazaré”.
A
primeira carta de João põe-nos diante do tema da filiação divina. Trata-se de
“conhecer” o Pai, ou seja, de amá-lo, de participar da sua vida, realizando sua
justiça (1Jo 2,29), a fim de vivermos uma vida de filhos e filhas. O mundo,
expressão das forças que resistem ao plano do Pai, prefere a distância porque
“não o conhece”. Ser filho/a é estar com o Pai!
Com a
liturgia da Palavra, somos convidados a celebrar a presença dos presbíteros,
dos religiosos e, na imagem do Bom Pastor, de tantas lideranças, agentes de
pastorais, leigos e leigas que assumem a missão de comunicar Jesus Cristo ao
mundo por meio de um estilo de vida comunitário. O pastor que cuida e dá a
vida, o discurso cheio do Espírito Santo de Pedro e a descoberta de ser filhos
e filhas de Deus no Filho de Deus são grande inspiração para viver o ministério
a que Deus nos chamou e enviou, ou mesmo para despertar e assumir esse serviço
ao Evangelho como resposta de amor.
II.
Comentário dos textos bíblicos
1.
I leitura (At 4,8-12)
A cura
de um coxo de nascença realizada por Pedro e João (At 3,1-8) e o subsequente
discurso ao povo, convidando à fé em Jesus Cristo, causaram grande alvoroço em
um grupo de autoridades de Jerusalém que fizeram comparecer no sinédrio os dois
apóstolos. O versículo que antecede a leitura deste domingo é o questionamento
dos chefes: “Com que poder ou em nome de quem vocês fizeram isso?” (4,7).
Pedro
tomou a palavra e a resposta foi direta: “é pelo nome de Jesus Cristo, de
Nazaré” (v. 10). Lucas, autor dos Atos dos Apóstolos, faz questão de assinalar
que Pedro falou “cheio do Espírito Santo” (v. 8). O discipulado de Pedro está
na continuidade do mesmo Espírito que guiou Jesus. De fato, no Evangelho de
Lucas, a primeira expressão que saiu da boca de Jesus, na sinagoga de Nazaré,
ao ler a profecia de Isaías, foi: “O Espírito do Senhor está sobre mim” (Lc
4,18). Na cruz, seu último gesto foi entregar o Espírito que o tinha conduzido
por toda a vida: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).
Os
sinais realizados pelos discípulos são obras que se completam pela força de
Deus, o qual ressuscitou Jesus dos mortos. É pela ressurreição que tudo se
torna novo, não obstante o poder de morte das autoridades judaicas. Jesus
continua vivo e operando os mesmos sinais por meio dos seus seguidores. Pedro
denuncia que toda decisão arrogante e injusta dos chefes e toda liderança
exercida como dominação são descartadas pela justiça e pela salvação divina:
“em nenhum outro há salvação” (v. 12).
2.
II leitura (1Jo 3,1-2)
Conhecer
a Deus é amar a Deus! A vida cristã carrega, no seu âmago, o amor de Deus. Ele
nos amou primeiro! A resposta é viver o amor por meio da adesão a Jesus Cristo,
configurando um estilo de vida à sua imagem: tornar-se filho/a de Deus no Filho
de Deus. A filiação, diz a primeira carta de João, é um grande presente, é um
dom oferecido por Deus.
O
mundo, por não conhecer a Deus, permanece distante dele e rompe com a filiação.
É conhecendo a Deus que os que acreditam são gerados como filhos e filhas,
percurso que acontece em dois movimentos: uma filiação que se realiza no
presente – “desde já somos filhos de Deus” (v. 2) – e uma filiação “do que
seremos” (v. 2) no futuro. De fato, conclui a leitura, o destino dos filhos é
participar da mesma vida do Filho: “seremos semelhantes a ele, porque o veremos
tal como ele é” (v. 2).
Tornar-se
filho/a é uma chave de reflexão muito importante porque, no fundo, significa ser
aquilo que somos. Na medida em que a referência para ser filho/a é o Filho de
Deus, não se trata de imitá-lo, mas de assumir uma identidade real e humana,
como Jesus assumiu. O discipulado, antes de tudo, é a descoberta de ser humano,
de ser filho, de ser amado e caminhar na direção de uma vida sempre mais humana
e, portanto, divina.
3.
Evangelho (Jo 10,11-18)
Por
duas vezes, Jesus emprega a expressão: “Eu sou o bom pastor” (v. 11.14). A
expressão “eu sou”, que retorna seguidamente no Evangelho de João, é recuperada
da autorrevelação divina no Êxodo: “Eu sou aquele que sou” (Ex 3,14). Jesus,
portanto, é a contínua revelação da identidade do Deus libertador que convida o
povo à aliança.
Depois
da primeira revelação de Jesus como bom pastor, segue-se a antítese entre o
pastor e o mercenário (v. 11-13). Jesus diferencia o pastor, “que dá a vida
pelas ovelhas” (v. 11), do mercenário, que, diante de um perigo, “abandona as
ovelhas e foge” (v. 12). Trata-se de forte denúncia contra as lideranças
judaicas que tornavam o povo submisso por meio de certa narrativa sobre Deus e,
assim, manipulavam sua consciência. De fato, todo o capítulo 10 do Evangelho de
João transcorre durante a festa de Dedicação do templo.
A
segunda revelação de Jesus é acompanhada por uma descrição da identidade do bom
pastor (v. 14-16), que sempre busca estabelecer com as ovelhas uma relação de
intimidade, comunhão e unidade. Não substitui sua autonomia, mas as ajuda a
amadurecer e discernir. Tudo se realiza com base no conhecer: “Eu conheço minhas
ovelhas e elas me conhecem” (v. 14). Como vimos também na primeira carta de
João, não se trata de conhecer um conteúdo, uma ideia, mas de aderir a uma
pessoa no amor.
O que
mantém unidos o pastor e as ovelhas é o amor. Não, porém, um amor exclusivista,
dividido entre puros e impuros: “Tenho outras ovelhas que não são deste redil:
também a elas devo conduzir; escutarão a minha voz e haverá um só rebanho e um
só pastor” (v. 16), disse Jesus. O bom pastor ajuda a desfazer a ideia de que o
amor é uma gaiola que sufoca. Como compreendeu bem São Paulo, escrevendo aos
romanos: “Deus não faz acepção de pessoas” (Rm 2,11).
A
identidade do pastor guarda uma vida que se entrega: “dou a minha vida
livremente” (v. 18). Na paixão, morte e ressurreição de Jesus está o ícone da
verdadeira relação de amor que deve existir entre um pastor e seu rebanho, uma
vida capaz de doar-se até o fim.
III.
Pistas para reflexão
Os
verbos que formam a identidade do bom pastor são um mapa para nossas
comunidades e para qualquer exercício de coordenação: conhecer, defender, dar a
vida, acompanhar, reunir. Trata-se de grande projeto de vida! A unidade que
forma a relação entre o pastor e o rebanho não é uniformidade; ou seja, não se
trata de apagar as diferenças, mas de evidenciá-las e aprender a conviver com
elas, buscando os pontos em comum e respeitando os antagonismos. A comunidade é
o lugar da diversidade! Importante é assumir, como Pedro, a fidelidade e a
abertura ao Espírito Santo.
Maicon André Malacarne*
*é presbítero da diocese
de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia
Alfonsiana (Roma), onde atualmente é doutorando na mesma área. É especialista
em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e
Teologia (Faje – Belo Horizonte-MG), formado em Filosofia pelo Instituto de
Filosofia Berthier (Ifibe – Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades
(Passo Fundo-RS). É aluno de doutorado em Teologia Moral da Pontifícia Academia
Alfonsiana (Roma). E-mail: maiconmalacarne@gmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/21-de-abril-4o-domingo-da-pascoa-2/
Nenhum comentário:
Postar um comentário