VI-REFLEXÃO DOMINICAL II: 24.º DOMINGO
DO TEMPO COMUM – ANO B
Meus irmãos,
Ao celebrarmos este 24º Domingo
do Tempo Comum, ouvimos o profeta Isaías apresentar-nos Deus que nos oferece um
“servo”, uma “língua de discípulo” (Is 50, 4), um ouvido fiel: ele é o profeta,
o autêntico porta-voz. Todo seu ser está a serviço da Palavra de Deus. Por
isso, o resultado não poderia ser outro: a perseguição.
Entretanto, cônscio de sua união
com Deus, o profeta nada teme, porque o Senhor está com ele. Esta profecia hoje
pode e deve ser identificada com Deus. A sua palavra encontramo-la em
Jesus Cristo, que dá a sua vida por fidelidade à sua mensagem e aos homens que
a acolhem; porque ele é o “Servo de Deus” em plenitude.
A
primeira leitura – Is 50,5-9a, nos conta a saga de um prisioneiro que, depois de ter sido torturado e
maltratado, espera o julgamento que irá decidir o seu destino. Confiando
plenamente na ajuda do Senhor, ele espera serenamente o momento em que Deus o
irá defender no tribunal, confundindo os seus adversários. O que mais
impressiona neste texto é a serenidade com que o profeta, prisioneiro e
sofredor, enfrenta o seu destino. Essa serenidade vem-lhe,
não da inconsciência, da insensibilidade ou de uma leviana
indiferença perante a morte, mas de uma total confiança no Deus que não falha e
que não deixa cair aqueles que ama.
A fé em Deus e a confiança
incondicional no seu amor misericordioso dão aos homens perseguidos, que são
seus servos, a capacidade heroica de resistir até a morte se preciso for, sem
jamais abdicar da atitude da não violência e do perdão. Por isso os projetos de
Deus se realizam na história da humanidade por meio de pessoas fracas que nele
depositam toda a confiança.
Para nós que vivemos envolvidos
pela cultura da facilidade e do comodismo, para nós que temos medo de arriscar,
para nós que preferimos fechar-nos no nosso “cantinho” protegido, arrumado e
seguro, o “Servo de Deus” constitui uma poderosa interpelação. É preciso
abraçar, com coragem e coerência o projeto que Deus nos confia, mesmo quando
esse projeto se cumpre no meio da oposição do mundo; é preciso deixarmo-nos
desafiar por Deus e acolher, com generosidade, as propostas que Ele nos faz; é
preciso assumirmos o papel que Deus nos chama a desempenhar e empenharmo-nos na
transformação do mundo. Outra das coisas que sobressai nesta “partilha de vida”
que o “Servo de Deus” faz conosco é a sua total confiança em Deus. Para ele,
Deus é, efetivamente, essa “rocha segura” que se mantém sempre firme e a que o
batizado se pode agarrar, mesmo quando tudo o resto parece cair. A certeza da
fidelidade de Deus, da sua presença, do seu amor deve permitir-nos (como
permitiu ao “Servo”) encarar a vida com serenidade e confiança. O batizado que
confia em Deus sente-se seguro e protegido, como uma criança ao colo da sua
mãe. Dessa forma, o crente poderá viver livre do medo, com o coração em paz, e
aceitando tranquilamente os desafios que Deus lhe faz. O “Servo” sofredor que
põe a sua vida, integralmente, ao serviço do projeto de Deus e da salvação dos
homens mostra-nos o caminho: a vida, quando é posta ao serviço da libertação
dos pobres e dos oprimidos, não é perdida mesmo que pareça, em termos humanos,
fracassada e sem sentido.
Irmãos e Irmãs,
Simão Pedro, no Evangelho de hoje
(Mc 8,27-35), falando pelos doze discípulos, diz claramente: “Tu és o Messias”
(Mc 8, 29). Imediatamente, Jesus faz os seus discípulos verem o que se deve
entender por esse título. Pedro pensava provavelmente num “Filho de Davi”,
guerreiro, um herói nacional, libertador da opressão estrangeira etc.
Entretanto, Jesus revela um outro sentido do ser Messias. Proíbe aos doze
apóstolos de falar aquilo que Pedro reconheceu, pois levaria a perigosos
mal-entendidos. Ele lhes ensina que o “Filho do Homem” – a figura que encarnava
a intervenção escatológica de Deus (Dn 7,13-14) devia sofria, morrer e
ressuscitar, o que fez com que Pedro reagisse imediatamente. A isso Jesus
replicou: “Vai para longe de mim, satanás! Tu não pensas como Deus, e sim como
os homens” (Mc 8,33). Jesus censura a pouca visão de Pedro que não entendia
ainda que o Mestre ressuscitaria, ele mesmo que poucos minutos antes liderara a
proclamação na fé messiânica de Jesus.
Meus irmãos,
Quem é
Jesus? A essa pergunta vem a resposta de Pedro: “Tu és o Cristo” (Mc 8, 29). O
Cristo, o Messias, o Esperado, o Enviado do Pai.
Ao sermos perguntados sobre quem
é Jesus, devemos também nos questionarmos sobre a que Ele nos
conduz. Ora, o Redentor nos leva ao mistério da
Cruz, ao mistério da Sua Cruz e a compreender o
mistério da cruz de cada um que quer ser seu discípulo. Por isso, devemos
sempre lembrarmo-nos do testemunho do centurião romano no
Gólgota: “Verdadeiramente, este era o Filho de Deus” (Mc
15,39).
Nessa confissão de que Jesus é o
Cristo, o Senhor, vem a missão de todos os batizados: “Pregai o Evangelho a
toda a criatura” (Mc 16,15). Assim, São Marcos aponta os horizontes e
as qualidades do discípulo que quer morrer com Ele e
por Ele. A partir daí, compreende-se por que os apóstolos terão muita
dificuldade em compreender os ensinamentos de Jesus, mesmo depois da
Ressurreição de Jesus.
Caros irmãos,
Pela cruz, à luz, São
Bernardo de Claraval exorta-nos a deixar-nos ser seduzidos pela missão de
anunciar o Cristo!
Jesus ensina que, para ganhar a
vida, é preciso perdê-la; ensina que, para receber, é preciso renunciar.
O evangelista ressalta, ainda, a oposição entre a
sabedoria de Deus e a sabedoria do homem; a escala de valores segundo
Deus e a escala de valores segundo nossos critérios humanos. As criaturas
humanas vivem a vida toda em meio a contradições. E foi a essas criaturas que o
Cristo veio trazer um destino divino. Compreender essas oposições, discerni-las
e escolher o modo de pensar e agir de Deus e por ele pautar o comportamento
chama-se CONVERSÃO.
Não se pode
seguir a Jesus, tendo como modelo de orientação cristã a sabedoria
humana – que manda satisfazer os instintos, usar de tudo, armazenar,
ambicionar, ser auto-suficiente, silenciar a oposição, eliminar os contrários,
receber o máximo com o mínimo de esforço. Ao mesmo tempo em que o
Mestre inicia a viagem decisiva a Jerusalém, começa a apresentar aos seus
apóstolos as qualidades do verdadeiro discípulo, qualidades que são diferentes
das que exigiam de seus seguidores os mestres da Lei e da espiritualidade
judaica. Isso inclui que o discípulo deverá morrer com o Mestre. Pode não ser
uma morte física, mas certamente será uma morte aos próprios interesses, em
benefício aos interesses de Deus.
Quais foram às reações dos
ouvintes aos ensinamentos de Jesus hoje? Uns se admiravam. Outros ficaram
estupefatos. Outros maravilhados. Outros impressionaram-se com extraordinária
atitude. E você?
Caros irmãos,
O que é que significa,
exatamente, renunciar a si mesmo? Renunciar a si mesmo significa renunciar ao
seu egoísmo e auto-suficiência, para fazer da vida um dom a Deus e aos
outros. O cristão não pode viver fechado em si próprio, preocupado apenas em
concretizar os seus sonhos pessoais, os seus projetos de riqueza, de segurança,
de bem estar, de domínio, de êxito, de triunfo… O cristão deve fazer da sua
vida um dom generoso a Deus e aos irmãos. Só assim ele poderá ser discípulo de
Jesus e integrar a comunidade do Reino.
O que é que significa “tomar a
cruz” de Jesus e segui-LO? A cruz é a expressão de um amor total, radical,
que se dá até à morte. Significa a entrega da própria vida por amor. “Tomar a
cruz” é ser capaz de gastar a vida – de forma total e completa – por amor a
Deus e para que os irmãos sejam mais felizes.
No final desta instrução, Jesus
explica aos discípulos as razões pelas quais eles devem abraçar a “lógica da
cruz”. Convida-os a entender que oferecer a vida por amor não é perdê-la, mas
ganhá-la. Quem é capaz de dar a vida a Deus e aos irmãos, não fracassou; mas
ganhou a vida eterna, a vida verdadeira que Deus oferece a quem vive de acordo
com as suas propostas. Assim é para todos os discípulos: “Se alguém quer vir
após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga!”.
Caros irmãos,
Quem é
Jesus? O que é que “os homens” dizem de Jesus? Muitos dos nossos conterrâneos vêem em
Jesus um homem bom, generoso, atento aos sofrimentos dos outros, que sonhou com
um mundo diferente; outros vêem em Jesus um admirável “mestre” de
moral, que tinha uma proposta de vida “interessante”, mas que não conseguiu
impor os seus valores; alguns vêem em Jesus um admirável condutor de
massas, que acendeu a esperança nos corações das multidões carentes e órfãs,
mas que passou de moda quando as multidões deixaram de se interessar pelo fenômeno;
outros, ainda, vêem em Jesus um revolucionário, ingénuo e
inconsequente, preocupado em construir uma sociedade mais justa e mais livre,
que procurou promover os pobres e os marginais e que foi eliminado pelos
poderosos, preocupados em manter o “status quo”. Estas visões apresentam Jesus
como “um homem” – embora “um homem” excepcional, que marcou a história e deixou
uma recordação imorredoira. Jesus foi apenas um “homem” que deixou a sua pegada
na história, como tantos outros que a história absorveu e digeriu?
Jesus tornou-se um de nós para
concretizar os planos do Pai e propor aos homens – através do amor, do serviço,
do dom da vida – o caminho da salvação, da vida verdadeira. Neste texto (como,
aliás, em muitos outros), fica claramente expressa a fidelidade radical de
Jesus a esse projeto. Por isso, Ele não aceita que nada nem ninguém O afastem
do caminho do dom da vida: dar ouvidos à lógica do mundo e esquecer os planos
de Deus é, para Jesus, uma tentação diabólica que Ele rejeita duramente.
Meus irmãos,
Jesus é mais do que Elias e
Moisés e Ele vai deixar isso muito claro aos discípulos no caminho
de Jerusalém. Hoje, Ele nos ensina que não adianta somente se
impressionar com Ele e admirar os seus milagres. É preciso assumir sua maneira
de pensar, de comportar-se, de fazer a vontade do Pai até à morte e morte de
Cruz (Fl 2,8).
O Messias fala da sua morte
como Mistério de Salvação. A morte de Jesus é mistério, mistério de nossa
fé, mistério da Sua vitória sobre, com a ressurreição. Esse
é o grande segredo messiânico. Os discípulos demoraram a entendê-lo.
Ademais, Judas traiu o Senhor, Pedro negou-o e os outros fugiram. São
contraposições da história. São contraposições de nossa vida ainda hoje.
Enquanto os discípulos fogem, Jesus retorna para congregá-los numa comunidade
fraterna, onde a lealdade e o amor são os princípios básicos.
A Segunda
Leitura (Tg 2,14-18), por sua
vez, dá-nos exemplos sobre o que é o caminho da cruz, da negação de
si mesmo. Não é imediatamente um martírio público ou sei lá o quê. É a abnegação
de si mesmo nas pequenas coisas práticas. Não apenas desejar bem-estar aos
outros, mas repartir com eles do que é seu, tirar algo de si para ser realmente
irmão e “próximo” do necessitado. Fé não é uma adesão meramente intelectual; é
escolher o caminho da negação de si em prol do irmão, e isso porque Cristo
no-lo mostrou, ao acreditarmos na experiência única que Ele teve de Deus e
que Ele quer repartir conosco.
A adesão a Jesus e ao seu projeto
– que se chama fé – significa que o homem está disposto a acolher essa vida
nova e plena que Deus, gratuitamente e sem condições, lhe oferece (salvação).
Essa vida, interiorizada e assumida, tem de transparecer em gestos de amor, de
solidariedade, de fraternidade, de serviço, de partilha, de perdão. A vivência da
fé tem, portanto, de se traduzir na vida do dia a dia, especialmente na forma
como se vive a relação com esses irmãos com quem nos cruzamos nos caminhos do
mundo. Se isso não acontece, quer dizer que a fé (adesão à proposta de vida que
Deus, gratuitamente, faz) é uma mentira. Os bonitos discursos que fazemos, os
conselhos muito sábios que damos, as teorias bem elaboradas que apresentamos,
as reflexões muito piedosas que impingimos, a falsa piedade em que se esconde o
orgulho, a vaidade e a podridão não passam de belas palavras que podem não
significar nada. Quando um irmão tem fome, ou não tem que vestir, ou está a
sofrer, é preciso ir ao seu encontro e manifestar-lhe, com gestos concretos, o
nosso amor, a nossa solidariedade, a nossa fraternidade. A nossa religião tem
de manifestar-se na vida e tem de transparecer nos nossos gestos.
O que é ser cristão? O nosso
compromisso cristão é algo que se vive a nível da teoria, ou do compromisso
vital? O que caracteriza um cristão não é o conhecimento de belas fórmulas que
expressam uma determinada ideologia, nem o cumprimento exato de ritos vazios e
estéreis, nem uma assinatura feita no livro de registros de batismo da
paróquia, mas é a adesão a Cristo. Ora, aderir a Cristo (fé), significa
conformar, a cada instante, a própria vida com os valores de Cristo, seguir
Cristo a par e passo no caminho do amor a Deus e da entrega total aos irmãos.
Não se pode fugir a isto: a nossa caminhada cristã não é um processo
teórico e abstrato concretizado num reino de belas palavras; mas é um
compromisso efetivo com Cristo que tem de se traduzir, a cada instante, em
gestos concretos em favor dos irmãos.
Meus irmãos,
O seguimento de Cristo e de
adesão a Jesus passa pela renúncia a tudo e a todos pelo Cristo. Assim é
radical o fecho do Evangelho de hoje: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si
mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai
perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do evangelho vai
salvá-la” (Mc 8,34-35).
Não basta apenas o
conhecimento de quem é Jesus. É preciso mais um comprometimento
radical com o Cristo. Devemos acreditar na totalidade do mistério do Cristo e
do homem e agir de acordo. Fé e obras se completam. Ver e considerar sempre o
divino e acolher igualmente o humano, tanto em Jesus Cristo, como em
nós e no próximo. Por este grandioso mistério demos graças a Deus!
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