sexta-feira, 20 de setembro de 2024

XII- REFLEXÕES DE UM PAI, AVÔ E PSICÓLOGO Lindolivo Soares Moura (*) ( **)

 


XII- REFLEXÕES DE UM PAI,  AVÔ E PSICÓLOGO

Lindolivo Soares Moura (*) ( **)

 

Oi minha linda, tudo bem com você? Se não está, pense positivo. Lembre-se do que disse Juliana de Norwich, uma inglesa do século XIV que tinha tudo para ser declarada santa se não tivesse dito umas "coisinhas" parecidas com as que disse Lutero sobre a Igreja, sua ideologia sobre o pecado, e o comportamento do clero. Mas deixando de lado a questão polêmica, fiquemos apenas com a seguinte afirmação de Juliana que viria a se tornar sua "marca registrada". Eis o que ela disse: "no fim tudo, todos, e toda sorte de coisas acabarão bem". Portanto, a crer nessa espécie de "profecia", se nem tudo está bem com todos, incluindo com você, é porque ainda não é o fim; quem sabe seja apenas o começo ou, na pior das hipóteses, o começo do fim. Talvez seja esse o lado melhor da profecia: o fato de que ela ainda não se tenha realizado. Pessoalmente, espero que leve ainda muito tempo para que isso aconteça, e se não acontecer, melhor ainda. Já basta o fim pessoal e inevitável que cada um de nós temos que enfrentar, não é verdade? E já que esse fim tem se mostrado irrefreável, bom mesmo seria que ele chegasse sempre na melhor hora, na hora certa - "kairós", como dizem os gregos - para cada um de nós: os filhos sepultando seus pais e não os pais sepultando seus filhos. Lamentavelmente nem sempre essa ordem lógica e natural da vida vem sendo mantida. Dentre os muitos motivos que contribuem para essa inversão duplamente sofrida está o fato de que um considerável número de adolescentes começam a dirigir muito cedo, antes da hora, curiosa e estranhamente sob o olhar catatônico e complacente - quem diria! - de seus próprios pais. Por isso a "dica" de hoje se debruça sobre esse assunto com a seguinte advertência: ADOLESCÊNCIA E DIREÇÃO: UM TIPO DE "NAMORO" QUE É COMO ANDAR NA CONTRA-MÃO: TEM TUDO PARA DAR ERRADO. Preparada? Vamos lá então.

Com frequência se ouve da parte de muitos adolescentes a seguinte reivindicação: "se no Brasil um adolescente pode votar aos dezesseis anos de idade, por que não pode também dirigir com a mesma idade?". A princípio esse argumento parece bastante robusto e convincente, não é verdade? Mas uma reflexão mais profunda e um olhar mais apurado mostram que ele não se sustenta. Uma coisa é "poder", no sentido jurídico e legal do termo, outra bem diferente é "dever", no sentido de conveniência e de maturidade emocional capaz de garantir êxito e segurança na execução de uma ação. Não é raro que a legalidade siga na contra-mão tanto da ética e da moralidade como da ciência e da cientificidade. De que adianta, por exemplo, a ciência assegurar que nosso cérebro só atinge sua maturidade funcional por volta dos vinte e cinco anos de idade, e a ciência psicológica advertir que não se pode e nem se deve esperar pleno equilíbrio e controle emocional já na adolescência, se o Direito muitas vezes ignora esses dados ou simplesmente faz "vistas grossas" dessas informações? A pressuposição pura e simples de que "o que é legal é moral, é bom, é correto ou é ideal", não passa de um engodo e de uma falácia que muitos cientistas e operadores do Direito acabam "engolindo sem digerir", e o que é ainda pior, repassam sem refletir ao senso comum e a diversos profissionais de outras áreas responsáveis pelo estudo e a compreensão do comportamento humano. Curioso é que não se ouvem com a mesma frequência e a mesma insistência argumentos do tipo: "se o adolescente pode votar aos dezesseis anos, por que não pode também ingerir bebida alcoólica nessa mesma idade?",  ou "ir ao cinema e assistir ao filme que bem lhe interessar sem que se lhe tenha que ser concedida autorização por parte dos pais ou responsáveis?",  ou ainda "viajar ao exterior livremente e sem necessidade de autorização expressa e por escrito de ambos os pais?". Seria o ato de dirigir uma ação tão simples, tão menos perigosa e tão menos importante que as citadas anteriormente, a ponto de justificar uma concessão desse direito também a menores de idade ainda adolescentes?

Sei muito bem, minha linda, que a sensação de liberdade que as mãos por trás de um volante e o pé por sobre um acelerador produzem, são uma atração e um fascínio para a maioria dos jovens de sua faixa de idade. Imaginemos, entretanto, apenas a título de exemplo, que sua mãe ou seu "tio" Lúcio, por absoluta necessidade, tivessem que contratar um motorista particular para você, para o Ben, o Fran e o Alê. Imagine ainda que a lei autorizasse adolescentes a dirigir já aos quinze ou dezesseis anos de idade. Três candidatos se apresentam para o cargo e o exercício da função: um senhor de noventa anos, um adulto de cinquenta, e um adolescente de quinze ou dezesseis. Considerando-se que nada deponha notória e desfavoravelmente contra nenhum deles, qual dentre eles, segundo lhe parece, deveria ser contratado? Nada contra o idoso - há idosos com lucidez e equilíbrio motor e emocional de dar inveja a muita gente jovem - e nada contra o adolescente que poderia inclusive estar necessitando e muito do emprego pleiteado, mas arrisco afirmar que a maioria absoluta dos pais ou responsáveis - e não apenas "tio" Lúcio ou sua mãe - optariam por contratar o adulto de meia-idade. Na adolescência, minha linda - e isso bem cedo na escola se aprende - as áreas cerebrais responsáveis pela tomada de decisões, julgamento, controle dos impulsos e das emoções, sequer estão ainda totalmente desenvolvidas e em pleno exercício da função, como já foi dito anteriormente. Por força dessa inadequação o adolescente acaba tendo seu comportamento significativamente influenciado também pelo instinto e pela impulsividade, e não apenas pela clareza de consciência e o senso de responsabilidade. Adolescentes são aventureiros, "adoram" desafios e com frequência nós os surpreendemos flertando com o risco, a ameaça e o perigo; e como sabemos, um volante e um acelerador atraem velocidade e consequente desrespeito às leis de trânsito em igual ou maior intensidade  que aquela com a qual o amor atrai sua cara-metade. Os fatos estão aí, para que possamos observá-los: a impulsividade e a falta de experiência ao volante, aliadas à pressão do grupo e à sensação de impunidade, têm produzido "rachas" e competições "desenfreadas" [literalmente = sem freios] com consequências desastrosas e irreversíveis, não raro contando com a anuência e a complacência dos próprios pais ou responsáveis. Como se isso não bastasse, é preciso reconhecer que o trânsito vem se tornando para muita gente uma autêntica "praça de guerra". De acordo com as estatísticas, acidentes de trânsito estão entre as cinco principais causas de morte no Brasil, com um detalhe que chama a atenção e sugere preocupação: os jovens fazem parte do grupo mais acometido por mortes violentas e traumáticas. Num cenário como esse a inexperiência e a imaturidade emocional típicas da adolescência - ainda que não exclusivas - dificultam e muito saber lidar equilibrada e adequadamente com o estresse, a provocação e até mesmo com a raiva que as pessoas projetam umas sobre as outras quando estão dirigindo. Uma simples "fechada" infeliz e não intencional pode acabar levando um filho, um neto, um pai ou uma mãe para o hospital; isso quando não diretamente para o indesejável e sombrio "jardim da paz". Portanto, minha linda, se a direção atrai você, assim como certamente atrai muitos jovens da sua idade, saiba dizer "não" agora para não se arrepender mais tarde. E se quem está no volante é um jovem adolescente - sem carteira, sem experiência, e com certeza sem juízo e sem responsabilidade - agradeça a carona e não coloque sua vida em risco por tão pouco nessa hora. Você tem muitas pessoas que amam a vida e sobretudo amam você, e podem lhe proporcionar cuidados com uma segurança muito maior. Um beijo nesse coração adolescente, mas acima de tudo um coração responsável e consciente. Dirigir defensivamente e na hora certa também é um ato de amor e de respeito à vida; tanto a vida própria como a dos demais. Beijos também na Bia, no Ben, no Fran e no Alê. AMO MUITO TODOS E CADA UM DE VOC

(*) Reflexão enviada por whatsapp, de Vitória(ES)

(**)(**)Psicólogo e Professor Universitário no Consultório de Psicologia- Universidade Federal do Espírito Santo- Vila Velha, Espírito Santo, Brasil.

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