XII-
REFLEXÕES DE UM PAI, AVÔ E PSICÓLOGO
Lindolivo Soares
Moura (*) ( **)
Oi
minha linda, tudo bem com você? Se não está, pense positivo. Lembre-se do que
disse Juliana de Norwich, uma inglesa do século XIV que tinha tudo para ser
declarada santa se não tivesse dito umas "coisinhas" parecidas com as
que disse Lutero sobre a Igreja, sua ideologia sobre o pecado, e o
comportamento do clero. Mas deixando de lado a questão polêmica, fiquemos
apenas com a seguinte afirmação de Juliana que viria a se tornar sua
"marca registrada". Eis o que ela disse: "no fim tudo, todos, e
toda sorte de coisas acabarão bem". Portanto, a crer nessa espécie de
"profecia", se nem tudo está bem com todos, incluindo com você, é
porque ainda não é o fim; quem sabe seja apenas o começo ou, na pior das
hipóteses, o começo do fim. Talvez seja esse o lado melhor da profecia: o fato
de que ela ainda não se tenha realizado. Pessoalmente, espero que leve ainda
muito tempo para que isso aconteça, e se não acontecer, melhor ainda. Já basta
o fim pessoal e inevitável que cada um de nós temos que enfrentar, não é verdade?
E já que esse fim tem se mostrado irrefreável, bom mesmo seria que ele chegasse
sempre na melhor hora, na hora certa - "kairós", como dizem os gregos
- para cada um de nós: os filhos sepultando seus pais e não os pais sepultando
seus filhos. Lamentavelmente nem sempre essa ordem lógica e natural da vida vem
sendo mantida. Dentre os muitos motivos que contribuem para essa inversão
duplamente sofrida está o fato de que um considerável número de adolescentes
começam a dirigir muito cedo, antes da hora, curiosa e estranhamente sob o
olhar catatônico e complacente - quem diria! - de seus próprios pais. Por isso
a "dica" de hoje se debruça sobre esse assunto com a seguinte
advertência: ADOLESCÊNCIA E DIREÇÃO: UM TIPO DE "NAMORO" QUE É COMO
ANDAR NA CONTRA-MÃO: TEM TUDO PARA DAR ERRADO. Preparada? Vamos lá então.
Com
frequência se ouve da parte de muitos adolescentes a seguinte reivindicação:
"se no Brasil um adolescente pode votar aos dezesseis anos de idade, por
que não pode também dirigir com a mesma idade?". A princípio esse
argumento parece bastante robusto e convincente, não é verdade? Mas uma
reflexão mais profunda e um olhar mais apurado mostram que ele não se sustenta.
Uma coisa é "poder", no sentido jurídico e legal do termo, outra bem
diferente é "dever", no sentido de conveniência e de maturidade
emocional capaz de garantir êxito e segurança na execução de uma ação. Não é
raro que a legalidade siga na contra-mão tanto da ética e da moralidade como da
ciência e da cientificidade. De que adianta, por exemplo, a ciência assegurar
que nosso cérebro só atinge sua maturidade funcional por volta dos vinte e
cinco anos de idade, e a ciência psicológica advertir que não se pode e nem se
deve esperar pleno equilíbrio e controle emocional já na adolescência, se o Direito
muitas vezes ignora esses dados ou simplesmente faz "vistas grossas"
dessas informações? A pressuposição pura e simples de que "o que é legal é
moral, é bom, é correto ou é ideal", não passa de um engodo e de uma
falácia que muitos cientistas e operadores do Direito acabam "engolindo
sem digerir", e o que é ainda pior, repassam sem refletir ao senso comum e
a diversos profissionais de outras áreas responsáveis pelo estudo e a
compreensão do comportamento humano. Curioso é que não se ouvem com a mesma
frequência e a mesma insistência argumentos do tipo: "se o adolescente
pode votar aos dezesseis anos, por que não pode também ingerir bebida alcoólica
nessa mesma idade?", ou "ir ao
cinema e assistir ao filme que bem lhe interessar sem que se lhe tenha que ser
concedida autorização por parte dos pais ou responsáveis?", ou ainda "viajar ao exterior livremente
e sem necessidade de autorização expressa e por escrito de ambos os
pais?". Seria o ato de dirigir uma ação tão simples, tão menos perigosa e
tão menos importante que as citadas anteriormente, a ponto de justificar uma
concessão desse direito também a menores de idade ainda adolescentes?
Sei
muito bem, minha linda, que a sensação de liberdade que as mãos por trás de um
volante e o pé por sobre um acelerador produzem, são uma atração e um fascínio
para a maioria dos jovens de sua faixa de idade. Imaginemos, entretanto, apenas
a título de exemplo, que sua mãe ou seu "tio" Lúcio, por absoluta
necessidade, tivessem que contratar um motorista particular para você, para o
Ben, o Fran e o Alê. Imagine ainda que a lei autorizasse adolescentes a dirigir
já aos quinze ou dezesseis anos de idade. Três candidatos se apresentam para o
cargo e o exercício da função: um senhor de noventa anos, um adulto de cinquenta,
e um adolescente de quinze ou dezesseis. Considerando-se que nada deponha
notória e desfavoravelmente contra nenhum deles, qual dentre eles, segundo lhe
parece, deveria ser contratado? Nada contra o idoso - há idosos com lucidez e
equilíbrio motor e emocional de dar inveja a muita gente jovem - e nada contra
o adolescente que poderia inclusive estar necessitando e muito do emprego
pleiteado, mas arrisco afirmar que a maioria absoluta dos pais ou responsáveis
- e não apenas "tio" Lúcio ou sua mãe - optariam por contratar o
adulto de meia-idade. Na adolescência, minha linda - e isso bem cedo na escola
se aprende - as áreas cerebrais responsáveis pela tomada de decisões,
julgamento, controle dos impulsos e das emoções, sequer estão ainda totalmente
desenvolvidas e em pleno exercício da função, como já foi dito anteriormente.
Por força dessa inadequação o adolescente acaba tendo seu comportamento
significativamente influenciado também pelo instinto e pela impulsividade, e
não apenas pela clareza de consciência e o senso de responsabilidade.
Adolescentes são aventureiros, "adoram" desafios e com frequência nós
os surpreendemos flertando com o risco, a ameaça e o perigo; e como sabemos, um
volante e um acelerador atraem velocidade e consequente desrespeito às leis de
trânsito em igual ou maior intensidade
que aquela com a qual o amor atrai sua cara-metade. Os fatos estão aí,
para que possamos observá-los: a impulsividade e a falta de experiência ao
volante, aliadas à pressão do grupo e à sensação de impunidade, têm produzido
"rachas" e competições "desenfreadas" [literalmente = sem
freios] com consequências desastrosas e irreversíveis, não raro contando com a
anuência e a complacência dos próprios pais ou responsáveis. Como se isso não
bastasse, é preciso reconhecer que o trânsito vem se tornando para muita gente
uma autêntica "praça de guerra". De acordo com as estatísticas,
acidentes de trânsito estão entre as cinco principais causas de morte no
Brasil, com um detalhe que chama a atenção e sugere preocupação: os jovens
fazem parte do grupo mais acometido por mortes violentas e traumáticas. Num
cenário como esse a inexperiência e a imaturidade emocional típicas da
adolescência - ainda que não exclusivas - dificultam e muito saber lidar
equilibrada e adequadamente com o estresse, a provocação e até mesmo com a
raiva que as pessoas projetam umas sobre as outras quando estão dirigindo. Uma
simples "fechada" infeliz e não intencional pode acabar levando um
filho, um neto, um pai ou uma mãe para o hospital; isso quando não diretamente
para o indesejável e sombrio "jardim da paz". Portanto, minha linda,
se a direção atrai você, assim como certamente atrai muitos jovens da sua
idade, saiba dizer "não" agora para não se arrepender mais tarde. E
se quem está no volante é um jovem adolescente - sem carteira, sem experiência,
e com certeza sem juízo e sem responsabilidade - agradeça a carona e não
coloque sua vida em risco por tão pouco nessa hora. Você tem muitas pessoas que
amam a vida e sobretudo amam você, e podem lhe proporcionar cuidados com uma
segurança muito maior. Um beijo nesse coração adolescente, mas acima de tudo um
coração responsável e consciente. Dirigir defensivamente e na hora certa também
é um ato de amor e de respeito à vida; tanto a vida própria como a dos demais.
Beijos também na Bia, no Ben, no Fran e no Alê. AMO MUITO TODOS E CADA UM DE
VOC
(*) Reflexão enviada
por whatsapp, de Vitória(ES)
(**)(**)Psicólogo
e Professor Universitário no Consultório de Psicologia- Universidade Federal do
Espírito Santo- Vila Velha, Espírito Santo, Brasil.
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