IX- TRADIÇÃO,
MAGISTÉRIO E SAGRADA ESCRITURA
Tradição,
Magistério e Sagrada Escritura são os três pilares da Fé Católica. Que tal
conhecer mais sobre os fundamentos da Igreja?
Autor: Redação MBC
Tradição, Magistério e Sagrada Escritura são
os pilares da revelação divina. Ao longo da história do povo hebreu, Deus se
revelou de muitas formas. Seja falando diretamente a Abraão e mostrando-lhe a
areia e as estrelas que se comparariam à sua descendência (Gn 26), seja na
sarça ardente a Moisés (Ex 3-4), nas visões de profetas como Isaías e Jeremias,
entre tantos outros fatos que aqui poderiam ser mencionados.
O fato é que, sempre, Deus quis manifestar-se
e estar próximo de seu povo escolhido. E na plenitude dos tempos não foi
diferente – Deus quis estar tão próximo a ponto de mandar Seu Filho único
encarnado para a salvação de toda a humanidade (Jo 3, 16). Essas manifestações divinas também
podem ser chamadas de Revelação – a forma como Deus se dá a conhecer a suas
criaturas.
Grande parte dessa revelação encontra-se nos
livros que compõem a Bíblia, alguns destes já citados anteriormente. Porém, ao
nos aprofundarmos na fé que professamos, damo-nos conta de que nem tudo está
registrado na Sagrada Escritura. Há
crenças e dogmas que nos chegam por outro meio: pela Tradição apostólica ou
pelo Magistério da Igreja Católica.
Isso porque Deus escolheu manifestar-se não apenas
pelo texto bíblico, mas por três vias de Revelação da Verdade divina – uma
tríplice aliança que revela ao homem um pouco dos mistérios de Deus. Assim,
para a Igreja Católica, cada via dessa trindade tem o mesmo peso e o mesmo grau
de verdade. Deus se revela por meio dos textos sagrados – aqueles que foram
escritos, selecionados e reconhecidos pelo Magistério da Igreja; também se
revela pelo próprio Magistério, cuja missão é guardar e interpretar essas
verdades da fé; e também, ainda, pela Tradição apostólica, aquilo que os
discípulos viram e ouviram do próprio Senhor e que permanece sendo contado e
ensinado (cf. CIC 95).
A partir de agora, vamos nos deter em cada um
desses três pilares da fé católica, buscando compreender a revelação divina
manifestada por meio de cada um deles.
A
Bíblia sozinha é incompleta: Tradição, Magistério e Sagrada Escritura andam
juntos
A Bíblia, como já dissemos, é um dos pilares
da fé, já que é por seu intermédio que se transmite a revelação divina,
inspirada por Deus a alguns homens. No entanto, há que se chamar a atenção ao
fato de que somente
a Sagrada Escritura não contém a total revelação do mistério divino.
Deus quis que, junto a esse importante canal de Sua manifestação ao mundo, Ele
também se revelasse a nós por meio dos outros dois pilares da fé.
Assim, há várias razões pelas quais a Sagrada
Escritura e sua interpretação livre não são suficientes para mostrar-nos a
totalidade da Revelação. A primeira e mais relevante delas é, sem dúvida, o
fato de que uma interpretação sem auxílio da Igreja pode levar a muitas conclusões
errôneas, seitas e equívocos doutrinários, como já ocorreu na história da
humanidade.
É muito frequente, por exemplo, que
protestantes de várias denominações questionem os princípios católicos e, para
argumentar, façam objeções como: “Onde se fala sobre o Purgatório na Bíblia?
Onde diz, na Bíblia, que São Pedro foi o Primeiro Papa? Onde está escrito que
Maria foi levada ao céu em corpo e alma?” E assim muitas questões deste mesmo
gênero. Para eles, a Revelação Divina e a Bíblia são a mesma coisa. Isto é,
somente na Escritura já estaria toda a Revelação de Deus.
Contudo, pensando desde uma perspectiva
histórica, podemos nos questionar: esta posição está correta? A Bíblia, tal
como a conhecemos hoje, sempre existiu? Ou foi a Igreja e a Tradição as responsáveis
por escrevê-la, selecioná-la e guardá-la ao longo de todos estes anos? O que
existiu primeiro: a Bíblia ou a Igreja? E, diante de todas essas questões, a
resposta é muito clara: não
haveria Sagrada Escritura se, antes, Deus não tivesse escolhido homens para
guardá-la e transmiti-la.
A
Revelação Divina
A Revelação é a manifestação de Deus e
de sua vontade acerca de nossa salvação, e vem da palavra “revelar”, que quer
dizer “tirar o véu”, ou “descobrir”.
Ao longo da história da humanidade, Deus se
revelou de suas maneiras:
- A
Revelação natural, ou revelação mediante tudo o que foi criado:
Diz o apóstolo Paulo: “Tudo aquilo que
podemos conhecer de Deus, Ele mesmo o manifestou. Pois, se não podemos vê-Lo, o
contemplamos, pelo menos, através de suas obras, posto que Ele fez o mundo, e
por suas obras entendemos que Ele é eterno e poderoso, e que é Deus (Rm 1,
19-20).
- A
Revelação sobrenatural ou divina:
Desde o princípio, Deus começou a revelar-se
através de um contato mais direto com os homens, desde Adão e Eva, com o povo
hebreu mediante os antigos profetas e de uma maneira perfeita e definitiva na
pessoa de Jesus Cristo na plenitude dos tempos, o Filho de Deus encarnado:
“Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos
profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho, que constituiu herdeiro
universal, pelo qual criou todas as coisas.” (Hb 1, 1-2)
Nosso Senhor revelou-nos Deus Pai mediante
suas palavras e obras, seus sinais e milagres; sobretudo mediante sua morte,
sepultura e sua gloriosa ressurreição e com o envio do Espírito Santo sobre sua
Igreja. Assim, tudo o que Jesus fez e ensinou se chama “Evangelho”, isto é,
“Boa nova da Salvação”.
Tradição, Magistério e Sagrada Escritura: a maneira como a Revelação
divina foi transmitida?
Para levar o Evangelho por todo o mundo,
Jesus encarregou os apóstolos e seus sucessores como pastores da Igreja que Ele
fundou pessoalmente: “Jesus, aproximando-se deles, falou: “Todo o poder me foi
dado no céu e sobre a terra. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se
tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e
ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. Eis que estou convosco todos
os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 18-20).
Como percebemos nesta passagem da Sagrada
Escritura, Jesus ordenou a pregação de sua Boa notícia da Salvação. E, de fato,
os Apóstolos pregaram a Boa Nova de Cristo em todos os lugares do mundo ao
longo de dois mil anos. Anos
depois da morte e ressurreição do Senhor, alguns destes discípulos registraram
por escrito essa pregação. Isto é, no começo a Igreja preocupou-se pelo kérygma, pelo anúncio do Evangelho.
Sendo assim, o Evangelho que Jesus entregou a
seus Apóstolos não estava escrito. Jesus nunca escreveu uma carta a eles, da
mesma forma que já havia acontecido com grandes filósofos como Sócrates. O ensino de Nosso Senhor foi somente
oral e exemplar. Assim fizeram também cada um dos
discípulos, até que o primeiro livro fosse escrito, já anos depois de a Igreja
Primitiva estar consolidada e com número expressivo e cada vez maior de fiéis.
A Tradição Apostólica: guardiã da fé
Estes ensinamentos escutados da boca
de Jesus, vividos, meditados e transmitidos oralmente pelos apóstolos chamam-se
“A Tradição Apostólica”.
Quando falamos de “Tradição” (com letra
maiúscula), do latim Traditio,
isto é, entrega, referimo-nos sempre à Tradição Apostólica, e não às simples
tradições humanas passadas de geração em geração. Não devemos confundir a
Tradição com a “tradição”, que em geral se refere a costumes, ideias, modos de
viver de um povo.
A Tradição Apostólica, por outro lado, se
refere à transmissão do Evangelho de Nosso Senhor. Jesus, além de ensinar a
seus apóstolos com discursos e exemplos, ensinou-lhes uma maneira de orar, de
atuar e de conviver. Esta era a Tradição que os apóstolos guardavam na Igreja
primitiva. O apóstolo Paulo, em sua carta aos Coríntios, refere-se a isso
dizendo: “Eu recebi do Senhor o que vos transmiti” (1 Cor 11, 23).
O Magistério da Igreja
O Magistério, do latim Magister, isto é,
mestre, é o
encarregado por interpretar a Sagrada Escritura e ensinar ao povo de Deus sua
correta leitura.
Este Magistério, por sua vez, não está acima
da Revelação Divina, mas a seu serviço, para ensinar puramente aquilo que foi
transmitido. Por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, o
Magistério da Igreja escuta devotamente o ensinamento, guarda-o zelosamente e o
explica fielmente.
Os fiéis recebem com docilidade os
ensinamentos e diretrizes que seus pastores lhes dão de diferentes formas,
recordando a Palavra de Cristo a seus apóstolos: “Quem vos ouve a mim ouve; e
quem vos rejeita a mim rejeita; e quem me rejeita rejeita aquele que me enviou”
(Lc 10, 16).
Assim, o Magistério da Igreja é um guia seguro na leitura e
interpretação da Sagrada Escritura, já que “Antes de tudo,
sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal.” (2 Ped 1,
20). E o que poderia ser melhor do que todo este magistério custodiado pelos
próprios pastores e sucessores de Cristo? “Porque onde dois ou três estão
reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.” (Mt 18,20)
O Magistério da Igreja orienta também o
crescimento na compreensão da fé. Graças à assistência do Espírito Santo, a compreensão da fé pode crescer na
vida da Igreja quando os fiéis meditam a fé cristã e compreendem internamente
seus mistérios. Isto é, o fiel vive a palavra de Deus nas
circunstâncias concretas da história e torna cada vez mais explícito o que
estava implícito na Palavra de Deus.
Nesse sentido, a Tradição divino-apostólica
vai crescendo, como sucede com qualquer organismo vivo, pois “A Santa Tradição,
a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, segundo o plano prudente de Deus,
estão unidos e ligados, de modo que nenhum pode subsistir sem os outros; os
três, cada um segundo seu caráter, e sob a ação do único Espírito Santo,
contribuem eficazmente para a salvação das almas” (CIC 95)
Assim também lemos na Constituição Dogmática Dei Verbum
sobre a revelação divina, quando trata sobre a tríplice base da
Sagrada Escritura, Tradição e Magistério:
“Porém, o encargo de interpretar
autenticamente a palavra de Deus escrita ou contida na Tradição, foi confiado
só ao magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus
Cristo. Este magistério não está acima da palavra de Deus, mas sim ao seu
serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e
com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e
a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé
como divinamente revelado.” (cf. Dei Verbum, Cp.2, Par. 10).
Tradição, Magistério e Sagrada Escritura: Os três pilares
Estes três pilares da Igreja Católica estão
entrelaçados para sustentar a fé e a doutrina e garantir que, mesmo com o passar
dos séculos, esta se mantenha incorruptível. De modo que nenhum deles três
existe sem os outros. É assim que juntos, sob a mesma ação do Espírito Santo,
contribuem eficazmente e harmonicamente, cada um a seu modo, à salvação dos
homens.
Esta união de forças ocorre desde que Nosso
Senhor escolheu seus apóstolos e a Pedro como pastor da Igreja: “Eu te darei as
chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e
tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 19). Assim
também os discípulos o fizeram na Igreja primitiva: “O que aprendestes,
recebestes, ouvistes e observastes em mim, isto praticai, e o Deus da paz
estará convosco” (Fl 4, 9). E, com o tempo, o mantiveram para garantir que não
houvesse erros na leitura e interpretação da Boa Nova: “O que de mim ouviste em
presença de muitas testemunhas, confia-o a homens fiéis que, por sua vez, sejam
capazes de instruir a outros.” (2 Tim 2, 2).
A quem foi confiado o depósito da fé?
Em resumo, podemos dizer que Jesus mandou
“pregar”, não “escrever” seu Evangelho, embora a escrita, com o passar do
tempo, tenha se tornado muito valiosa e ampliado muito o acesso dos fiéis às
revelações divinas. No entanto, apenas a Escritura não se basta, se não estiver
custodiada pela Tradição dos Apóstolos e por pastores sábios que possam ensinar
as verdades da fé.
A estes, na figura da Igreja como um todo,
foi confiado o depósito da fé – a missão de guardá-la até o fim do mundo, com a
volta de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Por fim, São João Paulo II esclarece muito
bem essa questão ainda em sua Constituição
Dogmática Dei Verbum, na qual ensina:
“A sagrada Tradição e a Sagrada Escritura
constituem um só depósito sagrado da palavra de Deus, confiado à Igreja;
aderindo a este, todo o Povo santo persevera unido aos seus pastores na
doutrina dos Apóstolos e na comunhão, na fração do pão e na oração (cfr. Act.
2,42 gr.), de tal modo que, na conservação, actuação e profissão da fé
transmitida, haja uma especial concordância dos pastores e dos fiéis […]
É claro, portanto, que a sagrada Tradição, a
sagrada Escritura e o magistério da Igreja, segundo o sapientíssimo desígnio de
Deus, de tal maneira se unem e se associam que um sem os outros não se mantém,
e todos juntos, cada um a seu modo, sob a acção do mesmo Espírito Santo,
contribuem eficazmente para a salvação das almas”. (DV, Cap. 2 Par. 10.)
https://bibliotecacatolica.com.br/blog/formacao/tradicao-magisterio-e-sagrada-escritura/
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