24º DOMINGO DO TEMPO COMUM –
CONFESSAR O MESSIAS COM PALAVRAS E ATITUDES
Por Francisco Cornélio Freire Rodrigues*
I.
INTRODUÇÃO GERAL
O centro da liturgia deste domingo é o reconhecimento da
identidade de Jesus como Messias e as implicações concretas do seu seguimento.
Isso é evidenciado, sobretudo, pelo Evangelho, que corresponde ao exato centro
temático e literário da obra de Marcos, constituído pela confissão de Pedro e
pelo primeiro anúncio da paixão por Jesus, com as exigências básicas para seu
discipulado. A primeira leitura serve de preparação: a situação do servo do
Senhor, descrita pelo profeta, é prefiguração de Jesus e da natureza da sua
messianidade. Apesar de perseguido e humilhado, o servo mantém inabaláveis a fé
e a confiança no Senhor Deus, levando sua missão ao pleno cumprimento. A
segunda leitura recorda que não é suficiente confessar a fé com palavras; é
necessário traduzi-la em obras, para torná-la credível. E o compromisso com as
pessoas mais necessitadas é o modo mais eficaz de fazer isso. A certeza de que
“o Senhor defende os humildes” atesta a relação entre as leituras e o salmo
responsorial.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1.
I leitura (Is 50,5-9a)
A segunda parte do livro de Isaías (Is 40-55) é atribuída a um
profeta-poeta anônimo que exerceu seu ministério profético na fase final do
exílio na Babilônia. Entre os estudiosos, convencionou-se denominar a obra de
“livro da consolação” e o autor de “Segundo Isaías”. Essa obra possui quatro
seções, chamadas de “cânticos do servo do Senhor” (Is 42,1-9; 49,1-7; 50,4-11;
52,13-53,12). A primeira leitura desta liturgia faz parte do terceiro cântico e
apresenta o servo como um personagem perseguido e humilhado, mas profundamente
confiante no Senhor.
O servo se apresenta totalmente
disponível para cumprir em sua vida os propósitos de Deus. Ao dizer que o
Senhor lhe abriu os ouvidos, expressa sua consciência de vocacionado; quer
dizer que o Senhor o chamou pessoalmente e o chamado foi irresistível (v. 5).
Essa convicção é essencial, tendo em vista as consequências da missão: a
perseguição e a humilhação, incluindo a violência física (v. 6). Ele encara o
sofrimento como consequência da missão, por isso se mantém firme, sem deixar-se
abater nem desanimar, pois confia no auxílio do Senhor (v. 7). Convicto de ter
Deus ao seu lado, o servo até desafia seus adversários (v. 8). Desse modo,
afirma sua confiança inabalável no Senhor e ainda denuncia seus opressores,
mostrando que não se combate violência com violência nem se responde ao mal com
o mal (v. 9). Logo, a passividade do servo não é sinal de impotência nem de
resignação; pelo contrário, significa resistência, denúncia e, acima de tudo,
confiança no Senhor Deus, que está sempre do lado dos humilhados.
Sendo o servo um personagem
anônimo, sua identidade é misteriosa. Alguns estudiosos afirmam tratar-se do
profeta mesmo, tendo em vista que a perseguição faz parte da missão. A maioria,
no entanto, vê-o como uma figura coletiva: representa o povo de Israel exilado,
especificamente o resto que permaneceu fiel à Aliança, em meio à exploração e
ao sofrimento. E essa é a explicação mais plausível. Os primeiros cristãos o
identificaram como prefiguração de Jesus, o Messias crucificado por amor e
fidelidade aos propósitos do Pai.
2-
II leitura (Tg 2,14-18)
A segunda leitura continua a ser tirada da carta de Tiago, cuja
contextualização foi feita no domingo passado, embora brevemente. Por isso,
ainda faremos aqui algumas considerações contextuais, precisamente sobre o
estilo do escrito. Do gênero epistolar, essa carta contém apenas a saudação
inicial (Tg 1,1); o restante aproxima-se mais dos estilos sapiencial e
profético. Trata-se de um conjunto de reflexões e conselhos práticos sobre
aspectos essenciais da vida cristã que pareciam ameaçados nas comunidades
destinatárias – por exemplo, sobre a importância de obras concretas que deem
respaldo à fé. Por sinal, esse é o tema do trecho lido nesta liturgia,
considerado o coração de toda a carta.
O autor introduz o tema com uma
pergunta retórica que põe em xeque o sentido de uma fé meramente teórica,
considerando-a incapaz de levar à salvação (v. 14). No desenvolvimento, ilustra
seu argumento com dois exemplos bem reais: a quem não tem o que vestir nem o
que comer, não basta dirigir-lhe palavras; é necessário agir concretamente em
seu favor, oferecendo vestimenta e comida (v. 15-16). Isso vale também para as
demais situações de necessidade. Daí se conclui que a fé sem obras é morta (v.
17). Nessa perspectiva, não há oposição entre fé e obras. Pelo contrário, há
uma relação intrínseca entre as duas; ambas são inseparáveis (v. 18-19).
Com base nesse texto, alguns
estudiosos chegaram a afirmar uma oposição entre o pensamento de Tiago e a
doutrina paulina da justificação pela fé. No entanto, isso é um equívoco, pois
as obras que Paulo contrapõe à fé correspondem à observação da Lei, ao passo
que as obras que Tiago reivindica são consequência da fé e do seguimento de
Jesus Cristo. Por isso, pode-se dizer que há complementaridade entre os dois,
ao invés de oposição.
3-Evangelho (Mc 8,27-35)
Todo o Evangelho de Marcos gira
em torno da implícita pergunta: “Quem é Jesus?”, à qual o evangelista responde
com dois títulos que marcam a divisão da obra em duas partes: Jesus é o Messias
– ou seja, o Cristo – e Filho de Deus (Mc 1,1). A primeira parte (1-8) tem seu
ponto alto na solene confissão de Pedro: “Tu és o Messias” (8,29), enquanto a
segunda (9-16) culmina na confissão do centurião aos pés da cruz: “Esse homem
era Filho de Deus” (Mc 15,39). O texto deste domingo é a conclusão da primeira parte
e o centro temático e literário da obra; compreende a confissão de Pedro, o
primeiro anúncio da paixão e as exigências básicas para o discipulado. É um
episódio presente nos três sinóticos (Mt 16,13-19; Lc 9,18-21), sendo a versão
de Marcos a mais rica e original.
A cena transcorre no caminho de
Cesareia de Filipe (v. 27), no extremo norte da Galileia. Cesareia era uma
cidade imperial, onde se prestava culto ao imperador romano; sua população era
predominantemente pagã. A confissão da messianidade de Jesus ali se torna,
então, uma denúncia ao império, com todo o seu aparato de dominação. A pergunta
de Jesus sobre o que dizem dele não significa preocupação com sua imagem
pessoal, mas com a eficácia do anúncio. Ele já tinha realizado muitos sinais e
ensinado bastante, mas pouca gente o conhecia verdadeiramente. Muitos o
acompanhavam por curiosidade, uns pela euforia, outros para tirar proveito dos
sinais realizados, e poucos por convicção.
Conforme a resposta dos
discípulos, o povo não tinha clareza sobre a identidade de Jesus, mas nutria
grande estima pela sua pessoa, ao reconhecê-lo como profeta (v. 28). Isso,
porém, não é suficiente, porque Jesus é muito maior. A pergunta sobre o que as
outras pessoas diziam foi apenas um pretexto; o que ele queria mesmo saber era
a opinião dos discípulos (v. 29a). E Pedro confessou: “Tu és o Messias” (v.
29b). Aqui, Pedro fala em nome do grupo. Essa é a resposta da comunidade e,
apesar de solene e formalmente correta, não é satisfatória, por isso Jesus
impõe o silêncio. De fato, o messias esperado pelo povo, incluindo os
discípulos, era um guerreiro, restaurador do Reino de Israel, enquanto Jesus
veio para instaurar o Reino de Deus, com uma mensagem de libertação para toda a
humanidade.
Diante do equívoco dos
discípulos, Jesus inaugura nova etapa na sua catequese, com o primeiro dos três
anúncios da paixão (v. 31). Com isso, revela sua identidade de Messias “às
avessas”: vai sofrer muito, será rejeitado e humilhado até a morte. Pedro não
aceita um Messias assim; por isso, repreende Jesus (v. 32). Essa atitude é
absurda, pois é Jesus quem tem autoridade para repreendê-lo, como o faz (v.
33). O Mestre, contudo, não o manda para longe, como diz a tradução litúrgica,
mas para trás, ou seja, para a posição de discípulo. Ao chamá-lo de satanás,
Jesus diz que Pedro estava agindo como seu adversário, criando obstáculos para
a realização do seu projeto de libertação.
Pedro queria evitar a cruz,
enquanto Jesus afirma que a cruz é condição para seu seguimento (v. 34).
Obviamente, não se trata de uma busca voluntária por sofrimento; significa a
capacidade de viver por amor, a ponto de dar a vida. Por conseguinte, Jesus
reforça: para segui-lo, é preciso coragem de dar a vida por sua causa e pelo
Evangelho (v. 35); isso comporta o compromisso com o próximo, especialmente com
as pessoas mais necessitadas. Logo, o discipulado é incompatível com o egoísmo
e com qualquer pretensão de sucesso e prestígio pessoal.
II.
PISTAS PARA REFLEXÃO
Apresentar a relação entre as três
leituras, enfatizando as exigências concretas que a fé e o seguimento de Jesus
comportam. A pergunta de Jesus sobre sua identidade é dirigida aos cristãos de
todos os tempos: é importante que haja coerência entre a resposta dada com
palavras e as ações concretas do dia a dia. Recordar o compromisso com as
pessoas necessitadas como componente essencial da fé cristã.
Francisco
Cornélio Freire Rodrigues*
*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em
Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum
(Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia
(Insaf), no Recife, e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina
Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade
Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN). E-mail: francornelio@gmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/24o-domingo-do-tempo-comum-12-de-setembro/
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