VI- Nossa
Senhora Aparecida: 10 perguntas sobre a santa padroeira do Brasil que, 300 anos
depois, continuam sem respostas definitivas
- André
Bernardo
- Do Rio
de Janeiro para a BBC Brasil
Ela
é feita de barro, tem 36 centímetros de altura e pesa 2,50 kg. Mas, não se
engane: essa frágil estátua de Nossa Senhora da Conceição Aparecida tem uma força
excepcional. Todos os anos, ela recebe uma média de 12 milhões de visitantes em
sua casa, o maior santuário mariano do mundo, a 180 quilômetros de São Paulo
(SP).
"Aparecida
conquistou o Brasil antes mesmo de existir em nosso país um hino (1822) ou uma
bandeira nacional (1889). A santinha, encontrada por três pescadores no Rio
Paraíba do Sul em 1717, foi o primeiro símbolo realmente brasileiro e de
alcance nacional", afirma o jornalista Rodrigo Alvarez, autor de Milagres
- Histórias Reais sobre Acontecimentos Extraordinários Atribuídos à Intervenção
de Nossa Senhora Aparecida (Record), o segundo volume dedicado à
padroeira do Brasil.
Se
a capela original, inaugurada em 1745, tinha 32 palmos de largura por 76 de
comprimento (cerca de sete metros por 16), a basílica hoje ocupa uma área de 72
mil m². É no interior dela que está a principal atração do santuário: a imagem
de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, com seu manto azul e sua coroa de ouro
- esta, doada pela princesa Isabel, em 1884.
- Por
que Nossa Senhora Aparecida é padroeira do Brasil e 12 de outubro se
tornou feriado nacional?
- Por
que o Brasil comemora o Dia das Crianças em 12 de outubro?
Um dos pontos mais visitados do santuário é a sala das
promessas. Lá, romeiros do Brasil inteiro podem deixar fotos e objetos em
retribuição a graças alcançadas. Todos os meses, cerca de 18,5 mil itens são
doados - de vestido de noiva a foto de miss, passando por caixote de engraxate,
placa de carro, luva de boxe e máquina de costura.
Mas, nem só de milagre e devoção é feita a história de
Aparecida. O capítulo mais triste foi escrito no dia 16 de maio de 1978, quando
Rogério Marcos de Oliveira, de 19 anos, tirou proveito de uma repentina queda
de luz para tentar roubar a imagem. O sujeito correu até o nicho, bateu com
força no vidro e, depois de quebrá-lo, fugiu em disparada. Perseguido pelos
fiéis, deixou a imagem cair no chão.
Na mesma hora, Rogério foi mandado para a prisão e a Aparecida,
para o Museu de Arte de São Paulo (Masp). "Mais do que restaurar a imagem,
tive que reconstituí-la", conta a artista plástica Maria Helena Chartuni,
de 75 anos, que ajudou a dar um final feliz à história que já dura 300 anos.
Uma história com vários detalhes interessantes e enigmas que
ainda estão sendo esclarecidos, ou para os quais especialistas têm explicações
diferentes. Veja só:
1. Quem
batizou a santa encontrada no rio Paraíba do Sul de Aparecida?
Não houve um "batismo" oficial. "De tanto o povo
falar em aparecida daqui, aparecida dali, o termo ganhou inicial maiúscula e
virou nome próprio", explica o jornalista Ricardo Marques, autor de Nossa
Senhora Aparecida - 300 Anos de Milagres (Record). A propósito, não
foi a cidade que cedeu o nome para a santa, a exemplo do que aconteceu em
Fátima, Lourdes ou Guadalupe, e, sim, a santa que, no dia 17 de dezembro de
1928, emprestou seu nome para a cidade.
2. Como a
santa foi parar no rio?
Há pelo menos duas hipóteses. A mais provável é que, depois de
quebrada, algum fiel tenha se desfeito dela - jogando ela no rio - para evitar
mau agouro. "Manter defunto de barro dentro de casa era certeza de
maldição", esclarece o jornalista Rodrigo Alvarez, de Aparecida -
A Biografia da Santa que Perdeu a Cabeça, Ficou Negra, Foi Roubada, Cobiçada
pelos Políticos e Conquistou o Brasil (Globo).
Outra hipótese, menos difundida, sustenta que a escultura,
exposta numa capela de Roseira, município vizinho de Aparecida, teria sido
arrastada durante uma enchente até o Paraíba do Sul.
3. Quanto
tempo a imagem teria permanecido no fundo do Paraíba do Sul?
Difícil saber. Segundo estimativa de Rodrigo Alvarez, "não
mais do que cinco anos". Na opinião do jornalista, a imagem pertencia à
capela Nossa Senhora do Rosário, de propriedade do capitão José Correia Leite.
Muito devoto, Correia Leite teria inaugurado a capela em 1712, cinco anos antes
de a imagem ter sido resgatada pelos pescadores nas águas do rio. Já pelos
cálculos do padre José Inácio de Medeiros, superior provincial dos padres
redentoristas de São Paulo, a santa não ficou cinco anos no leito do rio, mas
50.
"Se a imagem foi esculpida na segunda metade do século 17 e
encontrada no início do século 18, calculo que tenha permanecido entre 50 e 70
anos nas águas do Paraíba do Sul", analisa.
4. Quem
esculpiu a imagem da santa?
Até pouco tempo atrás, a autoria da imagem era desconhecida.
Hoje, acredita-se que tenha sido moldada pelo frei carioca Agostinho de Jesus.
"Era discípulo do mais respeitado artesão da época, o português Agostinho
da Piedade", elucida a historiadora Tereza Galvão Pasin, autora de Senhora
Aparecida - Romeiros e Missionários Redentoristas na História da Padroeira do
Brasil (Santuário).
Pelas características da obra, chegou-se a cogitar que a imagem
tenha sido esculpida pelo santeiro português. Mas, já no século 20, essa
hipótese foi descartada depois de concluírem que Aparecida fora moldada com
barro paulista. "A argila usada era proveniente da cidade de Salesópolis,
região onde nasce o Paraíba do Sul", explica Padre José Inácio.
5. Os
pescadores que encontraram a imagem da santa eram, na verdade, escravos?
É bem provável. A Câmara de Guaratinguetá tinha prometido uma
recompensa para quem conseguisse pescar a maior quantidade possível de peixes.
A ideia era oferecer um banquete à comitiva de dom Pedro Miguel de Almeida
Portugal, que estava prestes a assumir o cargo de governador da capitania de
São Paulo e das Minas de Ouro. O futuro conde de Assumar passaria pelo vilarejo
de Santo Antônio de Guaratinguetá no dia seguinte, 17 de outubro de 1717, a
caminho de Minas Gerais.
Muitos barcos, inclusive o de João Alves, Domingos Garcia e
Filipe Pedroso, saíram de um porto particular, na fazenda do capitão José
Correia Leite, na vila de Pindamonhangaba, vizinha de Guaratinguetá. Dono de
terras e muitos escravos, Correia Leite morreu em 1744.
Legenda da foto,Autoria de escultura
da santa já foi identificada com diferentes versões | Foto: Paulo
Pinto/FotosPublicas
Em seu testamento, deixou alguns escravos para seus herdeiros.
Três deles se chamavam João, Domingos e Felipe. Seria coincidência?
"Sabendo que o capitão era o dono do porto de onde os três
homens saíram no dia em que encontraram a santinha, não parece absurdo pensar
que Felipe, Domingos e João eram escravos e foram pescar por ordens do homem
poderoso que queria agradar ao governador", especula o jornalista Rodrigo
Alvarez.
Coincidência ou não, um dos primeiros miraculados da santa foi
um escravo, Zacarias, que teria fugido de uma fazenda do Paraná. Ao ser
recapturado no Vale do Paraíba, pediu ao feitor para rezar aos pés da santa.
Quanto o escravo se ajoelhou, as correntes se partiram, sem explicação.
O padre José Inácio refuta a tese de que os pescadores seriam
escravos. "Não há comprovação histórica", justifica. Ele até admite
que, naquela época, pescadores eram tão desvalorizados socialmente quanto
escravos, mas garante que João, Domingos e Filipe eram homens livres.
6. De quem
é a imagem encontrada no rio?
Para o jornalista Ricardo Marques, não há dúvidas: é de Nossa
Senhora da Conceição. Foi dom João 4º que, em 1646, promoveu a Virgem Maria ao
posto de padroeira de Portugal. "Por essa razão, é provável que o dono da
imagem fosse português", acrescenta. O reitor do Santuário Nacional, padre
João Batista de Almeida, concorda. E explica o motivo: "É Nossa Senhora da
Conceição, sim, porque ela está grávida. Não tem o menino no colo porque o traz
na barriga", esclarece o sacerdote redentorista, no cargo desde 2016.
7. A
princesa Isabel dizia ter recebido um milagre da santa?
Tudo indica que não. O que se sabe é que Isabel e seu marido, o
Conde d'Eu, eram devotos ilustres da santa. Tanto que, vinte anos antes da
promulgação da lei Áurea, os dois visitaram a imagem. Casados havia quatro
anos, não conseguiam ter filhos. Dezesseis anos depois, o casal regressou a
Aparecida. E, dessa vez, levou a prole: Pedro, Luís e Antônio.
Milagre? Não se sabe. Pelo menos não é reconhecido pelo
Santuário Nacional de Aparecida como um dos seis milagres históricos. Ainda
assim, Isabel presenteou a santa com uma coroa de ouro de 24 quilates,
cravejada de diamantes.
8. Qual é
a cor de Nossa Senhora da Conceição Aparecida? Branca ou negra?
Para alguns, a escultura de barro ganhou seu característico tom
escuro por causa do lodo do Paraíba do Sul. "A cor escura foi resultado da
ação do tempo e da água do rio", crava o jornalista Ricardo Marques. Para
outros, o que teria enegrecido a imagem foi a fumaça das velas do oratório
improvisado na casa de Silvana da Rocha Alves, a mãe de João, um dos
pescadores.
"Desde que foi encontrada no Paraíba do Sul, em 17 de
outubro de 1717, até o dia em que foi transferida para uma nova capela, em 25
de julho de 1745, a imagem foi submetida à fumaça de candeeiros, velas e tochas
por 28 longos anos", explica a historiadora Tereza Pasin.
9. A
imagem exposta no Santuário Nacional de Aparecida é a mesma que fora encontrada
no rio?
Há quem diga que não. Que se trata de uma réplica perfeita da
imagem original, guardada em algum cofre a sete chaves. O Santuário Nacional de
Aparecida, porém, garante que sim. A imagem exposta na Basílica é a mesma que
fora encontrada, trezentos anos antes, nas águas turvas do Paraíba do Sul.
Mas, por medidas de segurança, o nicho é protegido por um vidro
à prova de balas e está a quatro metros do solo. Com a exceção da visita de
papas, a santa só sai de lá uma vez por ano. Quem cuida de sua manutenção é
Maria Helena Chartuni, a artista plástica que a restaurou em 1978. Depois de
verificar minuciosamente se a escultura precisa de algum reparo, a imagem é
devolvida ao nicho pelo reitor do Santuário.
10. A
imagem foi encontrada no dia 17 de outubro de 1717. Por que, então, a festa da
Padroeira do Brasil é comemorada no dia 12 de outubro?
Segundo o historiador Leandro Karnal, a escolha pelo dia 12 de outubro não
foi aleatória. Ele cita outras datas, como o descobrimento da América (12/10/1492),
a aclamação de Pedro 1º como imperador do Brasil (12/10/1822) e a inauguração
da estátua do Cristo Redentor (12/10/1931), como prováveis fontes de inspiração
para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
"A data passou a ser uma conexão cívica e religiosa,
celebração do catolicismo pátrio, de identidade da fé e do nacionalismo",
observa Karnal, autor de Santos Fortes - Raízes do Sagrado no Brasil (Rocco).
Desde 1953, o dia da Padroeira do Brasil é comemorado em 12 de outubro. Antes disso,
já fora celebrado no primeiro domingo de maio, no quinto domingo da Páscoa, no
dia 7 de setembro (Dia da Independência) e no dia 8 de dezembro (Dia da
Imaculada Conceição).
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