sexta-feira, 11 de outubro de 2024

VIII-REFLEXÃO DOMINICAL II:28º DOMINGO DO TEMPO COMUM – Viver com sabedoria, segundo a Palavra Por Francisco Cornélio Freire Rodrigues*

 

VIII-REFLEXÃO DOMINICAL II:28º DOMINGO DO TEMPO COMUM –

Viver com sabedoria, segundo a Palavra

Por Francisco Cornélio Freire Rodrigues*

 

I.              INTRODUÇÃO GERAL

 

 A liturgia deste domingo constitui verdadeiro convite à reflexão e ao discernimento acerca do que é essencial e pode, de fato, dar sentido à existência. Em forma de elogio, o autor da primeira leitura declara a sabedoria superior a todos os bens da terra; comparados a ela, o poder e as riquezas são insignificantes. No Evangelho, Jesus é interpelado por um homem muito rico, obediente aos mandamentos e sedento de vida eterna, mas incapaz de renunciar ao que o impede de ganhá-la: as riquezas. Com base no colóquio com aquele homem, Jesus aprofunda a catequese sobre a necessidade do desapego aos bens para um autêntico discipulado. A segunda leitura é um elogio à Palavra de Deus: é viva e eficaz, por isso interpelante e performativa; logo, quem se deixa orientar por ela alcança a verdadeira sabedoria e torna-se apto ao seguimento radical de Jesus. O salmo segue a mesma linha, ensinando-nos a pedir ao Senhor o que é essencial: “dai ao nosso coração sabedoria!” (Sl 89,12).

 

II.            COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

 

1.    I leitura (Sb 7,7-11) 

 

A primeira leitura é tirada do livro da Sabedoria, cuja autoria foi atribuída a Salomão, mediante o recurso literário da pseudonímia, a fim de conferir prestígio e autoridade ao escrito, uma vez que Salomão era o protótipo de homem sábio em Israel. Cronologicamente, é o último livro do Antigo Testamento. Foi escrito já no final do século I a.C. por um erudito judeu, da cidade de Alexandria do Egito, com o objetivo de reforçar a fé e as tradições de Israel, que estavam ameaçadas devido à influência exercida pela cultura grega sobre as novas gerações de judeus. Tanto assim que havia até perseguição: os judeus que não aderiam aos costumes gregos eram publicamente hostilizados. Daí a importância desse livro, com a função de estimular a fidelidade e a resistência do povo.

 

O trecho lido neste domingo pertence à segunda parte do livro (Sb 6-9), conhecida como o “elogio da sabedoria” e considerada o coração da obra. Foi inspirado no clássico episódio do sonho de Gabaon (1Rs 3,5-15), no qual o Senhor concedeu a Salomão a oportunidade de pedir qualquer coisa, que lhe seria dada; então, em vez de pedir riqueza e glória, o jovem rei pediu sabedoria para governar seu povo com justiça. Em estilo autobiográfico, o Pseudo-Salomão reconta essa experiência. Ele recebeu a prudência e o espírito da sabedoria como frutos da oração e da súplica (v. 7); trata-se de afirmação muito importante, pois apresenta a sabedoria como dom de Deus, e não como atividade do intelecto, conforme a concepção da filosofia grega. A sabedoria é, acima de tudo, a arte de viver bem; para a mentalidade judaica, isso consiste na observância da Lei e na capacidade de discernir entre o bem e o mal, escolhendo sempre o bem que conduz à verdadeira felicidade. Por isso, ela é preferível a tudo; qualquer coisa comparada a ela é insignificante, como o poder, a riqueza, os metais preciosos e até mesmo a saúde e a beleza (v. 8-10).

O reconhecimento do valor inestimável da sabedoria não significa, contudo, desprezo pelos bens e dons a ela comparados. Quer dizer apenas que ela deve ser preferida a tudo. Ao invés de opor-se aos bens, ela é sua fonte (v. 11). Por isso, deve ser buscada acima de tudo, pois sem ela nada tem sentido.

2.    II leitura (Hb 4,12-13)

 

 Continuamos a leitura da carta aos Hebreus, iniciada no domingo passado. O breve trecho lido nesta liturgia é a conclusão da primeira parte do livro (1,5-4,13). Trata-se de um elogio à Palavra de Deus. Logo, possui um significado muito importante, ainda mais quando se considera a função pastoral da obra: animar comunidades em crise de fé e esperança. Em contextos assim, nada mais justo do que recordar a potência vivificante da Palavra de Deus, fundamento e alimento da fé.

Empregando imagens bastante interpelantes, o autor descreve a Palavra de Deus com cinco características que revelam sua força performativa: viva e eficaz, cortante e penetrante, e judicante (v. 12). A Palavra de Deus é viva e eficaz porque comunica vida e realiza os propósitos para os quais é enviada (Is 55,10-11); por meio dela, Deus age falando, desde a criação. Sendo mais cortante do que uma espada de dois gumes, ela penetra no mais íntimo do ser da pessoa a quem é destinada. Isso quer dizer que confronta todas as dimensões da vida e nada escapa ao seu alcance. Não permite neutralidade; quem a recebe, deve tomar uma posição a favor ou contra. Por isso, ela é também juiz: confrontada aos sentimentos e emoções, denuncia as incoerências e hipocrisia de quem não a acolhe com sinceridade.

Para o autor, a Palavra é o próprio agir de Deus na história, cuja expressão máxima é a pessoa de Jesus, o Filho, que é a Palavra definitiva (Hb 1,1-2). Prestar contas a ela, portanto, significa confrontar-se com a vida de Jesus de Nazaré (v. 13), a Palavra encarnada e fonte de sabedoria. Quem acolhe essa Palavra, obviamente, alcança a verdadeira sabedoria.

3.    Evangelho (Mc 10,17-30)

 

 O Evangelho deste domingo continua inserido no contexto do caminho de Jesus com os discípulos para Jerusalém. Esse caminho é, antes de tudo, um itinerário teológico e catequético. Por isso, enquanto caminha, Jesus é interrompido diversas vezes por várias categorias de interlocutores, que lhe fazem perguntas relevantes sobre a Lei, o Reino de Deus, as condições para o discipulado e questões do cotidiano.

Enquanto Jesus caminhava, alguém correu ao seu encontro (v. 17). A versão de Mateus desse episódio diz que era um jovem (Mt 19,22). Para Marcos, era apenas alguém. E alguém carente de sentido para a existência; a postura e a pergunta evidenciam isso, apesar de, paradoxalmente, tratar-se de um homem muito rico e fiel aos mandamentos (v. 20.22). Ele ajoelhou-se e perguntou o que fazer para ganhar a vida eterna. Até então, na obra de Marcos, somente um doente de pele tinha se ajoelhado aos pés de Jesus, suplicando-lhe a cura (Mc 1,40); quer dizer que esse alguém do episódio deste domingo tinha um mal equivalente à doença que então se denominava lepra (a pior das enfermidades conhecidas na época): o apego às riquezas. A pergunta revela que o homem buscava sentido para a existência. A vida eterna, aqui, mais do que uma vida pós-morte, significa o sentido da vida presente; quem encontra sentido para a vida aqui eterniza sua existência.

Para a mentalidade judaica, a observância dos mandamentos já era suficiente para a vida ter sentido. Jesus, porém, mostra que essa visão está superada; é necessário algo mais: vender tudo, dar aos pobres e segui-lo (v. 21). Ele não diz isso como imposição, mas como proposta de amor. Contudo, aquele homem não estava pronto para isso; não assimilou o olhar amoroso de Jesus nem sua proposta. Por isso, saiu triste do encontro (v. 22). Assim, o evangelista mostra que é mais fácil a cura da doença então conhecida como lepra do que o desapego aos bens.

Após o diálogo com o desconhecido, Jesus se volta para os discípulos (v. 23-24), os mais necessitados de assimilar sua mensagem. Com eles, o discurso já não se limita à vida eterna, mas passa ao Reino de Deus e às exigências para entrar nele. Entrar no Reino é difícil porque exige adesão incondicional. Para os ricos, é ainda mais difícil, tendo em vista a necessidade maior de renúncias, como Jesus expressa com um provérbio tão hiperbólico: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” (v. 25). Diversas tentativas de interpretação foram sugeridas para suavizar o impacto dessa afirmação. Chegou-se a afirmar que o “camelo” era um tipo de corda grossa e que o “buraco da agulha” era uma porta estreita num muro de Jerusalém. Ler dessa forma é distorcer a mensagem. Jesus gostava de imagens fortes, deixando seus seguidores perplexos (v. 26). Ademais, a história da salvação é marcada por diversos acontecimentos aparentemente impossíveis, mas realizados com a graça de Deus, para quem nada é impossível (v. 27). Logo, não é impossível a entrada dos ricos no Reino de Deus. Contudo, não será possível se não assimilarem a lógica da partilha e do desapego.

A incompreensão dos discípulos se torna evidente na fala oportunista de Pedro (v. 28). De fato, Jesus os conhecia e sabia o que cada um tinha deixado para o seguir. “Casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos” são imagens do que é caro e essencial na vida. Para seguir Jesus com fidelidade, é necessário desapegar-se do que é mais importante. Quem o segue, porém, não fica sem o essencial. Por isso, Jesus elenca as coisas que devem ser deixadas e a seguir as repete, como as mesmas que serão dadas aos seus seguidores (v. 29-30). Assim, ensina que nada falta a quem deixa tudo por causa sua e do Evangelho. A verdadeira sabedoria consiste na assimilação dessa lógica.

III.           PISTAS PARA REFLEXÃO 

 

Explicar bem as leituras, mostrando a coerência entre elas. Apresentar a preferência pela sabedoria como prefiguração da adesão radical exigida para o seguimento de Jesus. Provocar uma reflexão crítica sobre os efeitos produzidos pela Palavra de Deus na comunidade e na vida de cada um.

 

Francisco Cornélio Freire Rodrigues*

*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia (Insaf), no Recife, e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN). E-mail: francornelio@gmail.com

https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/28o-domingo-do-tempo-comum-10-de-outubro/

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