“Enquanto conversavam e discutiam, o
próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar
com eles” (Lc 24,15). O relato dos discípulos de Emaús revela-nos que o conhecimento de
Jesus Cristo, a amizade com Ele, a inserção na comunidade dos seus seguidores(as)
e o testemunho de sua ressurreição são progressivos.
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o
evangelho do 3°
Domingo de Páscoa (28/04/2017)
que corresponde a Lucas 24,13-35.
Para conhecer o Senhor, é necessário
caminhar com Ele, escutar longa e atentamente sua Palavra, deixar-se cativar
por Ele, sentar-se à mesa com Ele e deixar que Ele parta e reparta o pão da
vida.
E, depois de reconhecê-lo, é necessário
realizar imediatamente o “caminho de volta” para a comunidade, para partilhar
com os outros a experiência do encontro com o Senhor, professar juntos a fé comum e realizar as obras do Reino.
Lucas gosta de apresentar Jesus a
caminho. No relato do Evangelho deste domingo, os termos “caminhar, caminho” aparecem
no início, no meio e no fim. No livro dos Atos, a palavra “caminho” designará a
identidade e o modo de vida das comunidades cristãs.
É essa experiência que, em última
instância, muda nosso modo de pensar, de sentir e de agir. É essa experiência
que nos converte em seus (suas) discípulos(as) e seguidores(as).
A graça de Deus pode nos atingir nos
caminhos mais variados e inesperados: passando pelas fendas de nossa
existência, pelas brechas abertas em nós pelas grandes decepções, ou soprando
as últimas brasas que, sob as cinzas da desilusão, ainda permanecem acesas.
Os caminhos que levam ao encontro com
Jesus podem ser os mais diversos e mais ou menos longos, mas a experiência do
encontro pessoal com Ele é imprescindível para conhecê-Lo.
Fazer o caminho com os discípulos
de Emaús é uma privilegiada oportunidade
para recuperar o lugar e o sentido da conversação nas nossas diferentes
relações pessoais.
De fato, vivemos num mundo
hiper-conectado; o uso dos aplicativos de mensagens cresceu assustadoramente. O
mundo, nossa vida, se converteu num “chat” contínuo.
Na verdade, não é coerente traduzir a
expressão “chat” por conversação, porque estamos assistindo a um preocupante
paradoxo: em meio a este “chat universal”, a conversação emudeceu; nem é tumulto
nem é sussurro. Grande parte de nossas “conversações” fica prisioneira das
telas (celulares, tablets, computadores, smarts...). Corremos o risco de
reduzir a comunicação à conexão. Banalizam-se os conteúdos, mas também são
amputadas dimensões fundamentais da experiência humana da comunicação,
sobretudo a presença física.
Sem essa presença, sem o encontro
pessoal, há um empobrecimento da verdadeira comunicação dialógica cara a cara,
diante do olhar do outro; fora desta comunicação vivente com o outro, já não é
possível autentificar a experiência do nosso próprio eu pois nos falta a
relação primordial com um tu.
O processo mesmo da conversação produz
mudanças em nós: uma determinada frase, dita ou escutada, uma experiência de
vida que tocou nosso coração, uma pergunta que nos tirou de nossa maneira
habitual de pensar… são sementes para transformações posteriores.
No caminho de Emaús, Jesus, como mestre sábio na arte da
conversão, parte da situação existencial em que os dois discípulos se
encontravam naquele momento: provoca-os para que falem à vontade das causas de
sua tristeza. No fundo do coração dos discípulos há um grande vazio que,
inconscientemente, querem preencher “conversando e discutindo entre si”.
A pergunta de Jesus sobre o problema que
causava tamanho sofrimento neles foi o ponto de partida para encontrar a
resposta que, no fim do itinerário, iria esclarecê-los, iluminá-los e
devolver-lhes a alegria e a esperança perdidas.
A pergunta de Jesus (“o que ides
conversando pelo caminho?”) faz com que os discípulos levantem os olhos do chão
e olhem para o rosto do peregrino desconhecido. Sem perceber começam a sair de
seu fechamento e a alegrar-se porque alguém está interessado em saber quais são
as causas de sua tristeza e quer escutá-los.
A pedagogia amorosa de Jesus deu certo: eles abrem o coração e
contam “o que aconteceu a Jesus
de Nazaré”. No
entanto, o que aconteceu com Jesus não é contado por um coração ardente e
exultante, mas por um coração ferido, desiludido e triste. A resposta dos
discípulos é um resumo do querigma cristão; mas esse conteúdo é relatado como
uma tragédia irreparável.
Depois de um longo diálogo com o
peregrino, os discípulos não discutem mais entre si, mas unânimes, insistem
para que ele permaneça com eles naquela noite. O pedido “permanece conosco”, em Lucas, expressa o desejo de ser discípulo de
Jesus.
Depois que Jesus aceitou o convite, a
casa de Emaús, em vez de tornar-se um lugar de fuga e
fechamento, como os discípulos pretendiam, tornou-se um lugar de acolhida e de
partilha, de iluminação e ponto de partida para a retomada da comunhão com a
comunidade dos demais companheiros.
Foi durante a “fração do pão”, que os olhos dos discípulos se
abriram e reconheceram Jesus.
A fração do pão continua a ser para os
discípulos de Jesus de todos os tempos o “sinal por excelência da presença
do Ressuscitado, o lugar onde eles podem e devem
descobrir essa presença e a partir do qual poderão dar testemunho da
Ressurreição” (J.
Dupont).
O diálogo é consubstancial ao
cristianismo. Deus é Palavra criadora e geradora de vida, mas em Jesus ela se
manifesta como uma grande conversação. Sua presença junto aos discípulos
de Emaús, é que possibilita a passagem de uma
“conversa e discussão” marcada pela tristeza, dor e fuga a uma nova
conversação, cheia de sentido e alegria. Os dois discípulos viveram uma
verdadeira “páscoa”, isto é, passaram da discussão ao reconhecimento, do
fechamento à abertura, do lamento ao agradecimento, do desânimo ao entusiasmo.
Em resumo, a “passagem” do coração vazio e duro para o coração
transbordante e abrasado.
A nova conversação os arranca da solidão
e os faz retornar à comunidade para relatar a boa nova da experiência que
fizeram. Conversação expansiva, desencadeadora de outros relatos vitais. E
assim, os laços são reatados.
Sabemos que, a partir de uma posição
conservadora, estática, rígida, é muito difícil que haja uma verdadeira
conversação. É preciso sair de si mesmo, colocar-se em marcha. Só nesse
deslocamento é onde podemos nos abrir às novas experiências e reconhecer a
presença do outro.
O modo eminente de conversação entre as
pessoas é aquele no qual se dá uma mútua atualidade da presença, e, portanto,
um modo de comunicação no qual toda a pessoa se expressa, com gestos e
palavras, e tem um caráter pascal, ou seja, a passagem para a comunhão, a paz, a
iluminação...
Para meditar na oração
Em um mundo permanentemente conectado,
com um medo cada vez mais difuso de perder/esquecer seu celular, ou de
“ficar sem bateria”, o aprender a “desconectar”, a gerir a solidão, o encontro
consigo mesmo, é um dos grandes desafios, sobretudo para os chamados
“nomofóbicos digitais”.
- Reservar tempos de deserto para viver
a experiência de uma conexão
interior é
altamente humanizador; somente esta conexão profunda possibilita ter acesso à
reservas interiores de compaixão, bondade, amor.
- O “ofício da palavra”, para além de
designar isto ou aquilo, é um ato de amor: criar presença.
- Suas conversas cotidianas: são carregadas de calor humano ou marcadas pela frieza das telas digitais?
https://www.ihu.unisinos.br/566962-caminho-de-emaus-conversaçao-que-%20transforma
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