A LÓGICA DA MISERICÓRDIA E NÃO DA LEI
Temos, portanto, diante de Jesus
uma mulher que, de acordo com a Lei, tinha cometido uma falta que merecia a
morte. Para os escribas e fariseus, trata-se de uma oportunidade de ouro para
testar a ortodoxia de Jesus e a sua fidelidade às exigências da Lei; para
Jesus, trata-se de revelar a atitude de Deus frente ao pecado e ao pecador.
Apresentada a questão, Jesus não procura branquear o pecado ou desculpabilizar
o comportamento da mulher. Ele sabe que o pecado não é um caminho aceitável,
pois gera infelicidade e rouba a paz… No entanto, também não aceita pactuar com
uma Lei que, em nome de Deus, gera morte. Porque os esquemas de Deus são
diferentes dos esquemas da Lei, Jesus fica em silêncio durante uns momentos e
escreve no chão, como se pretendesse dar tempo aos participantes da cena para
perceber aquilo que estava em causa. Finalmente, convida os acusadores a tomar
consciência de que o pecado é uma consequência dos nossos limites e
fragilidades e que Deus entende isso: “quem de vós estiver sem pecado, atire a
primeira pedra”. E continua a escrever no chão, à espera que os acusadores da
mulher interiorizem a lógica de Deus – a lógica da tolerância e da compreensão.
Quando os escribas e fariseus se retiram, Jesus nem sequer pergunta à mulher se
ela está ou não arrependida: convida-a, apenas, a seguir um caminho novo, de
liberdade e de paz (“vai e não tornes a pecar”).
A lógica de Deus não é uma lógica de morte, mas uma lógica de vida; a proposta
que Deus faz aos homens através de Jesus não passa pela eliminação dos que
erram, mas por um convite à vida nova, à conversão, à transformação, à
libertação de tudo o que oprime e escraviza; e destruir ou matar em nome de
Deus ou em nome de uma qualquer moral é uma ofensa inqualificável a esse Deus
da vida e do amor, que apenas quer a realização plena do homem.
O episódio põe em relevo, por outro lado, a intransigência e a hipocrisia do
homem, sempre disposto a julgar e a condenar… os outros. Jesus denuncia, aqui,
a lógica daqueles que se sentem perfeitos e autossuficientes, sem reconhecerem
que estamos todos a caminho e que, enquanto caminhamos, somos imperfeitos e
limitados. É preciso reconhecer, com humildade e simplicidade, que necessitamos
todos da ajuda do amor e da misericórdia de Deus para chegar à vida plena do
Homem Novo. A única atitude que faz sentido, neste esquema, é assumir para com
os nossos irmãos a tolerância e a misericórdia que Deus tem para com todos os
homens.
Na atitude de Jesus, torna-se particularmente evidente a misericórdia de Deus
para com todos aqueles que a teologia oficial considerava marginais. Os
pecadores públicos, os proscritos, os transgressores notórios da Lei e da moral
encontram em Jesus um sinal do Deus que os ama e que lhes diz: “Eu não te
condeno”. Sem excluir ninguém, Jesus promoveu os desclassificados, deu-lhes
dignidade, tornou-os pessoas, libertou-os, apontou-lhes o caminho da vida nova,
da vida plena. A dinâmica de Deus é uma dinâmica de misericórdia, pois só o
amor transforma e permite a superação dos limites humanos. É essa a realidade
do Reino de Deus.
A reflexão pode fazer-se a partir
das seguintes indicações:
• O nosso Deus – di-lo de
forma clara o Evangelho de hoje – funciona na lógica da misericórdia e não na
lógica da Lei; Ele não quer a morte daquele que errou, mas a libertação plena
do homem. Nesta lógica, só a misericórdia e o amor se encaixam: só eles são
capazes de mostrar o sem sentido da escravidão e de soprar a esperança, a ânsia
de superação, o desejo de uma vida nova. A força de Deus (essa força que nos
projeta para a vida em plenitude) não está no castigo, mas está no amor.
• No nosso mundo, o
fundamentalismo e a intransigência falam frequentemente mais alto do que o
amor: mata-se, oprime-se, escraviza-se em nome de Deus; desacredita-se,
calunia-se, em razão de preconceitos; marginaliza-se em nome da moral e dos
bons costumes… Esta lógica (bem longe da misericórdia e do amor de Deus)
leva-nos a algum lado? A intolerância alguma vez gerou alguma coisa, além de
violência, de morte, de lágrimas, de sofrimento?
• Quantas vezes nas nossas
comunidades cristãs (ou religiosas) a absolutização da lei causa marginalização
e sofrimento… Quantas vezes se atiram pedras aos outros, esquecendo os nossos
próprios telhados de vidro… Quantas vezes marcamos os outros com o estigma da
culpa e queimamos a pessoa em “julgamentos sumários” sem direito a defesa… Esta
é a lógica de Deus? O que nos interessa: a libertação do nosso irmão, ou o seu
afundamento?
• Neste caminho quaresmal,
há duas coisas a considerar: Deus desafia-nos à superação de todas as
realidades que nos escravizam e sublinha esse desafio com o seu amor e a sua
misericórdia; e convida-nos a despir as roupagens da hipocrisia e da
intolerância, para vestir as do amor.
https://www.dehonianos.org/portal/05o-domingo-da-quaresma-ano-c/
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