AGOSTINHO: O PECADOR QUE VIROU SANTO
Por
Padre Paulo Ricardo
Agostinho é uma das personagens históricas mais importantes do mundo. O
seu legado não somente transformou a civilização, como facilitou o surgimento
de outros eminentes doutores da Igreja, como Santo Tomás de Aquino. Mas
isso só aconteceu pela intervenção divina, que transformou um pecador contumaz
num grande santo. A conversão de Santo Agostinho é, ao lado da
experiência de São Paulo Apóstolo, um fenômeno marcante para toda a Igreja, que
merece ser estudado por quantos desejam atingir a perfeição cristã.
Agostinho nasceu em Tagaste, por volta do ano 354 d.C.. Embora sua mãe,
Santa Mônica, fosse cristã, ela não quis batizá-lo por medo de que o filho se
perdesse no pecado e tivesse de pagar as duras penas da confissão. Naquela
época, um pecador público era submetido a graves humilhações antes de ser
readmitido à comunidade. Santa Mônica preferiu apenas catequizá-lo. Em todo
caso, essa educação que Agostinho recebeu na infância serviu para aproximá-lo
minimamente de Jesus.
Na juventude, Agostinho revelou-se um prodígio dos estudos. Apaixonou-se
pela retórica e, mais tarde, a leitura do livro Hortensius, de
Cícero, convenceu-o de que tinha de procurar fervorosamente a verdade. Movido
por esse desejo, flertou com o maniqueísmo e outras filosofias até finalmente
render-se à pregação de Santo Ambrósio. O bispo de Milão abriu seus
olhos para Cristo e a Igreja, e o filho de Santa Mônica se viu constrangido a
abraçar a religião católica.
A pregação de Santo Ambrósio e a intercessão de Santa Mônica foram
decisivas para a conversão de Agostinho. Durante a juventude, ele havia
adquirido o vício da luxúria, de modo que os pecados da carne eram realmente
presentes na sua vida. Agostinho chegou a ter um filho, Adeodato, com uma de
suas amantes. Mas depois da conversão, ele já não podia viver essas paixões sem
sentir uma enorme vergonha. Santa Mônica rezava para que ele se casasse
com uma boa mulher, mas Deus o chamava para uma perfeição maior. E
grandes foram as suas lutas.
Quando Agostinho finalmente decidiu abraçar a Igreja, sua mãe
regozijou-se: “Uma só coisa me fazia desejar viver um pouco mais, e era
ver-te católico antes de morrer. Deus me concedeu esta graça
superabundantemente, pois te vejo desprezar a felicidade terrena para servi-lo” (Confissões,
IX, 10). De fato, Agostinho já não era o mesmo. Ele via uma luz brilhar diante
de seus olhos, convidando-o para uma nova vida: a luz da verdade. E a graça
começava a mover o seu coração ainda pagão, de modo que já não tinha mais
desculpas para fugir de Deus:
Instigado a
voltar a mim mesmo, entrei em meu íntimo, sob tua guia e o consegui, porque
tu te fizeste meu auxílio (cf. Sl 29,11). Entrei e com certo olhar da
alma, acima do olhar comum da alma, acima de minha mente, vi a luz imutável.
Não era como a luz terrena e evidente para todo ser humano. Diria muito pouco
se afirmasse que era apenas uma luz muito, muito mais brilhante do que a comum,
ou tão intensa que penetrava todas as coisas. Não era assim, mas outra coisa,
inteiramente diferente de tudo isto. Também não estava acima de minha mente
como óleo sobre a água nem como o céu sobre a terra, mas mais alta, porque ela
me fez, e eu, mais baixo, porque feito por ela. Quem conhece a verdade, conhece
esta luz (Confissões, VII, 10).
A conversão de Agostinho é algo excepcional. Ele não se
converteu moralmente, como a maioria dos cristãos, mas intelectualmente;
foi o interesse pela verdade que o levou até a luz de Cristo. Como já
explicamos em outras oportunidades, a engenharia da santidade passa por um encontro com
a Verdade, cuja luz revela o verdadeiro caminho para a felicidade eterna. E o
conhecimento dessa luz, que é a graça suficiente, moveu a vontade
de Agostinho para a comunhão com Deus. Antes mesmo de ser batizado, Deus já o
convidava para uma vida inteiramente renovada.
Nos primeiros anos, Agostinho viveu uma luta intensa entre a sua razão e
a sua vontade. Ele já conhecia a verdade, mas não tinha forças para largar
totalmente o pecado, e os prazeres da carne o consumiam. Agostinho queria dar o
passo definitivo da sua conversão sem, no entanto, abandonar os velhos
prazeres. Desse modo, ele adiava a sua entrega a Deus o quanto podia.
Certo dia, ouviu a história de Santo Antão e ficou profundamente
impressionado com o seu desprendimento das coisas do mundo. A notícia
de que, em Milão, havia monges que viviam aquele mesmo estilo de vida fez
Agostinho chorar. Ele via sua miséria e se atormentava pela dureza de
seu coração, pela resposta negativa que dava ao chamado de Deus.
Depois de tanta luta, Agostinho foi a um jardim chorar novamente, quando
ouviu a voz de uma criança cantar: “Toma e lê”. Obediente, abriu as Sagradas
Escrituras e leu a Carta de São Paulo aos Romanos, que diz: “Não caminheis em
glutonarias e embriaguez, não nos prazeres impuros do leito e em leviandades,
não em contendas e rixas; mas revesti-vos de nosso Senhor Jesus Cristo, e não
cuideis de satisfazer os desejos da carne” (13, 13-14). E a graça de Deus o
iluminou: “Não quis ler mais, nem era necessário. Quando cheguei ao fim da
frase, uma espécie de luz de certeza se insinuou em meu coração, dissipando
todas as trevas de dúvida” (Confissões, VIII, 12).
Essa é a engenharia da santidade. Deus quer nos
fazer totalmente santos e deve nos auxiliar com a sua graça. Todavia,
precisamos buscar a verdade pela meditação, a fim de que a luz de Deus
fortaleça a nossa vontade, assim como ocorreu com Agostinho. Precisamos nos expor
à verdade até que não sobre mais dúvidas. De resto, Ele mesmo se encarregará de
nos santificar.
o Áudio do
episódio (Formato .mp3)
o https://padrepauloricardo.org/episodios/agostinho-o-pecador-que-virou-santo
Nenhum comentário:
Postar um comentário