REFLEXÃO
DOMINICAL I
1ª
Leitura - Is 40,1-5.9-11
Salmo - Sl
84,9ab-10.11-12.13-14 (R.8)
2ª Leitura - 2Pd 3,8-14
Evangelho - Mc 1,1-8
Queridas
irmãs e queridos irmãos, estamos vivendo o Tempo do Advento. Neste Segundo
Domingo deste tempo litúrgico encontramos a Primeira Leitura de hoje retirada
do Livro do profeta Isaías (40, 1-5; 9-11) de onde destaco como o tema mais
relevante, a consolação amorosa de Deus que prepara um caminho para seu povo
percorrer. O profeta garante aos exilados na Babilônia que é esta a vontade de
Javé, pois Ele está preparando um caminho para seu povo transformando toda
estepe, colina ou elevação em largos vales (vv. 3-4). Além disto, Deus agirá
como um pastor carregando seu povo carinhosamente em seu regaço (v.11) em
direção à terra da liberdade e da paz.
“Consolai, consolai
o meu povo, diz o Senhor, falai ao coração de Jerusalém...” (vv. 1-2). Ao
ouvirem a expressão “meu povo”, todos e todas percebem que existe uma relação
muito íntima entre Deus e eles. Pedir ao profeta que “fale ao coração” de seus
ouvintes significa que Deus deseja tranquilizar seu povo, fazendo isto com amor
e ternura. A misericórdia de Deus anuncia a esse povo amargurado, desiludido e
frustrado que Ele não o abandonou nem esqueceu e que vai atuar no sentido de
oferecer de novo a vida e a liberdade. Essa mensagem que nos traz o
Deutero-Isaías representa um extraordinário "capital de esperança" ao
Povo de Deus de todas as épocas e lugares.
Podemos
perceber que assim como o povo no Exílio da Babilônia estava frustrado e
desorientado, hoje também, muitos de nós se encontram desiludidos e
paralisados. Questionamo-nos por
que Deus permite o drama sanitário da pandemia, a crise
política mundial, as “fake news”, a devastação do meio ambiente, a desigualdade
gritante e cruel entre os seres humanos, o preconceito mortal em relação a
qualquer tipo de diferença seja racial, econômica, social, intelectual, de
gênero, de nacionalidade, a crescente onda de conservadorismo e fundamentalismo
religioso... Além, de muitas outras mazelas que enfrentamos nos dias de hoje.
Além
disto, ao olharmos numa outra direção, vemos que no tempo do profeta, havia
outras pessoas do povo instaladas e acomodadas em seu pequeno “mundinho”,
desfrutando do conforto e das benesses da riqueza e do poder que haviam
adquirido. Se olharmos nossa realidade de hoje encontramos pessoas vivendo esta
mesma realidade atroz, quando muitos se locupletam da cruel desigualdade que
assola nossa sociedade, e dentro de uma perspectiva da meritocracia, acreditam
merecer o que há de melhor a usufruir egoisticamente. Pensam estar protegidas
de todo mal que atinge os outros companheiros e companheiras de caminhada,
tratando-os com egoísmo, indiferença e exclusão.
Como
cristãos e cristãs devemos
nos perguntar:
Em qual
dos dois grupos me encontro: o dos desiludidos e paralisados, ou o dos
acomodados em sua riqueza e poder? Será que percebo que há possibilidade de
esperança e conversão nos dois grupos, pois Deus está preparando amorosamente um
caminho para eu percorrer em direção à verdadeira
liberdade?
Em
concreto, o que é
que me impede de percorrer este caminho e renascer para
uma vida mais humana, livre e feliz? Os bens materiais? A posição social? O
comodismo? O medo? O egoísmo? O Advento é o tempo favorável para limparmos os
caminhos da nossa vida, de forma a que Deus possa nascer em nós e, através de
nós, libertar o mundo. Enfim, é preciso correr riscos! É preciso ousar e romper
as correntes que nos mantêm fechados em nosso “mundinho” confortável e
supostamente protegido. É preciso estar com os olhos voltados para o futuro que
ainda está por vir e que deve ser acolhido, mas também construído por cada um
de nós.
A segunda leitura de
hoje vamos encontrá-la na Segunda
Carta de Pedro (2
Pd 3,8-14), e dela destaco, como principal mensagem, a
vigilância necessária diante da imprevisibilidade da Parusia, a Segunda vinda
de Jesus.
Os
cristãos e cristãs dos primeiros tempos, a quem a carta é dirigida, estavam
convencidos da iminente
chegada de Jesus para eliminar definitivamente o mal e
para instaurar permanentemente o Reinado de Deus. No entanto, o tempo passava e
a segunda vinda do Senhor não acontecia. Os crentes estavam decepcionados e
eram objeto de deboche. O autor da carta, então, explica-lhes as razões pelas
quais o Senhor ainda não veio. A primeira delas é que Deus não está dependente
do tempo, como nós que vivemos na História, pois, "um dia diante do Senhor
é como mil anos e mil anos como um dia" (v. 8). A segunda é que Deus é
paciente e pretende prorrogar o tempo da História para dar a todas e todos a
oportunidade de acolherem a salvação que Ele oferece (v. 9).
Logo,
não é possível definir o
momento exato da Parusia: será algo inesperado e surpreendente
(vv. 9; 12), que os crentes devem esperar vigilantes e preparados (v.14).
Portanto, a questão
fundamental que os cristãos devem pôr, a propósito da
segunda vinda do Senhor, não é a questão da data, mas sim a questão de como
esperar e preparar esse momento, de tal forma que possibilitem a experiência
histórica de "novos céus e nova terra onde habitará a justiça"
(v.13).
A
partir daí podemos
nos perguntar:
Hoje,
vivo uma vida de acordo com a vocação
a que fui chamada, uma vida que tem como princípio norteador as
opções de vida de Jesus de Nazaré?
Sou
capaz de perceber que minha conduta
vigilante, ativa e cheia de esperança no Senhor colabora para
concretizar na terra a vivência da justiça entre os seres humanos e entre as
nações?
No
texto do Evangelho
de Marcos (MC 1,1-8) que nos é proposto hoje, gostaria de
destacar em primeiro
lugar o caráter subversivo de seu autor. De maneira única
em todo o Novo Testamento, Marcos
inicia seu escrito dizendo: “Início do Evangelho de Jesus
Cristo, Filho de Deus” (v. 1). Somente ele intitula sua obra de Evangelho que
significa, como bem sabemos, boa
notícia. Evangelho era uma palavra mais utilizada na esfera
política do que na religiosa. Na verdade, a palavra “evangelho” era usada para
anunciar as notícias mais importantes do império, como o nascimento de um filho
do imperador e as vitórias em uma guerra ou batalha. Ao utilizá-la para falar
dos acontecimentos referentes a Jesus, Marcos se assume como subversivo,
afirmando que “boa notícia” não é o que sai de Roma, mas a que sai de Nazaré,
na vida de um homem simples, corajoso e cheio de amor: Jesus de Nazaré. Se
Marcos se assume subversivo politicamente, aplicando a palavra “evangelho” a
Jesus, é nítida também a sua subversão religiosa, ao abrir a “história” de
Jesus com a mesma palavra que se abre o Antigo Testamento, isto é, com o termo
grego: arkhê, cujo
significado mais autêntico é
princípio, ao invés de início, como traz o texto litúrgico de
hoje. Ao usar esta palavra o evangelista quer dizer que a história da salvação
tem, em Jesus, um novo princípio, um novo fundamento, desafiando assim a
religião oficial da época. E, finalmente, ao afirmar que Jesus é
também Filho de
Deus, Marcos desafia, ao mesmo tempo, tanto o império quanto a
religião. Portanto, de modo simples, mas ao mesmo tempo profundo, Marcos
enfrenta os dois poderes mais fortes e organizados da época na terra de Jesus:
o império romano e a religião oficial judaica.
Podemos
nos perguntar:
Sou seguidora de Jesus, que
com coragem e ousadia
evangélica e subversiva aponta com ousadia a política que
assola nossa sociedade, a do ódio ao diferente, seja ele estrangeiro, pobre,
negro, mulher, LGBTQIA+, povos originários, enfim uma sociedade violenta, truculenta,
assassina, que invisibiliza, quando não descarta os pequenos e que dá mais
valor ao dinheiro do que à vida?
Estou
em harmonia com o Papa Francisco que nos chama a subverter a prática da Cristandade,
para sermos uma “Igreja
em saída”, a que vai ao encontro daqueles e daquelas que mais
necessitam, os que estão fragilizados e são por nós esquecidos? Sou capaz de
incluí-los no seio amoroso da Igreja, como o faz uma mãe, sem julgá-los
moralmente?
Tenho a
ousadia de viver a “Economia
de Francisco e Clara”, a economia subversiva da partilha e
não a da acumulação?
Até
aqui, refletimos apenas sobre o primeiro versículo deste Evangelho, que
funciona como seu título e introdução geral. A partir daí surge o profeta João Batista que
faz a transição do
Antigo para o Novo Testamento, convidando os seus contemporâneos e,
claro, os homens e mulheres de todas as épocas, a percorrer um autêntico
caminho de conversão, de transformação, e de mudança de vida e mentalidade.
Deste
texto (vv. 2-8) destaco João,
o Batizador, como mensageiro enviado por Deus para preparar o
caminho do Senhor apontando-o como verdadeiro Messias Esperado.
Marcos,
ao falar de João, faz citações tiradas da Torá e dos Profetas, sugerindo
que ele é aquele do qual falavam as promessas antigas, e que devia vir anunciar
e preparar o Povo de Deus para acolher a intervenção definitiva de Javé na
História.
João
devia preparar o
caminho do Senhor, removendo os obstáculos do coração do povo
pelo arrependimento, para acolher melhor o Messias esperado. Sua pregação é
feita "no deserto" (v.3), para lembrar ao povo que foi lá onde os
israelitas libertados do Egito passaram de uma mentalidade de escravos a uma
mentalidade de mulheres e homens livres, de uma mentalidade de egoísmo a uma
mentalidade de partilha.
“João
se vestia de pelos de camelo e se alimentava de gafanhotos e de mel
silvestre"(v. 6). Como podemos perceber ele não vestia a púrpura
sacerdotal, a que tinha direito como filho do sacerdote Zacarias, mas vestia o
traje dos homens do deserto, daqueles que não possuíam riqueza, nem opulência.
O estilo de vida de João, sóbrio, desprendido, austero, simples, é um convite
claro à renúncia aos valores do mundo e uma interpelação à sociedade de seu
tempo e a de todos os tempos.
Finalmente:
O que é que João diz sobre esse Messias
libertador? Com consciente humildade, diz não ser “digno de
desatar a correia de suas sandálias (v.7), e acrescenta ainda que o Messias
terá a força de Deus e a sua missão será comunicar esse Espírito de Deus
(v.8), Espírito que
transforma, renova e recria os corações de mulheres e homens.
Portanto, João anuncia que aquele que vem “depois dele” é alguém mais forte e
poderoso que ele (vv.7-8).
A
partir daquilo que o Evangelho nos apresenta hoje podemos nos perguntar:
Se Deus convida o ser humano à
transformação e à mudança através de profetas, de
ontem e de hoje, a quem chama e a quem confia a missão de questionar o mundo e
os seres humanos, estou
suficientemente atenta aos profetas que questionam meu estilo de vida e meus
valores? Dou crédito
às suas interpelações, ou os considero figuras incomodativas,
ultrapassadas e dispensáveis?
E eu,
constituída profeta desde o meu batismo, sinto-me enviada por Deus a interpelar e a questionar o
mundo e meus irmãos e irmãs? Estou hoje preparando o caminho do Senhor?
O
"estilo de vida" de João é uma forte interpelação
à nossa sociedade consumista e poluidora do meio ambiente. Ele é um homem que
está consciente das prioridades e não dá importância aos aspectos secundários
da vida, como a roupa de marca, a alimentação cuidada ou ao poder religioso ao
qual tinha direito.
Então,
a partir daí cada
um de nós pode se perguntar: Quais os valores que
considero fundamentais, quais são aqueles que marcam minhas decisões e opções?
Como me situo frente a valores e a um estilo de vida que contradiz, claramente,
os valores do Evangelho? Entro “na onda” e sigo o que é feito pela maioria que
não segue os parâmetros do Evangelho?
Finalmente,
destaco a frase que é, de certo modo, a principal mensagem de hoje:
"Preparemos o caminho do Senhor!" Como fazer isto hoje? A urgência é
seguramente dar a Cristo todo o espaço nas nossas vidas, isto é, limpar o
terreno, permitindo que Ele nasça no íntimo de minha vida.
O
Advento pode ser, se assim o desejarmos, um tempo de desapropriação, para
melhor encontrar Cristo. Ao longo desta Segunda Semana o apelo que nos é
dirigido é o de procurar libertar espaço para que o Senhor venha. Só assim
poderemos clamar do fundo de nosso coração “Vem Senhor!” Maranata!
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