CATEQUESES DO PAPA FRANCISCO
Os elementos do discernimento. O desejo
Catequeses sobre o discernimento . Os
elementos do discernimento. O desejo
Estimados irmãos e irmãs.
Nestas catequeses, revemos os elementos do
discernimento. Depois da oração e do conhecimento de si, isto é, rezar e
conhecer-se a si mesmo, hoje gostaria de falar sobre outro “ingrediente”, por
assim dizer, indispensável: hoje gostaria de falar sobre o desejo.
Com efeito, o discernimento é uma forma de busca, e a busca deriva sempre de
algo que nos falta, mas que de certo modo, conhecemos, intuímos.
De que tipo é este conhecimento? Os mestres
espirituais indicam-no com o termo “desejo” que, na raiz, é uma nostalgia de
plenitude que nunca encontra realização total, e é o sinal da presença de Deus
em nós. O desejo não é a vontade do momento, não. A palavra italiana vem de um
termo latino muito bonito, isto é curioso: de-sidus, literalmente
“a falta da estrela”, desejo é uma falta da estrela, falta do ponto de
referência que orienta o caminho da vida; ela evoca um sofrimento, uma carência
e, ao mesmo tempo, uma tensão para alcançar o bem que nos falta. Então, o
desejo é a bússola para compreender onde estou e para onde vou, aliás é a
bússola para compreender se estou parado ou a caminhar, uma pessoa que nunca
deseja é uma pessoa parada, talvez doente, quase morta. É a bússola que indica
se estou a caminhar ou parado. E como é possível reconhecê-lo?
Pensemos, um desejo sincero sabe
tocar profundamente as cordas do nosso ser, e por isso não se extingue perante
as dificuldades ou contratempos. É como quando estamos com sede: se não
encontramos algo para beber, não renunciamos; pelo contrário, a busca ocupa
cada vez mais os nossos pensamentos e ações, até nos dispormos a fazer qualquer
sacrifício para a poder saciar, quase obcecados. Obstáculos e fracassos não
sufocam o desejo, não; pelo contrário, tornam-no ainda mais vivo em nós.
Ao contrário da vontade ou da emoção do momento, o
desejo dura no tempo, até por muito tempo, e tende a concretizar-se. Se, por
exemplo, um jovem desejar tornar-se médico, deverá empreender um percurso de
estudos e de trabalho que ocupará vários anos da sua vida e, consequentemente,
deverá estabelecer limites, dizer “não”, em primeiro lugar a outros
percursos de estudos, mas também a possíveis lazeres e distrações,
especialmente nos momentos mais intensos de estudo. No entanto, o desejo de dar
um rumo à sua vida e de alcançar aquela meta – chegar a ser médico era o
exemplo - permite-lhe superar tais dificuldades. O desejo torna-te forte, corajoso,
faz com que vás em frente sempre porque queres chegar àquilo: “Eu desejo
aquilo”.
Com efeito, um valor torna-se belo e mais
facilmente realizável quando é atraente. Como alguém disse, «mais
do que ser bom é importante ter o desejo de se tornar bom». Ser bom é atraente,
todos queremos ser bons, mas temos a vontade de nos tornarmos bons?
É impressionante que Jesus, antes de realizar um
milagre, frequentemente questione a pessoa sobre o seu desejo: “Queres ser
curado?”. E às vezes esta pergunta parece inoportuna, mas vê-se que está
doente! Por exemplo, quando encontra o paralítico na piscina de Betesda, que já
estava ali havia muitos anos e nunca conseguia encontrar o momento certo para
entrar na água. Jesus pergunta-lhe: «Queres ser curado?» (Jo 5, 6).
Porquê? Na realidade, a resposta do paralítico revela uma série de estranhas
resistências à cura, que não dizem respeito somente a ele. A pergunta de Jesus
era um convite a esclarecer o seu coração, para acolher um possível salto de
qualidade: deixar de pensar em si próprio e na sua vida “de paralítico”,
transportado por outros. Mas o homem na maca não parece estar tão convencido
disto. Dialogando com o Senhor, aprendemos a compreender o que
verdadeiramente queremos da nossa vida. Aquele paralítico é o exemplo
típico das pessoas: “Sim, sim, quero, quero”, mas não quero, não quero, não
faço nada. O querer fazer torna-se como uma ilusão e não se dá o passo para o
fazer. As pessoas que querem e não querem. Isto é terrível, e aquele doente de
38 anos, sempre com lamentações: “Não, sabes Senhor, mas sabes que quando as
águas se movem – que é o momento do milagre – tu sabes, vem alguém mais forte
do que eu, entra e eu chego atrasado”, e lamenta-se e lamenta-se. Mas estai
atentos que as lamentações são um veneno, um veneno para a alma, um veneno para
a vida pois não te fazem crescer o desejo de ir em frente. Estai atentos com as
lamentações. Quando se lamentam em família, lamentam-se os cônjuges,
lamentam-se uns dos outros, os filhos dos pais ou os sacerdotes do bispo ou os
bispos de muitas outras coisas… Não, se vos encontrardes no meio de
lamentações, estai atentos, é quase pecado, pois não deixa crescer o desejo.
Muitas vezes, é precisamente o desejo que faz a
diferença entre um projeto de sucesso, coerente e duradouro, e os milhares de
veleidades e tantos bons propósitos com que, como se diz, “é pavimentado o
inferno”: “Sim, eu queria, queria, queria…” mas nada faz. A época em que
vivemos parece favorecer a máxima liberdade de escolha, mas ao mesmo
tempo atrofia o desejo – queres satisfazer-te continuamente -
reduzido principalmente à vontade do momento. E devemos estar atentos a não
atrofiar o desejo. Somos bombardeados por mil propostas, projetos e
possibilidades, que correm o risco de nos distrair e de não nos permitir
avaliar com calma o que realmente queremos. Muitas vezes, encontramos
pessoas – pensemos nos jovens por exemplo – com o telemóvel na mão e procuram,
olham… “Mas tu paras para pensar?” – “Não”. Sempre extroverso, para com o
outro. Assim o desejo não pode crescer, tu vives o momento, saciado no momento
e o desejo não cresce.
Muitas pessoas sofrem porque não
sabem o que querem da própria vida; provavelmente nunca entraram em contacto
com o seu desejo mais profundo, nunca souberam: “O que queres da tua vida?” –
“não sei”. Daqui deriva o risco de passar a existência entre tentativas e
expedientes de vários tipos, sem nunca chegar a lado algum, desperdiçando oportunidades
preciosas. E assim certas mudanças, embora desejadas em teoria, quando se
apresenta a ocasião, nunca são postas em prática, falta o desejo forte de levar
algo adiante.
Se hoje, por exemplo, a qualquer um de nós, o
Senhor nos dirigisse a pergunta que fez ao cego de Jericó: «Que queres que te
faça?» (Mc 10, 51) – imaginemos que o Senhor pergunte hoje a cada
um de nós: “que queres que eu faça por ti” - como responderíamos? Talvez
finalmente pudéssemos pedir-lhe que nos ajude a conhecer o profundo desejo
d’Ele que o próprio Deus colocou no nosso coração: “Senhor, que eu conheça os
meus desejos, que eu seja uma mulher, um homem de grandes desejos” talvez o
Senhor nos conceda a força para o realizar. É uma graça imensa, na base de
todas as outras: permitir que o Senhor, como no Evangelho, faça milagres para
nós: “Concedei-nos o desejo e fazei-o crescer, Senhor”.
Porque também Ele tem um grande
desejo em relação a nós: tornar-nos partícipes da sua plenitude de vida.
Obrigado.
Papa Francisco
Catequese na audiência geral em
12.10.22
https://www.catequesedobrasil.org.br/noticias/os-elementos-do-discerimento-o-desejo-15102022-084713
Nenhum comentário:
Postar um comentário