REFLEXÃO
DOMINICAL I
Reflexão:
Festa da Transfiguração do Senhor
“O divórcio entre a fé professada e o comportamento quotidiano de muitos cristãos deve ser contado entre os
mais graves erros do nosso tempo” (GS, 43).
A festa da transfiguração do
Senhor é celebrada dia seis de agosto, quarenta dias antes da exaltação da
Santa Cruz; esta festa tem origem na igreja armênia, no tempo de São Gregório
Iluminador (século IV). Na Espanha, é celebrada desde o século X; em 1457, o
papa Celestino II a introduziu no calendário romano, e São Pio X a elevou de
categoria litúrgica.
Qual é o sentido da palavra
transfiguração? Significa transformação, metamorfose, alteração de figura, das
feições e das formas. Nesta visão, a transfiguração é o ponto de chegada de
Jesus, o nosso e o de todo o universo. O nosso destino não é a desfiguração,
mas a transfiguração. Nossa vida cristã é um processo de lenta transformação em
Cristo até a transfiguração na imagem de Cristo glorioso.
Na
Liturgia da Transfiguração do Senhor, veremos, na 1a Leitura (Dn
7,9-10.13-14), que o profeta Daniel mostra o mistério que governa e julga a
história: o ‘Ancião’ é o próprio Deus,
cercado por seus anjos, mediadores de sua ação na história. Os ‘livros’, nos quais são registradas as ações das
pessoas, são abertos: começa o julgamento. O misterioso ‘filho de homem’ é uma personificação do povo fiel
que recebe de Deus o reino que durará para sempre. O Novo Testamento vê Jesus,
o instaurador do Reino de Deus, como esse misterioso ‘filho de homem que vem do céu’. Jesus é o Filho
amado do Pai que recebe o poder, a glória e a realeza, a quem somos chamados a
ouvir e a seguir.
Na 2ª Leitura (2Pd 1, 16-19), o apóstolo Pedro
nos transmite o que significou para ele a experiência de Cristo transfigurado.
O acontecimento foi, para ele, uma confirmação do que os profetas haviam dito.
Aceitar o testemunho dos profetas, isto é, das Escrituras, para conhecer o
Cristo, não é fundar a própria fé sobre fábulas, mas sobre a palavra mesma de
Deus, lâmpada que brilha num lugar obscuro.
No Evangelho (Lc 9,28b-36), vemos que o Cristo
Glorioso da teofania é o mesmo crucificado, é o mesmo da Palavra, é o mesmo da
Eucaristia e é o mesmo que está presente naqueles que sofrem e que são
marginalizados.
Junto com Pedro, Tiago e João,
somos convidados a experimentar a ‘teofania’, que pode ser um retiro
espiritual, um curso de formação, um maior engajamento na Igreja. Ou seja, a
teofania é uma realidade que ilumina outras realidades.
Teofania é, também, buscar a
intimidade com Deus, sua amizade, para viver a justiça e a solidariedade, isto
é, uma existência mística. No meio dos maiores sofrimentos, Deus nos dá o
consolo. Na transfiguração, apareceram-lhe Elias e Moisés. Elias representa o
movimento profético: vez e voz de todos os que são perseguidos e que sofrem.
Moisés representa a Lei, isto é, a vontade de Deus.
Este
trecho do Evangelho é uma catequese sobre o projeto de Deus e as dificuldades
que encontramos no nosso dia a dia, pois, assim como Pedro, que não admitia um
messias sofredor, nós também, às vezes, queremos um Cristo sem cruz. Tiago e
João também discutiam, pelo caminho, quem seria o maior e ocuparia o primeiro
lugar. Não querem compromisso com as realidades temporais ou não querem
entender o sonho de Deus que é vida em abundância para todos, por isso eles
dormem. O sono dos discípulos é o sono de quem não consegue acompanhar Jesus em
sua oração e missão em união com o Pai. Depois de acordar do sono profundo,
Pedro dá sinais de que não está sintonizado com o projeto de Deus: “Ele não sabia o que estava dizendo”. Pedro
queria que Jesus, Moisés e Elias se acomodassem na montanha, desviando Jesus de
sua missão, e que Ele se tornasse privilégio de alguns poucos. O Concílio
Vaticano II já constatava que “o divórcio entre a
fé professada e o comportamento quotidiano de muitos
cristãos deve ser contado entre os mais graves erros do nosso tempo” (Gaudium et Spes – Alegria e Esperança, 43).
Em cada época, a sociedade mais
abastada constrói suas tendas nas quais possa viver despreocupada e longe dos
incômodos. Sem muito esforço, podemos perceber algumas tendas da modernidade:
shopping centers, condomínios fechados, grandes eventos mercadológicos,
celebrações-show etc. Essas tendas nos levam ao isolamento do grande público, enchem-nos
os olhos de fantasia, anestesiam nossa consciência, fazem-nos esquecer os
problemas que afligem a humanidade. A montanha é sempre mais interessante que a
planície. Lá, o ar sempre renovado refresca, fascina, aqui, o ar ‘poluído’
cansa, estressa. A sociedade não leva em conta, porém, que o caminho da
transfiguração passa pela cruz, pelo compromisso com os mais fragilizados e com
a solidariedade. O Reino sonhado por Jesus se realiza com o dom da própria
vida.
O Monte
Tabor é um momento forte de ouvir Jesus falar: “Este é
meu filho amado. Ouçam-no”. O verdadeiro discípulo não é aquele
que se esconde em visões celestiais, e sim aquele que assume as contradições da
história, encarnando os verdadeiros valores do evangelho. Será necessário,
ainda, que, hoje, venham vozes do céu para nos dizer: "Homens da Galileia, por que ficais aí, parados, olhando para
o céu?” (At 1,10-11). Se somos capazes de, mesmo que por
instantes, vislumbrar pedaços do céu, sejamos também capazes de concretizá-lo,
já, em ações que promovam aqueles que sofrem, que instaurem a justiça e que se
posicionem contra tudo o que torna a vida indigna.
Para os três discípulos e para
nós, permanecem duas ordens: a primeira vem do Pai: para ouvir o Filho amado.
Ouvir é a atitude fundamental dos discípulos. Ouvir Jesus é entender o que
disse e fez, para que seu ensinamento esteja vivo em nossa vida. A outra ordem
vem do próprio Jesus que toca nos discípulos e pede que se levantem e não
tenham medo de enfrentar os desafios da realidade.
No
Monte Tabor, Jesus manifesta sua glória, mas nos chama à
intimidade com Ele, para entrarmos na sua nuvem divina, contemplar o seu lindo
rosto, nos apaixonar por Ele e escutar a voz do Pai.
Boa reflexão e que possamos
produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Pe.
Leomar Antonio Montagna- Arquidiocese
de Maringá
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