sexta-feira, 25 de agosto de 2023

REFLEXÃO DOMINICAL III Homilia do 21.º Domingo do Tempo Comum – Ano A

 

REFLEXÃO DOMINICAL III

Homilia do 21.º Domingo do Tempo Comum – Ano A

Hoje celebramos a festa das chaves. Aquilo que for ligado na terra será ligado no céu. Aquilo que for desligado na terra será desligado no céu. Sobre a escolha de Pedro que, por inspiração divina, reconheceu o Senhorio de Nosso Senhor, foi instituída o caminho ordinário de salvação que é a Igreja, uma, santa, católica e apostólica.

Os Evangelhos sinóticos conhecem na profissão de fé de Pedro em Cesárea de Filipe um dos pontos altos da nossa fé católica. Hoje vamos refletir sobre a simbologia do poder das chaves. A Primeira Leitura, retirada do Livro do Profeta Isaías 22,19-23, nos fala da missão de Isaías junto a Sobna, prefeito do palácio, para o depor de seu cargo e instalar no seu lugar Eliacim, filho de Helcias, “pondo sobre seus ombros as chaves da casa de Davi”(cf. Is 22, 22), isto é, a vida boa e cheia de mordomias do Palácio e, aparentemente, o poder civil da Prefeitura da cidade. Ao mordomo cabia a tarefa de admitir ou recusar as pessoas diante do rei, como também a responsabilidade de sua hospedagem; daí ele ser chamado de “Pai dos habitantes de Jerusalém”: ele é quem dirige a casa. Do meio do povo o Senhor chama pessoas simples e humildes como Eliacim e encarrega-o de uma missão especial: ajudar o seu povo a entender os sinais dos tempos.

A primeira leitura nos convida a uma reflexão sobre a lógica e o sentido do poder, quando ensinaq eu poder é um serviço à comunidade. Quem exerce o poder, deverá fazê-lo com a solicitude, o cuidado, a bondade, a compreensão, a tolerância, a misericórdia, e também com a firmeza com que um pai conduz e orienta os seus filhos. Nessa perspectiva, o serviço da autoridade não é uma questão de poder, mas é uma questão de amor. Será impensável considerar que alguém pode desempenhar com êxito cargos de responsabilidade, se não for guiado pelo amor. É esta mesma lógica que os cristãos devem exigir, seja no exercício do poder civil, seja no exercício do poder no âmbito da comunidade cristã. O exercício do poder, quer para Shebna, quer para Eliacim, aparece associado à corrupção, à venalidade, ao aproveitamento do serviço da autoridade para a concretização de finalidades egoístas, interesseiras, pessoais. A Palavra de Deus vai em sentido contrário: o exercício do poder só faz sentido enquanto está ao serviço do bem comunitário. O exercício de um cargo público supõe, precisamente, a secundarização dos interesses próprios em benefício do bem comum.

Irmãos e Irmãs,

Refletimos hoje o mesmo Evangelho (cf. Mt 16,13-20) que rezamos e vivenciamos na festa de São Pedro e São Paulo, que é inserido dentro do discurso eclesial de São Mateus. O Evangelista coloca o quadro deste relato dentro da conotação de atores do antigo testamento, como São João Batista, o precursor; Elias, Jeremias, ou outros dos profetas. Tudo isso para significar que Jesus é o maior de todos os profetas, que associou, pela sua morte na Cruz, a todos os “grandes precursores” do Antigo Testamento. Jesus é o profeta, é o Divino Salvador, aquele que liga e desliga, que abre o acesso para a salvação.

Uma salvação fundamentada em Cefas, Pedro, na Igreja, na catolicidade de Roma, anunciada numa cidade pagã, criada para homenagear o poder do mundo, na pessoa de César Augusto, mas para significar a catolicidade, ou seja, a universalidade da salvação para todos os povos, os crentes e não crentes, os judeus, pagãos e gentios.

Peregrina na esperança, denunciando toda a injustiça e desesperança, como Corpo Místico de Cristo a Igreja fundada sobre a rocha tem todas as vicissitudes, alegrias, temperanças, páginas de fé e de sombra na história de uma instituição que divina, é composta de homens e mulheres pecadores. Mas aonde abundou o pecado, superabundou a graça, daí a constatação de que Deus deposita na criatura humana uma confiança, conclamando-o a ser parceiro na história da salvação.

Meus caros irmãos,

Hoje é um dia de refletirmos sobre a necessidade de assumirmos o nosso batismo, saindo da vida sacramental e encarnando o compromisso pastoral para que possamos caminhar para a vivência da nova evangelização, como nos conclama a Igreja pela voz de seus sagrados pastores, convidando a todos a “lançar as redes nas águas mais profundas”.

A Igreja não é um lugar somente para atos sociais, para compromissos sacramentais, como casamentos, batizados e exéquias. A Igreja é caminho ordinário de salvação, é compromisso comunitário, é modelo de partilha, acolhida e meio de salvação, caminho que une o céu e a terra, nos colocando na “palma da mão de Deus”. A Igreja é toda ministerial, por isso o padre anima e o leigo assume a sua missão que é tornar Jesus mais conhecido, seguido, amado e vivenciado dentro da grande missão inspirada pela ação de Aparecida sob o olhar latino-americano.

O grande desafio que o Evangelho de hoje nos coloca é para que todos saiam do indiferentismo e se engajem no anúncio do “querigma cristão”, porque a Igreja não é feita de anjos, mas sim de homens e mulheres, com todas as suas qualidades e todos os seus defeitos.

Amigos,

Celebramos hoje a unidade da Igreja que se parece à unidade de um corpo vivo. Na Igreja temos um ponto de convergência que é Jesus Cristo aqui na terra representado pelo seu único Vigário que é o Santo Padre. O Papa que nos une dentro de uma enorme gama de carismas, ministérios, vocações, forças pastorais, eclesiais, movimentos, associações, espiritualidade, linhas e tendências que convergem para a Trindade que tem no Papa o seu ponto de união.

Uma lição da escolástica teológica bem sintetiza a grande da unidade da Igreja: nas coisas acidentais a liberdade, nas coisas essenciais a unidade e em tudo a caridade.

Dentro da barca fundada sobre Pedro encontram-se todos e tudo aquilo que gravita na órbita eclesial. Nesta pluralidade de carismas age o Espírito Santo que governa a Igreja e empolga o Povo de Deus na construção da salvação no meio em que vivemos e peregrinamos rumo ao Absoluto.

Todos podemos ver as diferenciações nos ritos, nas formas de pensamento teológico, na oração, na observação da disciplina particular, entretanto, neste pluralismo nasce a unidade da grandeza esplendorosa da única Igreja de Cristo conforme nos ensina a página conciliar: “Não é apenas através dos sacramentos e dos ministérios que o Espírito Santo santifica e conduz o Povo de Deus e o orna de virtudes, mas, repartindo seus dons a cada um como lhe apraz distribuiu entre os fiéis de qualquer classe mesmo graças especiais” (cf. Lumem Gentium 12, 2.)

Jesus não é um líder militar, mas o salvador da humanidade, por seus pecados morrendo no madeiro do catafalco. Por isso na Igreja todos os ministérios e carismas devem ser desenvolvidos com extrema humildade, como serviço eclesial em benefício do reino de Deus e da edificação da Jerusalém Celeste, porque “não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”.

Caros irmãos,

Para os discípulos, Jesus foi bem mais do que “um homem”. Ele foi e é “o Messias, o Filho de Deus vivo”. Defini-l’O dessa forma significa reconhecer em Jesus o Deus que o Pai enviou ao mundo com uma proposta de salvação e de vida plena, destinada a todos os homens. A proposta que Ele apresentou não é apenas uma proposta de “um homem” bom, generoso, clarividente, que podemos admirar de longe e aceitar ou não; mas é uma proposta de Deus, destinada a tornar cada homem ou cada mulher uma pessoa nova, capaz de caminhar ao encontro de Deus e de chegar à vida plena da felicidade sem fim. A diferença entre o “homem bom” e o “Messias, Filho de Deus”, é a diferença entre alguém a quem admiramos e que é igual a nós, e alguém que nos transforma, que nos renova e que nos encaminha para a vida eterna e verdadeira.

“E vós, quem dizeis que Eu sou?” É uma pergunta que deve, de forma constante, ecoar nos nossos ouvidos e no nosso coração. Responder a esta questão não significa repetir lições de catequese ou tratados de teologia, mas sim interrogar o nosso coração e tentar perceber qual é o lugar que Cristo ocupa na nossa existência. Responder a esta questão nos obriga a pensar no significado que Cristo tem na nossa vida, na atenção que damos às suas propostas, na importância que os seus valores assumem nas nossas opções, no esforço que fazemos ou que não fazemos para o seguir.

O que é a Igreja? De maneira clara o Evangelho responde: é a comunidade dos discípulos que reconhecem Jesus como “o Messias, o Filho de Deus”. A Igreja de Jesus não existe, no entanto, para ficar a olhar para o céu, numa contemplação estéril e inconsequente do “Messias, Filho de Deus”; mas existe para O testemunhar e para levar a cada homem e a cada mulher a proposta de salvação que Cristo veio oferecer.

Irmãos e Irmãs,

O hino Paulino de Romanos 11 trata do mistério da Salvação e da justificação gratuita pela graça de Deus e a fé em Jesus Cristo: depois de rezar e meditar, não nos resta outra atitude, senão aquela do apóstolo: pela graça de Deus se ascende ao Reino do Divino salvador. Deus não fica devendo a ninguém, porque tudo no seguimento é pura graça e misericórdia.

Na segunda leitura – Rm 11,33-36, depois de refletir sobre o projeto salvífico de Deus e de ter tentado perceber o lugar de Israel nesse projeto São Paulo, abismado, contempla a riqueza de Deus, a sabedoria de Deus e a ciência de Deus (vers. 33). Estas três qualidades de Deus conduzem, depois, às exclamações e interrogações que preenchem o resto do hino (vers. 34-36). Fundamentalmente, São Paulo reconhece que os desígnios de Deus são misteriosos e ultrapassam infinitamente a capacidade de compreensão e de entendimento do homem. Deus é sempre “mais” do que aquilo que o homem possa imaginar: mais sábio, mais poderoso, mais misericordioso. Ao homem resta reconhecer a sua própria pequenez, os seus próprios limites, a sua própria finitude, a sua própria incapacidade de compreender totalmente esse Deus desconcertante e incompreensível. Mesmo quando as coisas parecem não fazer sentido (porque a lógica de Deus é completamente diferente da lógica dos homens), ao homem resta atirar-se com confiança para os braços de Deus, acolher humildemente a sua Palavra e procurar seguir, com simplicidade e amor os seus caminhos. O verdadeiro cristão-católico é aquele que, mesmo sem entender o alcance total dos projetos de Deus, se entrega confiadamente nas suas mãos e deixa que o seu espanto, reconhecimento e adoração se transformem num hino de louvor: “glória a Deus para sempre. Amén”.

A perícope nos convida a mergulhar no seu mistério, a reconhecer a sua riqueza, sabedoria e ciência; nos convida a reconhecer a nossa incapacidade de entender cabalmente os seus projetos; nos convida a perceber que Deus, na sua infinita sabedoria, nos ultrapassa completamente. Por isso, precisamos de ter cuidado com as imagens de Deus que criamos e que apresentamos. O nosso Deus não é um Deus “domesticado” pelo homem, previsível, fantoche, lógico pelos padrões humanos, que se encaixa nas teorias de uma qualquer igreja ou catequese. O verdadeiro batizado não é aquele que “sabe” tudo sobre Deus, que tem respostas feitas sobre Ele, que pretende conhecê-l’O perfeitamente e dominá-l’O; mas é aquele que, com honestidade e verdade, mergulha na infinita grandeza de Deus, mergulha na contemplação do seu mistério, se entrega confiadamente nas suas mãos, e deixa que o seu espanto e admiração se transformem num cântico de adoração e de louvor.

Por isso reconhecendo o poder das chaves concedida à Igreja Católica, como guardiã do desejo do Senhor Salvador, cantemos com o Apóstolo o nosso compromisso evangelizador para a semana: “Na verdade tudo é dele, por ele e para ele. Ao Onipotente, Deus do Céu e da Terra, imortal e invisível, honra e glória pelos séculos dos séculos, Amém!”

Homilia por: Padre Wagner Augusto Portugal

 

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