IX-- REFLEXÃO DOMINICAL
III
“Quem vem a mim não terá
mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo
6,35).
Depois
da multiplicação dos pães, Jesus,
ao perceber que o povo não tinha entendido nada do que acontecera, pois tentava
fazê-lo rei, retirou-se a uma montanha, sozinho. A multidão ficou satisfeita
por ter se alimentado; ela segue Jesus por
aquilo que Ele pode
dar. No entanto, a identificação com Ele e seu projeto passa longe. Seus
interesses vão em sentido contrário à atitude de Jesus de
despertá-la para a compaixão e
a partilha.
Jesus ensina como repartir, isto é, como
as pessoas precisam ser umas com as outras.
Jesus empenha-se por
uma nova
humanização, onde as pessoas possam ser livres, mas elas
preferem continuar dependendo de outro (rei). Enquanto as pessoas buscam alguém
que se responsabilize por elas, Jesus ensina a
responsabilidade mútua, a corresponsabilidade. A abundância de alimento é graça
de Deus,
mas é igualmente empenho de cada pessoa e de todas juntas.
A solução para uma nova humanidade não é o
dinheiro, o poder, o domínio ou um milagre externo, mas saber
compartilhar tudo com todos. O problema não se soluciona comprando, o problema se
soluciona compartilhando. A verdadeira salvação não está em que alguém
solucione nossos problemas, nem sequer em ajudar a solucionar todos os
problemas dos outros. A
verdadeira liberdade está em superar o egoísmo e estar
disposto e dividir com os outros o que cada um tem e o que cada um é.
“Não
temos em nossas mãos a solução de todos os problemas do mundo, mas diante dos
problemas do mundo temos nossas mãos” (Congresso de jovens latino-americanos).
No entanto, segundo o relato de João, a multidão
continua buscando a Jesus.
Há algo n’Ele que
a atrai, mas ainda não sabe exatamente por que o busca nem para quê. As pessoas
começam a intuir que Jesus está lhes abrindo um novo horizonte, mas não sabem o
que fazer, nem por onde começar. “Do outro lado do mar” Jesus começa a
conversar com elas. Há coisas que convém aclarar desde o princípio. O pão
material é importante. Ele mesmo lhes ensinou a pedir a Deus “o pão de cada
dia” para todos.
Comer nunca significa
um mero ato biológico de ingerir alimentos; é sempre um ato comunitário e
um rito de comunhão. À mesa, onde se parte o pão do Senhor, o
cristão aprende a partir e
a partilhar o
“pão de cada dia” com os outros. Além disso, o pão que comemos
esconde toda uma rede de relações anônimas; antes de chegar à mesa, ele passou
pelo trabalho de muitos braços; há muitas lágrimas e suores escondidos em cada
pão, como também há muito de solidariedade e partilha. Portanto, o pão que é
produzido junto deve ser repartido junto e consumido junto. O Senhor resgata em
nós a fome e a sede mais profunda de encontro, partilha e vida. A mesma
necessidade básica nos iguala a todos; a satisfação coletiva nos confraterniza.
Só então podemos, verdadeiramente, pedir: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”.
A conversa de Jesus com o povo,
com os judeus e com os discípulos é um diálogo bonito, mas exigente. Jesus procura
abrir os olhos do povo para que aprenda a ler os acontecimentos e descubra
neles o rumo que deve tomar na vida. Pois não basta ir atrás de sinais
milagrosos que multiplicam o pão para o corpo. Não só de pão vive o ser
humano. A
luta pela vida sem uma mística que inspira, não alcança a raiz do próprio ser.
Enquanto vai conversando com Jesus, o povo fica
cada vez mais contrariado com as palavras dele. Mas Jesus não cede,
nem muda as exigências. O discurso parece um funil. Na medida em que a conversa
avança, é cada vez menos gente que sobra para ficar com Ele. No fim só sobram
os doze, e nem assim Jesus pode
confiar em todos eles. Esse é o eterno problema da vida cristã: quando o
evangelho começa a exigir compromisso, muita gente se afasta; quando se trata
de seguir e se identificar com uma Pessoa (Jesus), muitos se refugiam na
doutrina, no legalismo, no ritualismo..., vivendo um seguimento estéril.
O dinamismo do seguimento é gerar vida, fazer o(a)
discípulo(a) viver a partir da verdade mais profunda de si mesmo(a); ou seja,
viver a partir do coração,
do “ser profundo”.
“Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até a
vida eterna”.
No gesto da multiplicação dos pães se
condensou todo o caminho de Jesus:
vida doada na luta contra todo tipo de sofrimento e fome, na mesa partilhada
onde as relações humanas alimentam a fraternidade do Reino. Aqui se conecta
a essência da Vida de Jesus com a vida dos seus seguidores.
Para a mentalidade bíblica, o pão é um dos
sinais primordiais da graça e do amor com que Deus nos sustenta e nos
protege. Diante
do pão estamos face a uma realidade santa. O pão é tratado com
respeito e veneração. O pão é
santo porque está associado ao mistério da vida que é sacrossanta. Em cada
pedaço de pão há
mais presença da mão de
Deus do que da mão do ser humano. Para o cristão o pão é ainda
mais santo porque simboliza a reconciliação final de todos no banquete
definitivo do Reino; o pão carrega a promessa de uma plenitude de vida.
O “pão
do Reino” já se antecipou e é Jesus mesmo em sua vida e
mensagem; Jesus continua presente na história e na vida de cada um através
do “pão
eucarístico”, alimento dos peregrinos rumo à pátria celeste.
Somos eternos insatisfeitos; nunca nos saciamos de pão e milagres; queremos
mais e mais. Isso nos revela que nosso interesse é ter vida assegurada e o
estômago cheio. Esta realidade nos leva a perguntar: que pão nos sacia?
Porque há pães que, enchendo o estômago, nos
tiram a liberdade. São pães repartidos em escravidão, pães seguros com sabor de
suor e lágrimas; pães de Egito, pães que dão a falsa sensação de saciedade. Há
pães que nos despertam para confiar em Deus; são pães que chegam
providencialmente e de maneira gratuita. Aparecem
quando menos esperamos e tem o sabor do caminho e do encontro.
Para
qual pão trabalhamos? Ou ainda, a partir de onde pedimos pão? A partir da
segurança e da escravidão ou a partir da insegurança e da confiança? Jesus se
apresenta a nós como o alimento que não perece. Buscá-Lo é descobrir o que Deus
quer de nós e agradecer o que nos dá para o caminho. Quem o rejeita fica atado
aos pães deste mundo que exigem fadiga, competição e escravidão. Quem o aceita,
liberta-se dos tempos e espaços e se sacia de confiança.
Que
pão buscamos? Que pão desperta outras fomes em nós?
“O
que é que nutre realmente o nosso ser essencial?”
“Não
somente o nosso corpo, não somente nosso psiquismo, não somente nossa
afetividade, mas o que é que nutre aquilo que não morrerá em nós?”
“O
que é que nutre a eternidade em nós?”
“O
que é verdadeiramente nutritivo? O que é que nutre a nossa identidade?
Para meditar na
oração:
Não é possível reconhecer o Corpo do Senhor presente
na Eucaristia se
não se reconhece o Corpo
do Senhor na comunidade onde alguns passam necessidades. Pois,
se fechamos os olhos às divisões e às desigualdades mentimos ao dizer que
Cristo está presente na Eucaristia.
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