XV-SANTO AGOSTINHO E AS
SAGRADAS ESCRITURAS
Como ler as escrituras: ensinamentos de
Santo Agostinho
Quantas
vezes você sentou para ler uma passagem da Escritura e apenas se perdeu no que
estava acontecendo? Ou, diante de uma passagem polêmica, você já se perguntou
como ela poderia ser inspirada por um bom e amoroso Deus? Nós todos temos maus
encontros com a Escritura, os quais não fazem sentido ou parecem errados de
alguma forma. E muitas pessoas rejeitam ou fogem da fé devido a uma má
experiência com a Escritura.
De
fato, essa foi a experiência do Grande Santo Agostinho (354-420), que
celebramos no dia 28 de agosto. Agostinho lutou contra a Escritura cedo em sua
formação intelectual e inicialmente a rejeitou. E ele teve uma redescoberta da
Escritura por meio de outro santo que o levou a se converter ao Cristianismo.
As experiências e insights de
Agostinho podem nos ajudar hoje, já que ainda temos problemas para entender
como a bíblia foi escrita e como ela deve ser lida.
No
Livro III das suas famosas Confissões, ele fala do tempo em que era um
estudante de 19 anos. Ele leu Hortênsio, uma das obras de Cícero, que exaltou a
perseguição da sabedoria por meio da filosofia. Isso mudou a sua vida. Ele
começou a procurar por conhecimento. E isso o levou a ler a Escritura para ver
se a sabedoria pela qual ele ansiava poderia ser encontrada lá.
Seja paciente
No
entanto, Santo Agostinho saiu desse estudo inicial da Escritura insatisfeito.
Ele disse que, depois de ler as “dignas prosas” de Cícero, o estilo simples e
comum da bíblia ofendeu os seus gostos e pareceu diminuir as afirmações de que
a bíblia era intelectualmente sofisticada. Agostinho esperava que a sabedoria
de Deus Todo-Poderoso deveria ser apresentada de uma forma eloquente e
filosófica. O fato de que a bíblia foi escrita com estilo e filosofia pobres
pareceu para ele que não continha a verdadeira sabedoria. Através da história,
vários se sentiram da mesma forma.
Ainda,
a Agostinho foi dada uma segunda chance e ele voltou à Escritura por meio da
pregação de Santo Ambrósio. Essa pregação o fez pensar que haveria mais na
bíblia do que sua aparência sugeria.
À
medida que Agostinho refletia sobre sua experiência prévia, ele atribuía sua
rejeição à Escritura ao orgulho e ignorância, escrevendo: “meu orgulho
exacerbado me afastou do seu estilo (da bíblia) e minha inteligência falhou em
penetrar no seu sentido mais profundo”.
Ele
observou que a Escritura “não é acessível ao escrutínio do orgulhoso ou se
expõe ao olhar do imaturo”. Ainda, a Escritura é um texto que se apresenta como
“pequeno” para que possa ser lido pelos que possuem espírito de criança e os
humildes. Ao
longo do tempo, sua profundidade se torna aparente àqueles que pacientemente
estudam suas páginas.
Seja humilde
Em
algum ponto, ou talvez sempre, nós nos sentimos como Agostinho quando leu a
Escritura pela primeira vez. Nós chegamos à Escritura animados para ler a
Palavra de Deus, mas saímos sentindo que ela é “superestimada”. A Escritura
pode ser tão desapontante, tão frustrante, tão antiga, tão bizarra e tão
confusa. E nós nos perguntamos: é realmente a Palavra de Deus? Um livro
inspirado por Deus não deveria ser mais sofisticado, mais claro, mais animado,
mais interessante, mais convincente, mais fático, mais científico, mais
relevante?
Agostinho
também nos dá um caminho para diagnosticar nosso desapontamento. Ele nos diz
que a Escritura é escrita de uma forma a desencorajar ou frustrar os
orgulhosos, ao mesmo tempo que é acessível a pessoas comuns e deliciosa para os
humildes e com espírito de criança. Se nós refletirmos nessa observação, nós
poderemos dizer algumas coisas que podem melhorar como nos aproximamos das
páginas sagradas.
Agostinho
nos diz que, se nós abordarmos a Escritura com orgulho, nós a rejeitaremos
prematuramente, mas se nós a abordarmos com humildade, nós a daremos o
benefício da dúvida e, então, teremos tempo suficiente para começar a ver a sua
profunda integridade. Aqui, Agostinho nos ajuda a ver que, enquanto nós temos
várias expectativas sobre o que Deus é e como Ele se comunica conosco, essas
noções muito provavelmente foram distorcidas pelo pecado. Nós podemos pensar
que a revelação de Deus deve ser elegante, sofisticada, e só entendida por
acadêmicos que podem dissecar cada palavra. Mas, Deus, com certeza, veio para a
Terra como um bebê em uma humilde manjedoura, nascido de pais pobres e
camponeses. Se nós
quisermos conhecer a Deus e suas prioridades, nossa mente deve ser convertida
da preocupação do mundo com o sucesso, conveniência e prazer. A forma como Deus
fala conosco na Escritura é um dos caminhos que Deus tenta nos curar do nosso
orgulho.
Obstáculos à humildade
Agostinho
está ciente do fato de que o orgulhoso vai à Escritura buscando uma
auto-justificativa. Existem aqueles que pensam que Deus ou a fé cristã é boba e
lêem a Escritura para confirmar a sua suspeita. Com certeza, eles vão encontrar
aparentes inconsistências, falta de plausibilidade ou absurdos. Eles vão
rapidamente descartar a Escritura e perder a sua riqueza e profunda
coerência.
Outros,
que são entusiastas para usar o Cristianismo como forma de se sentir superior
aos demais, vão à Escritura para serem vistos como virtuosos ou como
especialistas religiosos ou para encontrar um segredo que apenas eles seriam
inteligentes o suficiente para descobrir. Eles provavelmente vão dispensar
professores e formadores à medida que se sentirem capazes de serem
especialistas por conta própria. Eles vão usar a Escritura não como um meio
para encontrar Deus e crescer em santidade, mas como uma arma a ser usada
contra aqueles que querem desprezar e repreender. Mas a sua leitura da
Escritura vai ser superficial e eles também vão perder a profunda grandiosidade
da Escritura. Eventualmente, eles também se sentirão frustrados com a humildade
da Escritura.
Um
humilde, com espírito de criança, no entanto, vai dar à Escritura tempo. Ele ou
ela vai ser paciente e agir como um aprendiz. Ele ou ela vai enxergar as
aparentes dificuldades da Escritura, não como um indicador da sua
inferioridade, mas como limitação do leitor. Leitores humildes vão memorizar a
Escritura, como Agostinho recomenda, e sua familiaridade vai ajudá-lo a fazer
conexões e detectar sutis padrões. Eles vão ver que o Espírito Santo traz a
Escritura à mente em tempos de tentação. Eles vão procurar recolher tudo que
puderem da Escritura, ao invés de usá-la como um inflamador do seu ego.
Designada para nos fazer santos
Aqui
nós também devemos reconhecer o que Agostinho nos diz no livro que se tornou o
manual sobre como ler a Escritura na Idade Média. Chamado “Ensinando o Cristianismo”,
seu maior ponto é que o
objetivo da Escritura é crescer em amor a Deus e amor ao próximo, já que esses
são os dois mandamentos que Jesus diz que resumem toda a Escritura (Mt 22,
36-40). Deus escreve a Escritura de uma forma a nos dar a
opção de escolher se Ele vale ou não o nosso tempo. Ele nos dá, nos
quebra-cabeças da Escritura, a oportunidade de confiar nEle e de desejar
aprender dEle, nos Seus termos, mais do que apressá-Lo e demandá-Lo a realizar
nossas expectativas e responder às nossas questões.
Além
disso, nossa paciência com o texto bíblico se torna uma forma de amar o nosso
próximo, especificamente, os autores humanos da Escritura. Nós podemos ter
todas as razões para desprezá-los. Nós podemos ser melhores escritores. Nós
podemos ser mais educados. Nós podemos ter um conhecimento científico do
universo. Nós podemos ter todas as formas de tecnologia para nos ajudar a
guardar detalhes. Mas a humildade frente à Escritura significa confiar nos
autores humanos até na sua pobreza. Isso significa estender a eles caridade e
ser obedientes estudantes frente aos professores escolhidos por Deus.
O
que Santo Agostinho nos ajuda a entender é que ler a Escritura é um exercício
de caridade. A Escritura não é confusa e difícil acidentalmente. Pelo
contrário, é deliberadamente escrita de uma forma que requer que saiamos de nós
mesmos e aprendamos de Deus e seus profetas e apóstolos. Em relação à pobreza
do texto, também aprendemos a sermos pobres, aprendemos a sabedoria de Deus,
que a sabedoria do mundo considera loucura (veja 1 Cor 3, 18-23). Quando nós
lemos a Escritura e a achamos frustrante, nós devemos rezar para um crescimento
na fé e caridade. Nós devemos nos ligar à Escritura e continuar dando o
benefício da dúvida. Assim, como Santo Agostinho (e todos os santos) descobriu,
a Escritura tem camadas de significado e é útil para a santidade.
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Autor: Dr. James R. A.
Merricck
Diretor
da Emmaus Academic, além de servir na St. Paul Center for Biblical Theology e
professor no departamento de teologia da Franciscan University of Steubenville.
Fonte: Ascension
Press
Traduzido por Maria Augusta Viegas – Membro da Rede de Missão
Campus Fidei.
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