sábado, 31 de agosto de 2024

XV-SANTO AGOSTINHO E AS SAGRADAS ESCRITURAS Como ler as escrituras: ensinamentos de Santo Agostinho

 

 

XV-SANTO AGOSTINHO E AS SAGRADAS ESCRITURAS

Como ler as escrituras: ensinamentos de Santo Agostinho

 

Quantas vezes você sentou para ler uma passagem da Escritura e apenas se perdeu no que estava acontecendo? Ou, diante de uma passagem polêmica, você já se perguntou como ela poderia ser inspirada por um bom e amoroso Deus? Nós todos temos maus encontros com a Escritura, os quais não fazem sentido ou parecem errados de alguma forma. E muitas pessoas rejeitam ou fogem da fé devido a uma má experiência com a Escritura.

De fato, essa foi a experiência do Grande Santo Agostinho (354-420), que celebramos no dia 28 de agosto. Agostinho lutou contra a Escritura cedo em sua formação intelectual e inicialmente a rejeitou. E ele teve uma redescoberta da Escritura por meio de outro santo que o levou a se converter ao Cristianismo. As experiências e insights de Agostinho podem nos ajudar hoje, já que ainda temos problemas para entender como a bíblia foi escrita e como ela deve ser lida. 

No Livro III das suas famosas Confissões, ele fala do tempo em que era um estudante de 19 anos. Ele leu Hortênsio, uma das obras de Cícero, que exaltou a perseguição da sabedoria por meio da filosofia. Isso mudou a sua vida. Ele começou a procurar por conhecimento. E isso o levou a ler a Escritura para ver se a sabedoria pela qual ele ansiava poderia ser encontrada lá.

Seja paciente

No entanto, Santo Agostinho saiu desse estudo inicial da Escritura insatisfeito. Ele disse que, depois de ler as “dignas prosas” de Cícero, o estilo simples e comum da bíblia ofendeu os seus gostos e pareceu diminuir as afirmações de que a bíblia era intelectualmente sofisticada. Agostinho esperava que a sabedoria de Deus Todo-Poderoso deveria ser apresentada de uma forma eloquente e filosófica. O fato de que a bíblia foi escrita com estilo e filosofia pobres pareceu para ele que não continha a verdadeira sabedoria. Através da história, vários se sentiram da mesma forma.

Ainda, a Agostinho foi dada uma segunda chance e ele voltou à Escritura por meio da pregação de Santo Ambrósio. Essa pregação o fez pensar que haveria mais na bíblia do que sua aparência  sugeria. 

À medida que Agostinho refletia sobre sua experiência prévia, ele atribuía sua rejeição à Escritura ao orgulho e ignorância, escrevendo: “meu orgulho exacerbado me afastou do seu estilo (da bíblia) e minha inteligência falhou em penetrar no seu sentido mais profundo”.

Ele observou que a Escritura “não é acessível ao escrutínio do orgulhoso ou se expõe ao olhar do imaturo”. Ainda, a Escritura é um texto que se apresenta como “pequeno” para que possa ser lido pelos que possuem espírito de criança e os humildes. Ao longo do tempo, sua profundidade se torna aparente àqueles que pacientemente estudam suas páginas.

Seja humilde

Em algum ponto, ou talvez sempre, nós nos sentimos como Agostinho quando leu a Escritura pela primeira vez. Nós chegamos à Escritura animados para ler a Palavra de Deus, mas saímos sentindo que ela é “superestimada”. A Escritura pode ser tão desapontante, tão frustrante, tão antiga, tão bizarra e tão confusa. E nós nos perguntamos: é realmente a Palavra de Deus? Um livro inspirado por Deus não deveria ser mais sofisticado, mais claro, mais animado, mais interessante, mais convincente, mais fático, mais científico, mais relevante?

Agostinho também nos dá um caminho para diagnosticar nosso desapontamento. Ele nos diz que a Escritura é escrita de uma forma a desencorajar ou frustrar os orgulhosos, ao mesmo tempo que é acessível a pessoas comuns e deliciosa para os humildes e com espírito de criança. Se nós refletirmos nessa observação, nós poderemos dizer algumas coisas que podem melhorar como nos aproximamos das páginas sagradas.

Agostinho nos diz que, se nós abordarmos a Escritura com orgulho, nós a rejeitaremos prematuramente, mas se nós a abordarmos com humildade, nós a daremos o benefício da dúvida e, então, teremos tempo suficiente para começar a ver a sua profunda integridade. Aqui, Agostinho nos ajuda a ver que, enquanto nós temos várias expectativas sobre o que Deus é e como Ele se comunica conosco, essas noções muito provavelmente foram distorcidas pelo pecado. Nós podemos pensar que a revelação de Deus deve ser elegante, sofisticada, e só entendida por acadêmicos que podem dissecar cada palavra. Mas, Deus, com certeza, veio para a Terra como um bebê em uma humilde manjedoura, nascido de pais pobres e camponeses. Se nós quisermos conhecer a Deus e suas prioridades, nossa mente deve ser convertida da preocupação do mundo com o sucesso, conveniência e prazer. A forma como Deus fala conosco na Escritura é um dos caminhos que Deus tenta nos curar do nosso orgulho.

Obstáculos à humildade

Agostinho está ciente do fato de que o orgulhoso vai à Escritura buscando uma auto-justificativa. Existem aqueles que pensam que Deus ou a fé cristã é boba e lêem a Escritura para confirmar a sua suspeita. Com certeza, eles vão encontrar aparentes inconsistências, falta de plausibilidade ou absurdos. Eles vão rapidamente descartar a Escritura e perder a sua riqueza e profunda coerência. 

Outros, que são entusiastas para usar o Cristianismo como forma de se sentir superior aos demais, vão à Escritura para serem vistos como virtuosos ou como especialistas religiosos ou para encontrar um segredo que apenas eles seriam inteligentes o suficiente para descobrir. Eles provavelmente vão dispensar professores e formadores à medida que se sentirem capazes de serem especialistas por conta própria. Eles vão usar a Escritura não como um meio para encontrar Deus e crescer em santidade, mas como uma arma a ser usada contra aqueles que querem desprezar e repreender. Mas a sua leitura da Escritura vai ser superficial e eles também vão perder a profunda grandiosidade da Escritura. Eventualmente, eles também se sentirão frustrados com a humildade da Escritura.

Um humilde, com espírito de criança, no entanto, vai dar à Escritura tempo. Ele ou ela vai ser paciente e agir como um aprendiz. Ele ou ela vai enxergar as aparentes dificuldades da Escritura, não como um indicador da sua inferioridade, mas como limitação do leitor. Leitores humildes vão memorizar a Escritura, como Agostinho recomenda, e sua familiaridade vai ajudá-lo a fazer conexões e detectar sutis padrões. Eles vão ver que o Espírito Santo traz a Escritura à mente em tempos de tentação. Eles vão procurar recolher tudo que puderem da Escritura, ao invés de usá-la como um inflamador do seu ego.

Designada para nos fazer santos

 Aqui nós também devemos reconhecer o que Agostinho nos diz no livro que se tornou o manual sobre como ler a Escritura na Idade Média. Chamado “Ensinando o Cristianismo”, seu maior ponto é que o objetivo da Escritura é crescer em amor a Deus e amor ao próximo, já que esses são os dois mandamentos que Jesus diz que resumem toda a Escritura (Mt 22, 36-40). Deus escreve a Escritura de uma forma a nos dar a opção de escolher se Ele vale ou não o nosso tempo. Ele nos dá, nos quebra-cabeças da Escritura, a oportunidade de confiar nEle e de desejar aprender dEle, nos Seus termos, mais do que apressá-Lo e demandá-Lo a realizar nossas expectativas e responder às nossas questões. 

Além disso, nossa paciência com o texto bíblico se torna uma forma de amar o nosso próximo, especificamente, os autores humanos da Escritura. Nós podemos ter todas as razões para desprezá-los. Nós podemos ser melhores escritores. Nós podemos ser mais educados. Nós podemos ter um conhecimento científico do universo. Nós podemos ter todas as formas de tecnologia para nos ajudar a guardar detalhes. Mas a humildade frente à Escritura significa confiar nos autores humanos até na sua pobreza. Isso significa estender a eles caridade e ser obedientes estudantes frente aos professores escolhidos por Deus.

O que Santo Agostinho nos ajuda a entender é que ler a Escritura é um exercício de caridade. A Escritura não é confusa e difícil acidentalmente. Pelo contrário, é deliberadamente escrita de uma forma que requer que saiamos de nós mesmos e aprendamos de Deus e seus profetas e apóstolos. Em relação à pobreza do texto, também aprendemos a sermos pobres, aprendemos a sabedoria de Deus, que a sabedoria do mundo considera loucura (veja 1 Cor 3, 18-23). Quando nós lemos a Escritura e a achamos frustrante, nós devemos rezar para um crescimento na fé e caridade. Nós devemos nos ligar à Escritura e continuar dando o benefício da dúvida. Assim, como Santo Agostinho (e todos os santos) descobriu, a Escritura tem camadas de significado e é útil para a santidade.

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Autor: Dr. James R. A. Merricck

Diretor da Emmaus Academic, além de servir na St. Paul Center for Biblical Theology e professor no departamento de teologia da Franciscan University of Steubenville.

Fonte: Ascension Press

Traduzido por Maria Augusta Viegas – Membro da Rede de Missão Campus Fidei.

https://campusfidei.org.br/blog/sagradas-escrituras/como-ler-as-escrituras-ensinamentos-de-santo-agostinho/

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