EVANGELHO (Jo 20, 1-8)
A RESSURREIÇÃO DO SENHOR
INTRODUÇÃO: Dos quatro
evangelhos canônicos que a tradição identifica com Marcos, Mateus, Lucas e
João, somente este último autor foi testemunha ocular (19, 35) que escreveu
afirmando a verdade de seu testemunho (21, 24). Isso indica que ele esteve lá
como testemunha de vista. Mas também seu testemunho poderia ser como ouvinte
indireto, pois logicamente não ouviu as palavras entre Jesus e Pedro. Daí sua
autoridade e importância como ouvinte de uma tradição imediata, reconhecida. É
precisamente o que aconteceu com Marcos e Mateus (Lc 1,2). Lucas se apresenta
como o investigador e ordenador dos fatos narrados por testemunhas oculares e
espalhados por ministros [oficiais] da Palavra (Lc 1, 20). Se Marcos, Mateus e
Lucas não são as testemunhas oculares, como é o quarto evangelho, são sim
testemunhas oficiais de uma tradição que pode ter muitas lacunas e até
importantes deficiências como todo relato humano de segunda mão; mas temos a
certeza de que os fatos não são inventados. A tradição é a testemunha principal
destes três evangelhos que chamamos sinóticos. Disso deduzimos que as
conclusões são importantíssimas porque são de testemunhas auriculares nos
quais a primitiva Igreja acreditava; e eram fatos reais aqueles em que
essa fé estava fundamentada. Há dentro dessas narrações, interpretações que
dependem do ambiente e das tradições do antigo Israel, que se fundam tanto na
Torah [lei escrita] como na Mishná [lei falada]. Por isso escolhemos como linha
essencial o evangelho de João, a única testemunha ocular e auricular dos fatos
do Domingo da Ressurreição.
DIA: Todos os
evangelistas estão de acordo em que era o primeiro dia seguinte ao sábado [te mia ton sabbaton] A
tradução literal seria no uno [dia
entendido] da semana.
Na realidade mia significa
uma [dia é feminino em grego] e está implícita a palavra emera [dia], sendo
possível a tradução primeira no
lugar de uma;
ou seja, o grego usa o numeral [um] pelo cardinal [primeiro]. Semana é a
tradução de sabbaton dos
sábados em plural. Não existe, pois, dificuldade em traduzir: no primeiro dia da semana.
HORA: De manhã, ainda estando às escuras, diz
João. Marcos dirá muito
cedo, quando o sol estava saído, o que parece uma contradição.
Lucas fala de uma
alvorada profunda que o latim traduz por ao primeiro romper do dia.
Unicamente Mateus discorda e assim podemos ler: Depois do sábado, no alvorecer do
primeiro [dia] do
sábado. O advérbio Opsé significa
depois, muito tempo após, tarde no dia, no fim. O latim da Vulgata serviu para
confundir, traduzindo vespere
autem sabbati: na tarde do sábado; porque véspera significa a tarde
do dia. As vésperas são as orações que se recitam na tarde do dia, mas sempre
ao redor das cinco da tarde. Porém hoje todas as traduções dizem: passado o
sábado. Logo todos coincidem no dia. E na hora.
AS MULHERES: Marcos fala de
Maria, a Madalena, Maria de Jacó e Salomé (16, 1). Mateus de Maria,
a Madalena e a outra Maria (28, 1), expressão repetida de 27, 61. Sabemos que
essa outra era a mãe de Tiago e de José (27, 56), os chamados irmãos de Jesus
(Mt 13, 55). Para Lucas são
muitas as mulheres; além da Madalena e Maria de Jacó, estava Joana e as demais
mulheres com elas (24, 10). Evidentemente Lucas está se referindo às mulheres
que acompanhavam Jesus com suas posses como diz em 8, 3: Joana, mulher de Cuza,
o mordomo de Herodes, Susana e várias outras. Como vemos, eram ricas e nada diz
das que eram parentes de Jesus como Maria de Jacó ou parentes dos discípulos
como Salomé, a mãe dos filhos de Zebedeu que era ao mesmo tempo parente de
Jesus. Já João fala
unicamente de Maria, a Madalena, porque provavelmente seja a única que viu o
Senhor ressuscitado (Jo 20, 117), embora as outras tenham visto os anjos (Lc
24, 23) e também porque ele afirma, no seu evangelho, que narra como testemunha
os fatos que escreve. Só com a Madalena ele teve contato e por isso despreza,
ou melhor, não pode contar fatos dos quais ele não foi testemunha. Assim
podemos compaginar a singeleza da Madalena em João com a pluralidade e a
riqueza dos detalhes dos outros evangelistas. O relato de João é, pois, muito
pessoal e relativo, mas totalmente verídico.
A MADALENA: Ela está
incluída em todas as listas e de modo especial recebe um trato particular neste
dia de domingo de Ressurreição. Mas
quem foi na realidade Maria Madalena? Os evangelhos falam
de Maria, a Madalena [‘e
Magdalene em grego]. Este apelido sempre sai acompanhando o
nome da mulher. Se fosse esposa de Jesus, como afirma o Códice da Vinci, teriam
dito Maria de Jesus assim como nomeiam a Maria, mulher de Cléofas (Jo 19, 25).
Mas é simplesmente Maria, a Madalena (sic). Mt 27, 56; e 28,1. Marcos 15,
40; 15, 47; 16, 1 e 16, 9; Lucas 8, 2 e 24, 10 e finalmente João 19, 25; 20, 1
e 20, 18. Em todos os versículos é Maria, a Madalena, exceto em Lc 8, 2 em que
o evangelista explica Maria a
chamada Madalena. Pelo seu nome podemos dizer que não era casada,
nem tinha parentes próximos vivos, como filhos, tal como Maria de Cléopas ou
Maria mãe de Tiago e José. O seu sobrenome não era patronímico, nem familiar,
mas geográfico, o que indica ser uma mulher solteira ou viúva sem filhos. Magdala
[também de nome Magadã] situava-se no lugar que hoje ocupa Tariqueia, a cinco
quilômetros ao norte de Tiberíades, a cidade capital de Herodes Antipas. O nome
primitivo talvez fosse Migdal-El [= torre de Deus]. A palavra Tariqueia é de
origem grega e significa pesca salgada. Contava com uma frota de 230 barcas e
uma população de 40 mil habitantes; mas parece exagerada e teremos que
deduzí-la a 4 mil. Era a cidade mais importante do lago, incluindo Tiberíades.
Esta foi fundada por Herodes Antipas nos anos 18 a 22 e chegou a ser a capital
da Galileia, substituindo a Séforis. Tinha foro, estádio, um palácio
real, templo pagão e sinagogas. Flávio Josefo a rendeu a Vespasiano. Após a
guerra e queda de Jerusalém o sinédrio residiu nela e a escola rabínica que compilou
o Talmud Jerosolimitano no século IV e os massoretas, que no século VIII,
vocalizaram o texto das escrituras com pontos vocálicos chamados tiberienses.
Uma exegese moderna liga Magdalena com uma palavra hebraica que significaria
perfumista. Porém no pequeno dicionário de Sprong mais do que perfume a
palavra meged e
seu derivado migdanah significa
coisa preciosa como uma gema ou um presente muito caro. Segundo o Talmud [o
livro mais importante do judaísmo pos-bíblico, intérprete tradicional da Torah
que compreende a Mishná e a Guemará], Magdalena significa cabelo crespo de
mulher, embora na sua rivalidade com o cristianismo diz dela que era adúltera.
Não são, pois, os evangelhos, mas o Talmud que denegriu a Madalena..De todos os
relatos deduzimos: Maria Madalena era uma mulher da qual Jesus tinha expulsado
sete demônios que em termos modernos diríamos uma doença mental grave como uma
loucura ou esquizofrenia. Ela acompanhava Jesus, junto com outras mulheres que
tinham sido curadas de espíritos malignos e também Joana mulher de Cuza,
mordomo de Herodes [Antipas] e Susana e outras muitas, as quais o serviam com
suas posses (Lc 8, 2-3). Joana era uma mulher de mais de 50 anos e todas as
mulheres que acompanhavam Jesus tinham essa idade. Um exemplo é a própria mãe
de Jesus, com Maria mãe de Tiago e José, e com Salomé, a mãe dos filhos de
Zebedeu que estavam com a Madalena ao pé da cruz, como diz Mateus (27, 56). A
Madalena era amiga de Maria, a mãe de Tiago e José, e é de supor da mesma
idade, ou seja, conforme diz Paulo em 1 Tm 5, 9 das mulheres inscritas no grupo das viúvas com não
menos de sessenta anos Era
Maria Madalena uma pecadora ou a pecadora de Lc 7, 36-50? É
difícil admiti-lo, pois, após narrar o caso da pecadora em casa de Simão, no
seguinte capítulo, Lucas (8,2) fala de Maria Madalena sem indicar que se trata
da mesma pessoa. Ser ou estar possessa não é o mesmo que ser pecadora. E como
alguns intérpretes afirmam, a palavra pecadora em Lucas significa mulher pagã
ou mulher judia, casada com um pagão, muito mais do que mulher pública. Tampouco se pode identificá-la com
Maria de Betânia, pois o evangelho de João distingue
perfeitamente ambas as pessoas. A nossa Maria tem o nome de a Madalena do lugar
da Galileia, ou a
perfumista caso se admita o apelido; mas a Galileia está
no norte e Betânia é uma vila da Judeia, no Sul. Por outra parte Maria, a de
Betânia, é chamada de irmã de Lázaro ou irmã de Marta. Poderíamos confundir a
pecadora de Lucas 7, 36-50 com Maria de Betânia, porque ambas ungem os pés de
Jesus com perfume e secam com seus cabelos. Parece que era um costume
aceito na época. A mulher, no caso da pecadora na casa de Simão, teve lugar na
Galileia e os convivas eram fariseus. O próprio Simão a considera como pecadora
[pagã] e desconhecida de Jesus. Isso seria impossível para Maria de Betânia que
é rodeada de amigos, que entram na casa onde estava sentada e a acompanham na
dor. Pelo contrário, Maria fez a unção na Judeia em casa do Simão, o leproso,
em Betânia com os discípulos como convivas e o aparente desperdício do rico
nardo poucos dias antes da morte de Jesus. E Jesus não só a conhecia bem como
era amigo de todos os seus familiares. Este fato da unção em Betânia, narrado
por Mateus e Marcos, sem indicar o nome da mulher, tem alguns detalhes
diferentes do descrito por João, como o de que o perfume foi derramado na
cabeça de Jesus. Lucas fala de uma pecadora em casa de Simão e coincide com
João em notar que ela ungiu os pés do Mestre. Ao máximo poderíamos deduzir que Maria
de Betânia, a de João, era a pecadora de Lucas. Porém isto está fora de
cogitação porque o mesmo Lucas fala de Maria de Betânia em 10, 39-42 sem falar
da identidade das duas. E a pecadora de Lucas era uma desconhecida de Jesus,
enquanto a Maria de Betânia era íntima amiga dele e dos discípulos. O próprio
João distingue em seu relato entre Maria [a de Betânia] a quem chama
simplesmente Maria em 20, 11 e 20, 16, e Maria a Madalena em 19, 25; 20, 1 e
20, 18. Nota: A
pecadora da casa de Simão se fosse pagã, explicaria melhor o escândalo do
fariseu porque o Talmud impedia todo contato com mulheres pagãs por ser causa
de impureza. Os
textos evangélicos nunca identificam Maria Madalena com a pecadora ou com Maria
de Betânia. A Igreja grega celebra três festas diferentes,
uma para cada mulher. A Igreja latina antes de S. Agostinho (+430) falava de
três mulheres a exceção de uma única passagem. Foi S. Gregório Magno (590-604)
que de fato identificou as três mulheres. A identificação foi muito posterior
ao concílio de Niceia (325). Não houve, pois, na Igreja primitiva intenção
alguma de sujar a imagem de Maria Madalena, como afirma também o Códice da
Vinci. Era uma mulher que, agradecida, seguia Jesus e com suas posses ajudava o
colégio apostólico. Nada mais nem nada menos podemos afirmar. A Koinonia com Jesus: De
um trecho do evangelhoapócrifo de Filipe o logion [dito] 32: três eram as que caminhavam
continuamente com o Senhor: sua mãe Maria, a irmã desta e Madalena a quem se
designa como companheira [koinonós]. Maria é, com efeito, sua irmã, sua mãe e
sua companheira. Que devemos dizer
disto? Em primeiro lugar o texto é um papiro cópia do século IV, e o original é
do fim do século II ou início do século III, bastante tardio. Segundo, a
palavra koinonós tem
o significado original de sócio, participante com outro de alguma coisa,
não de mulher para a que se usa a palavra gyné. Koinonós só sai duas vezes nos
evangelhos: uma com o significado de cúmplices,
[os fariseus não queriam ser cúmplices dos que mataram os antigos profetas] (Mt
23, 20). A outra em Lc 5, 10 em que fala dos filhos de Zebedeu como sócios dos irmãos
Pedro e André. Um exemplo da palavra gyné: Quem repudiar sua mulher [gyné], dirá
Lucas o mais grego de todos os evangelistas em 16, 18. Evidentemente o
evangelho gnóstico não identifica a Madalena com a mulher, esposa de Jesus. E
pelo que diz respeito ao beijo na boca [número 55] não era um beijo carnal ou
sensual, mas um beijo gnóstico pelo qual são fecundados os perfeitos e que
estava em uso entre os gnósticos valentinianos, que por meio do beijo recebiam
e transmitiam a semente pneumática. Com isso está declarada esta questão.
QUE VIRAM AS
MULHERES? Todas
elas viram o sepulcro aberto ou se preferirmos a pedra removida (Mc 16, 4; Mt
28, 2; Lc 24, 2 e Jo 20, 1). Sobre a pedra da entrada do sepulcro há uma
unanimidade: ela era grande e era uma roda que se rolava para tampar a boca do
mesmo. Sobre esta pedra, há duas maneiras de interpretar sua remoção: estava
rolada de novo como parece indicar Mc 16, 4, Mt 28, 2 e Lc 24, 1;[ pois todos
usam o termo kylio grego]
rolar e, no caso, apokylio.
Distinguem entre pros-
kylio rolar em direção a; e apo-kylio rolar a parte ou para fora.
Porém João, o único que viu o sepulcro, usa o verbo airo [levantar]
como se a pedra tivesse sido violentamente arrancada, o qual é traduzido
por revolvida [port] removida [esp] ribaltata, virada [ital]
e taken away,
arrancada [ingl]. Evidentemente assim se explica melhor a passagem de Mateus
que diz: O anjo do Senhor descendo do céu girou a pedra e sentou-se sobre ela (Mt
28, 2). Caso rolasse a pedra até o lugar primitivo dentro da cavidade da rocha
seria impossível se assentar sobre ela, mas se a pedra fosse lançada fora como
numa explosão desde o interior, ela ficava deitada, diante da boca do sepulcro
e facilmente serviria de assento. Optamos por esta opção que o quarto
evangelista nos oferece.
O RECADO: A coisa estava
feia para as mulheres. Ao ver o sepulcro aberto elas se perguntam: Quem ou como
poderia ter rolado a pedra que era pesada e um problema para as forças de uma
só pessoa? A Madalena voltou imediatamente para avisar os apóstolos de
que alguma coisa terrível tinha acontecido com o corpo do Senhor. Que ela
estava acompanhada no momento da visão da pedra removida podemos deduzir de
suas palavras aos dois apóstolos: Tiraram do sepulcro o corpo do Senhor e
não conhecemos onde
o colocaram. O plural indica que ela fala em nome de todas, sem ser este o caso
de um plural majestático. O sepulcro não estava muito longe dos muros e ao máximo
seria um ou dois quilômetros de distância entre o sepulcro e o lugar onde
estavam os dois apóstolos. Uma outra observação: a volta da Madalena seria a
mais rápida possível, daí que ela não estivesse presente à aparição dos anjos
às outras mulheres. Marcos (16,
5) dirá que entraram no monumento e viram um adolescente sentado à direita [às
direitas em grego]. Mateus confusamente une a aparição do anjo aos soldados com
a visão do mesmo pelas mulheres. Do relato de Mateus (28, 1-7)
parece que as mulheres nem entraram no sepulcro [foram vê-lo], mas estavam
perto do mesmo quase junto aos guardas que no momento ficaram desacordados como
mortos; e então as mulheres ouviram o anúncio: Não está aqui… Ressuscitou. É um
relato tão diferente que não parece provável ser historicamente certo, mas
produto de uma apologética, cuja tradição Mateus redige em seu evangelho. Lucas (24, 3-4)
afirma que entraram no monumento e não encontraram o corpo do Senhor. Durante
um tempo elas ficaram sem saber o que pensar. Foi então que dois anjos se
colocaram junto delas em roupas fulgurantes. Lucas, pois, admite um tempo entre
a entrada no sepulcro, o encontro do corpo desaparecido e a aparição dos anjos.
Foi o tempo suficiente para que a Madalena voltasse pedindo ajuda aos apóstolos.
A VISÃO DE PEDRO E
JOÃO: Os
detalhes apontam a testemunha ocular presente aos fatos. Unicamente João fala
do encontro dos panos mortuários. Totalmente crível, pois; máxime que não narra
fato sobrenatural algum que, em últimas instâncias, poderia ser produto de
fantasias. Tentaremos traduzir da melhor maneira possível o relato de
João. João ou o discípulo preferido por Jesus, chegou e se inclinou e sem
entrar viu os panos deitados. Mas o mais importantes é o que João declara mais
adiante, como testemunha ocular. Pedro entra e então João tem uma visão mais
detalhada do que tinha acontecido. Os versículos 6 e 7 têm sido traduzidos de
formas diferentes. (6) Pedro entrou
dentro do monumento [sepulcro] e vê os othonia [panos de linho] keimena [postos ordenadamente]. Vamos
explicar detalhadamente o significado das palavras e depois traduzir livre, mas
corretamente a frase. Entrou em aoristo. Vê em presente, indicando um presente
histórico que realça a veracidade do testemunho pessoal. O sepulcro recebe o
nome de mneméion,
ou seja, monumento funerário, que podemos traduzir por mausoléu, ou tumba
sepulcral monumental. Uma outra palavra é othonia que o latim
traduz por linteamina [roupa
de linho]. No singular pode significar qualquer pano de linho desde uma vela de
barco, um vestido e até panos mortuários. A lã era considerada imprópria para
vestimentas puras como eram as dos sacerdotes e logicamente também para cobrir
os cadáveres, impedindo que objetos de procedência animal poluíssem os mortos
por contato direto. A palavra está, pois, em perfeita consonância com a
relíquia que conhecemos como Santo Sudário de Turim. Mas a palavra que tem dado
lugar a maior número de polêmicas é Keimena. É
o particípio de presente da voz média do verbo Keimai que podemos traduzir por estando
deitados. Podemos encontrar dois significados diferentes desta palavra no texto
grego dos evangelhos: 1) Tratando-se
de coisas inanimadas keimenon [singular]
significa colocados, ordenados, postos aí, como traduz propriamente a
vulgata: posita [posto,
situado, colocado com certa ordem sem estar tirado]. Assim em Jo 2, 6:
estavam keimenai as
talhas de pedra das bodas de Caná. 2) Com
respeito a pessoas, significa a postura jacente, deitado, em oposição a de pé
ou sentado. Um exemplo é Lc 2, 12 quando o anjo anuncia aos pastores que veriam
o menino deitado na
manjedoura. Assim Mateus 28, 6 o anjo anuncia às mulheres: Vede o lugar
onde jazia.
CONCLUSÃO: No caso, pois, optaremos pelo significado dispostos em ordem. Não creio que
possamos traduzir por desinflados, aplanados como disse meu antigo e
queridíssimo professor de grego, hebraico e bíblia, o Pe. Balaguer (qepd).
Alude o professor a que uma cidade conquistada é também keimene, ou
seja, arrasada, as muralhas tendo desabado. Porém os que estudamos são textos
evangélicos. E existe uma outra forma de ver as cidades keimenai, como cidades
mortas, como um morto jaz inerte, sem vida, sem pensar em muralhas
desmoronadas. E os dois exemplos evangélicos podem ser perfeitamente traduzidos
como ordenadamente postos. Assim será nossa tradução: vê os panos mortuários depositados
ordenadamente.
O SUDÁRIO: Vejamos o
significado de soudarion grego.
Geralmente era o lenço próprio para tirar o suor do corpo. Era o lenço de
grande tamanho que cobria o rosto dos mortos. Ele estava sobre sua cabeça (7).
Isto indica que cobria rosto e nuca como se fosse um capuz, que aliás era veste
mandatária dos condenados à morte como diz Cícero: I lictor, colliga manus, caput obnubito, arbore infelice suspendito. Vai,
lictor, ata as mãos, tampa
a cabeça, pendura-o da árvore infeliz. Parece que os mortos de
morte natural tinham um sudário que era atado ao redor do rosto [opsis autou soudario periededeto,
traduzido ao latim por fácies
illius erat
ligata], como eram ligados os pés e também as mãos, porém com
faixas [keiriais grego].
Encontramos no mesmo evangelista duas descrições diferentes de cadáveres:
Lázaro, e Jesus. Um deles de morte natural, em que um sudário foi usado para
cobrir o rosto e atado ou redor do mesmo. No outro um sudário também foi
colocado sobre a cabeça; cremos que poderia ser o capuz. O corpo de Jesus foi
envolto num lençol, segundo Lucas 23, 53 e mais explicitamente João dirá
que eram panos de linho [othonia], os mesmos que ele encontrou dispostos em
ordem. Temos uma prova de como os corpos eram sepultados ao vermos no dia de
hoje os enterros dos mortos no Oriente: Envoltos num lençol e com três
ataduras. Uma no pescoço, outra nas mãos e a terceira nos pés. Dentro
desse sarcófago (?)
de linho teremos o rosto coberto de um lenço que foi o que João viu ou meta ton othonion keimenon,
allá khoris entetyligmenon eis ena topon. A tradução latina é:non cum linteamínibus pósitum, sed
separátim involútum in unum locum. A tradução latina, como
sempre, é literal e precisa. De ambas as frases deduzimos: o sudário, que
estava [anteriormente] cobrindo a cabeça, não estava posto junto aos lençóis,
mas fora [dos mesmos], enrolado [do latim podemos traduzir tirado] a um único lugar
[numa posição única]. É esquisito que o eis
ena topon seja um acusativo de movimento, que dificilmente
pode ser traduzido como estando [verbo
estático] em um [outro] lugar, mas deveríamos traduzir como jogado [tomado do
latim] para um lugar diferente. Esta é a única maneira de entender o texto que
é traduzido de tantas maneiras. Como interpretá-lo? Não posso assegurar nada
como certo. Porém dado o assombro de Pedro e a decisão de João de acreditar na
ressurreição, podemos dizer que naquele sepulcro havia dados suficientes para
evitar o roubo e pensar numa coisa sem explicação natural. Isso não tanto pelo
modo como estavam os panos, mas pelo jeito como eles viram o sudário. Se o
corpo não estava dentro, é lógico que a mortalha estivesse aplainada como
vazia. Mas se o sudário não estava dentro da mortalha e era visto como
jogado fora da mesma em lugar visível, isso quer dizer que saiu de dentro das
ataduras exatamente como o corpo, de modo incrível. Vamos explicá-lo com um
exemplo: imaginemos que enterramos um familiar. Na preparação do morto, ao
vesti-lo, colocamos uma gravata no defunto. Logo, dentro do caixão, fechado com
pregos, o enterramos. Dois dias após, nessa tumba comum, vamos enterrar uma
outra pessoa. Ao abrir a tampa do sepulcro vemos que a gravata que estava no
pescoço do defunto está fora do caixão, sendo que este está fechado com pregos
como no tempo em que o enterramos e ao abri-lo nos deparamos que o corpo não
está lá. Que pensaríamos? Pois de modo semelhante encontrou João o corpo que
ele tinha ajudado a amortalhar e no lugar da gravata o que estava fora da
mortalha [fora do caixão para nosso caso] era o sudário. Por isso, Pedro voltou
para casa, muito surpreso com o que acontecera (Lc 24, 12). João, conforme seu
propósito, nada diz sobre os sentimentos de Pedro, mas escreve sobre o que
ele viu e acreditou. Porém deixa entender que Pedro estava confuso ao terminar
o relato aclarando: Ainda não tinham compreendido que, conforme as escrituras,
ele deveria ressuscitar dos mortos (9). Que delicadeza para com seu amigo
e companheiro!
PISTAS:
1) Nos relatos da ressurreição vemos a
descrição de um verdadeiro milagre. Em todo fato sobrenatural existem dois
fatores independentes: Um deles é o fato humano, que todos podem ver e do qual
podem ser testemunhas. No caso, a pedra rolada ou bruscamente jogada fora [o
sepulcro aberto], a ausência do cadáver que a Madalena atribui a
roubo: pegaram o corpo
do Senhor e não sabemos onde o levaram (2). A disposição da
mortalha que mesmo aceitando traduções menos comprometidas, indicava alguma
coisa de anormal. E está aí o outro fator que é a causa de um fato sem
explicação humana nem científica: Como pode acontecer? E é precisamente nesta
inexplicável causa que encontramos um poder transcendente, se finalmente
cremos, ou um mistério, que pensamos é produto do acaso ou de uma causa que
deixamos para o futuro poder descobrir, se o agnosticismo domina nosso
pensamento.
2) A fé: Foi necessário o encontro pessoal
para que os discípulos cressem em Jesus ressuscitado, com a exceção de João. O
sepulcro aberto e a disposição dos panos mortuários foram suficientes para que,
desses indícios, João acreditasse. Daí sua informação que parece sem
importância, mas que foi para ele o início de uma vida nova e da qual nós
podemos aprender uma lição extraordinária. Nós também temos unicamente indícios
sem que exista o encontro pessoal com Jesus. Porém deve existir uma vontade de
crer para que esses indícios não sejam um desperdício. É essa vontade que
precede a fé e que será motivo de nossa justificação como Paulo afirma (Rm 4,
3)
3) Os evangelhos recolhem informações,
indícios e testemunhas que apontam à transcendência de Jesus e a transcendência
de nossas vidas, dependentes de Jesus. Todas as demais religiões se apoiam em
valores humanos ou humanizados da divindade. Não existe um homem-Deus. A nossa,
em valores divinos que são humanos em Cristo, especialmente na sua ressurreição
que não é unicamente a de Jesus, mas também nossa, como afirma Paulo. E sem
esta fé na ressurreição é vã a nossa fé (1 Cor 15, 17) e sem essa esperança
somos os mais dignos de compaixão de todos os homens (idem 15, 19).
4) Diante do encontro pessoal de Cristo com
seus apóstolos, o sepulcro vazio, os lençóis e sua disposição passam a ser
secundários. Eles passaram do Jesus de Nazaré ao Cristo Senhor pela visão que
tiveram de sua pessoa ressuscitada. Por isso que nos outros três evangelhos as
aparições são tão importantes e que os detalhes do sepulcro se tornam
vagos e imprecisos. Somente João os descreve minuciosamente porque foi neles
que ele encontrou a sua fé. Foi o único que acreditou sem ter visto o Senhor [o
ressuscitado]. E neste sentido, João é o discípulo que melhor se assemelha a
nós, porque, sem ter visto, acreditamos por indícios e informações de
testemunhas oculares. Por isso somos bem-aventurados (Jo 20, 29).
http://www.npdbrasil.com.br/religiao/rel_hom_gotas0334.htm#msg02
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