REFLEXÃO
DOMINICAL II
Jesus, a porta de
pastores e ovelhas
Por Pe. Johan
Konings, sj
I.
Introdução geral
O quarto domingo pascal é
conhecido, na pastoral, como o domingo do Bom Pastor. A oração do dia é
inspirada por esse tema (a fraqueza/fragilidade do rebanho e a fortaleza do
Pastor). Porém, desde a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, o conjunto
literário do “Bom Pastor”, no Evangelho de João, foi repartido pelos três anos
do ciclo, A, B e C. Neste ano A, a leitura do evangelho não apresenta,
propriamente, a parábola do Bom Pastor (Jo 10,11-18, evangelho do ano B), e sim
o trecho anterior, a parábola da porta e dos pastores (Jo
10,1-10). Essa parábola dá ensejo à exploração de outros temas que não os
tradicionais, para que, segundo o desejo do concílio, seja “ricamente servida”
a mesa da Palavra.
II.
Comentário dos textos bíblicos
- I leitura: At 2,14a.36-41
A primeira leitura é a
continuação da pregação missionária de Pedro que já ouvimos no domingo
anterior. Apresenta-se o querigma cristão e a conversão, o que combina bem com
o espírito da Páscoa como celebração do batismo. Pedro conscientiza os judeus
de Jerusalém de que Jesus, rejeitado e morto por eles, foi por Deus constituído
Senhor e Cristo (v. 36). Essa pregação provoca o arrependimento (metanoia)
no coração dos ouvintes: convertem-se e aderem ao círculo dos discípulos (v.
37-41). O povo de Israel é agora obrigado a optar, e não só Israel, mas também
os que o Senhor chamou “de longe”, os não israelitas (v. 39; cf. Is 57,19).
Parte da população de Jerusalém se converte, então, àquilo que Pedro anunciou.
Essa conversão pode reter, hoje, a nossa atenção. É o protótipo da adesão à
Igreja em todos os tempos. Nós estamos acostumados a nascer já batizados, por
assim dizer. Mas isso não quer dizer que nos tenhamos convertido para aderir a
Cristo na sua Igreja. Pensemos naquela multidão que, pouco antes, desconhecia
ou até desprezava o caminho e a atitude de Jesus de Nazaré e, ativa ou
passivamente, havia concordado com sua crucifixão. Agora que Pedro, pela força
do Espírito, lhes mostra que essa vida (de Jesus) foi certa e por Deus coroada,
eles deixam acontecer no seu coração a verdadeira metanoia, a
“revirada” do coração. Em virtude daquilo que lhes foi pregado a respeito do
Cristo, mudam sua maneira de ver, sua escala de valores. Essa metanoia é
o passar pela porta que é Cristo, como diz o evangelho, o recusar-se a ladrões
e assaltantes, que se apresentam sem passar por ele. É aderir a nada que não
seja conforme Cristo, marcado por sua vida e situado no seu caminho. Será que
nós fizemos essa conversão?
- II leitura: 1Pd 2,20b-25
Pedro ensina os que vivem na condição de escravo ou
servo (cf. 1Pd 2,18) a trilhar os passos de Jesus Cristo pastor. Assemelhado ao
Servo Padecente de Deus (cf. Is 52-53), Cristo deu, no seu sofrer, o exemplo da
paciência. A imagem das ovelhas perdidas, no v. 25, corresponde à imagem do
pastor, ao qual o rebanho se confia pelo batismo. Ele nos abre o caminho certo:
não o da violência opressora, mas o da justiça que, para se provar verdadeira,
não se recusa a sofrer.
- Evangelho: Jo 10,1-10
O evangelho de hoje é a parábola
da porta do rebanho e dos pastores. No contexto anterior, a história do cego
(Jo 9), os fariseus mostraram ser os verdadeiros cegos. Eles deveriam ser os
pastores de Israel, mas não o são. Em continuidade direta com esse episódio –
pois não há nenhuma nova indicação de cenário –, Jo 10 mostra quem não é e quem
é o verdadeiro pastor. Os vv. 1-5 narram uma parábola: a cena campestre do
redil comunitário, onde entram e saem os pastores e as ovelhas, mas onde também
entram, por vias escusas, os assaltantes, para roubar e matar. As autoridades
judaicas não entendem a parábola (v. 6), pois só entende quem crê em Cristo. Em
seguida, nos vv. 7-18, a parábola é explicada em dois sentidos: Jesus é a porta
(vv. 7-10), Jesus é o pastor (vv. 11-18). No trecho lido hoje, é apresentada a
parábola introdutória e a primeira explicação: Jesus Cristo é a porta.
Por ele entram os pastores verdadeiros, por ele são conduzidas as ovelhas até
os prados onde encontrarão vida. Antes dele vieram pessoas que entravam e
saíam, não pela porta, mas por outro lugar: eram assaltantes, conduziam as
ovelhas para a perdição, para tirar-lhes a vida. Pouco importa quem sejam esses
assaltantes – Jesus parece pensar nos mestres judeus de seu tempo –, não os
devemos seguir. O que importa é a mensagem positiva: que passemos pela porta
que é Jesus Cristo. Só o caminho que passa por ele é válido. Essa porta se
situa, portanto, na comunidade dos fiéis a Cristo. Na comunidade que representa
o Cristo, depois da ressurreição, encontramos o que nos serve para sempre;
teremos o mesmo acesso ao Pai que os apóstolos encontraram na pessoa de Jesus
(cf. Jo 14,6-9). Jesus com a sua comunidade é a porta que dá acesso ao Pai.
Jesus dá acesso ao caminho da salvação tanto aos pastores, para entrarem,
quanto aos rebanhos, para saírem rumo às pastagens. Onde há vida, é por Cristo
que chegamos a ela (cf. Jo 14,6). O prefácio da Páscoa II (“Cristo, nosso guia
para a vida nova”) e a oração final (proteção e “prados eternos” para o
rebanho) dão continuidade a esse tema.
III.
Dicas para reflexão: A salvação por meio de Jesus
O tempo pascal é um tempo de
reflexão sobre a realidade de nosso batismo e de nossa fé. Ora, nosso batismo
não é real sem metanoia, sem mudança de caminho, para
conscientemente passar por Cristo. O batismo por conveniência não tem nada a
ver com a conversão implicada no batismo verdadeiro.
Conversão como reconhecimento do que está errado e
adesão a Cristo como escolha do caminho certo, eis o que nos propõe a liturgia
de hoje. Mas, apesar de certa austeridade nessas considerações, temos também o
testemunho da gratificação vital que essa conversão a Cristo nos traz. No
contexto em que vivemos, podemos, porém, fazer uma pergunta: a salvação vem só
por Cristo?
A parábola e sua primeira explicação (Jesus, a
porta) nos ensinam que pastor, mesmo, é só quem passa através de Jesus e faz o
rebanho passar por ele. O sentido fundamental da pastoral é ir às pessoas por
Cristo e conduzi-las através dele ao verdadeiro bem. As maneiras podem ser
muitas: antigamente, talvez, usavam-se modos mais paternalistas; hoje, modos
mais participativos. Mas pode-se chamar de pastoral uma mera ação social ou
política? Por mais importante que seja, ainda não é, de per si, ação pastoral
cristã. Para ser pastoral cristã, a atuação precisa ser orientada pelo projeto
de Cristo, que ele nos revelou, dando sua vida por nós.
Nessa ótica, os pastores
devem ir aos fiéis (não aguardá-los de braços cruzados),
através de Cristo (não através de mera cultura ou ideologia), para conduzi-los
a Deus (não apenas à instituição que é a Igreja), fazendo-os passar por Cristo,
ou seja, exigindo adesão à prática de Cristo. Os fiéis devem discernir se seus
pastores não são “ladrões e assaltantes”, e o critério para discernir é este:
se chegam através de Cristo e fazem passar os fiéis por ele.
A julgar pelas palavras do Novo
Testamento, parece que toda a salvação passa por Cristo. Mas
isso deve ser entendido num sentido inclusivo, não exclusivo. Todo caminho que
verdadeiramente conduz a Deus, em qualquer religião e na vida de “todos aqueles
que procuram de coração sincero” (Oração Eucarística IV), passa, de fato, pela
porta que é Jesus. Dirigido, provavelmente, a pessoas que já aderiram à fé em
Jesus, o Evangelho de João ensina: não precisam procurar a salvação
fora desse caminho. Isso vale ser repetido para os cristãos de hoje. Por
outro lado, não é preciso que todos confessem o Cristo explicitamente para
encontrar a salvação. Basta que, nas opções da vida, optem pela prática que
foi, de fato, a de Cristo. Agir como Cristo é a salvação. E é a isso que a
pastoral deve conduzir.
Pe. Johan Konings, sj
Nascido na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde
1972. É autor em teologia e mestre em Filosofia e em Filologia Bíblica pela
Universidade Católica de
Lovaina. Atualmente é professor de Exegese Bíblica na FAJE, em Belo Horizonte.
Dedica-se principalmente aos seguintes assuntos: Bíblia – Antigo e Novo
Testamento (tradução), evangelhos (especialmente o de João) e hermenêutica
bíblica. Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia;
A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos
fiéis – anos A-B-C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A
Bíblia nas suas origens e hoje; Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e
Lucas e da “Fonte Q”. E-mail: konings@faculdadejesuita.edu.br
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/7-de-maio-4o-domingo-da-pascoa/
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