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VI-
REFLEXÃO DOMINICAL I:
9 de fevereiro – 5º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Gisele Canário*
O chamado dos primeiros discípulos
I.
INTRODUÇÃO GERAL
O
5º domingo do Tempo Comum suscita uma reflexão sobre o chamado de Deus a quem
deseja seguir seu projeto. As leituras enfatizam o compromisso com o Deus da
vida, a aceitação de nossa própria indignidade e a transformação que ocorre
quando nos entregamos a uma vida fundamentada em caminhos de amor e de justiça.
Este domingo é um convite a sermos mensageiros e instrumentos do Reino de amor,
proclamando sua graça e espalhando sua mensagem que cura e acolhe a todos,
independentemente de quem sejam e a que cultura ou povo pertençam.
II.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1.
I leitura (Is 6,1-2a.3-8)
O
chamado de Isaías descrito na leitura ocorre no século VIII a.C., no ano da
mor- te do rei Ozias, um período de forte crise política e religiosa. Esse
evento é relevante para ter uma compreensão do impacto e mesmo da urgência da
visão de Isaías. Tal visão é uma espécie de teofania, experiência rara e
transformadora para qualquer profeta.
Os serafins, criaturas
angelicais encontradas apenas nesse texto em toda a Bíblia, são apresentados
com o intuito de ressaltar a santidade divina mediante a tríplice repetição
“santo, santo, santo”, demonstrando a separação de Deus de tudo aquilo que é
profano. No Antigo Testamento, o termo “fumaça” (ashan) está associado à presença divina (cf. Ex 19,18;
1Rs 8,10-11), simbolizando a grandiosidade de Deus e a incapacidade humana de
suportar sua presença, caso não haja mediação.
Um dos serafins é quem
purifica os lábios de Isaías com uma brasa retirada do altar, a qual simboliza
a purificação dos pecados e a capacitação para a profecia. O termo “brasa” (riṣpâ) vem da raiz
hebraica ר-צ-פ) r-ṣ-p), que pode estar relacionada ao conceito de ardência ou a
algo queimado. Essa raiz aparece raras vezes na Bíblia, tornando riṣpâ um termo
específico e bastante único. Por isso, no contexto teológico, essa brasa
retirada do altar é quem purifica e capacita a resposta de Isaías: “Aqui estou!
Envia-me”, refletindo sua disponibilidade e transformação radical.
Isaías
agora é um homem consciente de sua impureza e se transforma em um profeta
ousado, disposto a proclamar a mensagem do Deus da vida. Essa sua missão é
central para compreender a vocação profética no Antigo Testamento.
2.
II leitura (1Cor 15,1-11)
Nessa
leitura, Paulo apresenta um argumento importante sobre a fé cristã, funda -
mentada na morte, sepultamento e ressurreição de Jesus Cristo. Ele reafirma a
narrativa essencial do Evangelho e sua importância contínua para os crentes.
Enfatiza que a ressurreição é um ponto crucial da fé cristã e recorda a graça
transformadora de Deus, que capacita seus seguidores a proclamar essa verdade.
Além disso, posiciona-se como um exemplo dessa transformação, passando de
perseguidor da Igreja a fervoroso apóstolo, cuja vida e missão são impactadas
pela experiência pessoal da graça divina. Ao conectar sua própria transformação
à mensagem por ele pregada, Paulo reforça a credibilidade de seu testemunho,
bem como a continuidade do que Deus é e representa na vida daqueles que
respondem ao Evangelho de Jesus.
3.
Evangelho (Lc 5,1-11)
Ao
chegar às margens do lago de Genesaré, Jesus experimenta uma recepção calorosa
das pessoas, em contraste com a rejeição enfrentada anteriormente em seu
próprio povoado. Os pescadores que o cercam não buscam milagres sensacionais
como aqueles de Nazaré, mas desejam ouvir a Palavra de Deus, aquilo de que
realmente necessitam. O ensinamento de Jesus ocorre não em um ambiente formal,
como uma sinagoga, mas em meio à natureza, com as pessoas reunidas à margem e
ouvindo-o falar não de um assento elevado, mas de um barco humilde, sobre as
águas calmas do lago.
O
relato da pesca milagrosa no lago da Galileia foi amplamente difundido entre os
primeiros cristãos. Diversos evangelistas registraram esse episódio, mas
somente Lucas concluiu a narrativa com uma cena comovente, protagonizada por
Simão Pedro, discípulo simultaneamente crente e consciente de seus pecados.
Profundamente tocado pela fé em Jesus, Pedro deposita mais confiança nas
palavras daquele mestre do que na própria experiência. Embora saiba que não é
comum pescar ao meio-dia no lago, especialmente após uma noite sem sucesso, ele
decide obedecer a Jesus: “Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”
(v. 5).
Pedro
revela-se também alguém de coração sincero, ao reconhecer sua própria
pecaminosidade diante da extraordinária pesca obtida. Ele se lança aos pés de
Jesus e, com espontaneidade admirável, declara: “Senhor, afasta-te de mim,
porque sou um pecador!” (v. 8). Diante de todos, reconhece ser indigno de estar
na presença de Jesus.
Por
sua vez, Jesus, diante da consciência de Pedro sobre o próprio pecado, não se
afasta; ao contrário, ele o chama para uma missão transformadora: “Não tenhas
medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens” (v. 10). Jesus remove o
medo de Pedro de ser um discípulo pecador e o associa à sua missão de reunir e
chamar pessoas de todas as condições para participar do projeto libertador do
Deus da vida.
III.
PISTAS PARA REFLEXÃO
– Resposta ao chamado. Assim como Isaías, Pedro e
Paulo, somos desafiados e convidados a responder ao chamado do Deus da vida.
Estamos prontos para dizer “Aqui estou! Envia-me” e seguir Jesus, abandonando
nossas próprias vontades e confortos em favor da vontade do amor e da justiça?
– Purificação e transformação. A
visão de Isaías e a experiência de Pedro na pesca milagrosa destacam a
necessidade contínua de purificação e transformação do nosso ego. Estamos
abertos à purificação que Deus deseja realizar em nossa vida e à transformação
que Jesus oferece, capacitando-nos para cumprir nossa missão como discípulos?
– Obediência e fé. Pedro
obedeceu à palavra de Jesus e testemunhou um milagre! Dessa mesma forma, somos
desafiados a examinar onde precisamos crescer em fé e obediência em nossa vida.
Em que áreas estamos hesitantes em obedecer plenamente a Deus, e como podemos
fortalecer nossa fé para receber as bênçãos que ele deseja nos conceder? Por
que, como Igreja, resistimos tanto a reconhecer nossos pecados e confessar
nossa necessidade de conversão? O pecado permeia tanto os fiéis quanto as
instituições, desde a hierarquia até o povo de Deus, das lideranças às
comunidades cristãs. Todos necessitamos de um caminho de conversão!
– Proclamação do Evangelho. Uma
Igreja que reconhece corajosamente os próprios pecados não é mais
verdadeiramente evangélica do que uma instituição que se esforça em vão para
esconder suas fraquezas perante o mundo? Nossas comunidades não se tornam mais
dignas de confiança quando colaboram com Jesus na missão evangelizadora,
humildemente reconhecendo os próprios pecados e comprometendo-se com uma vida
cada vez mais alinhada aos princípios evangélicos? Não há muito para aprender
hoje com o apóstolo Pedro, que reconheceu seus pecados diante de Jesus?
– Convite ao compromisso. O
5º domingo do Tempo Comum nos desafia a reconhecer o profundo amor de Deus por
todos nós, a assumir nossa própria indignidade e a acolher a graça profética
que capacita para a missão. Que possamos, como Isaías, Paulo e Pedro, responder
ao chamado de Deus com fé, obediência e disposição, proclamando a mensagem que
cura a todos e vivendo como discípulos de Jesus. Que nossa vida manifeste a
resposta corajosa e humilde ao chamado de Jesus: “Não tenhas medo; não tenhas
receio de reconhecer tua condição de pecador e de aproximar-te de mim”. Esta é
a experiência do fiel: ele reconhece sua pecaminosidade, mas, ao mesmo tempo,
sabe-se aceito, compreendido e amado incondicionalmente pelo Deus revelado em
Jesus.
Gisele Canário*
*é mestra em Teologia, com ênfase em
Exegese Bíblica (Antigo Testamento), pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pelo Instituto São Paulo de
Estudos Superiores. É licenciada em Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul
e assessora no Centro Bíblico Verbo, onde atua, desde 2011, com a confecção de
material para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em comunidades
eclesiais e cursos bíblicos on-line.
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/9-de-fevereiro-5o-domingo-do-tempo-comum-2/
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