XIII - REFLETINDO COM LINDOLIVO SOARES
MOURA- PARTE II(*)
"NEM
SEMPRE DEUS RESPONDE 'SIM' ÀS NOSSAS PRECES! MAS UM 'NÃO', VINDO DE DEUS, PODE
SER A SOLUÇÃO: QUANDO A FÉ NÃO REMOVE MONTANHAS, REMOVE A CORDILHEIRA
INTEIRA!"
"Tome muito cuidado com o que você pede
em suas orações,
porque você corre o sério
riscode obtê-lo" [Richard
Bach]
Não
fique triste, e menos ainda desanimado[a], com o conteúdo para com o qual, a
partir de agora, você começa a interagir. Apenas, se for o caso, ressignifique
sua crença a respeito do que estará sendo abordado, caso seu "daimon"
interior venha a sugerir que o faça. Assustou-se com o termo
"daimon"!? Pois não deveria! Saiba que "daimon" é um termo
da filosofia e da mitologia gregas, significando uma espécie de entidade
espiritual intermediária entre os deuses e os humanos, algo como um
"demiurgo", termo com praticamente o mesmo significado. Sócrates, um
dos pilares da cultura grega e não apenas da filosofia, dizia possuir um
"daimon" dentro de si, uma espécie de voz ou consciência que o
orientava ética e moralmente, ajudando-o a evitar o acometimento de erros e
maldades de todo tipo, sem porém indicar e menos ainda lhe ordenar
especificamente o que fazer em cada caso específico. Platão também possuía seu
próprio "daimon", que de acordo com ele estava intimamente ligado à
alma e ao destino de cada pessoa. Aristóteles, por sua vez, relacionava
tanto seu "daimon" pessoal
como o "daimon" de cada pessoa, à felicidade e à prática da virtude,
uma força interior energizante que facilitaria a cada ser humano acessar e
atualizar, no sentido aristotélico do termo - potência X ato - seu potencial
máximo. Já os estóicos concebiam "daimon" como sendo uma espécie de "centelha
divina" presente no interior de cada pessoa, algo semelhante ao conceito
de "espírito", "logos", "razão superior ou
universal". Algumas filosofias posteriores, a exemplo do Neoplatonismo,
concebiam "daimon" como sendo uma espécie de elo de conexão entre o
mundo material humano e o mundo espiritual divino.
A
partir daí as concepções começam gradual e progressivamente a degringolar
bastante, até degringolar de vez. O termo passaria a assumir uma conotação
lamentavelmente ambígua, ora sendo associado a guias espirituais favoráveis em
nosso percurso de busca pela iluminação ou pelo divino, ora relacionado a
entidades claramente maléficas, demoníacas e prejudiciais, que tendem a agir em
sentido exatamente contrário. Esse é um exemplo paradigmático - modelar, referencial
e exemplar - de como a mente humana é capaz de passar de um extremo ao outro em
sua função não só de interpretar, mas também, ideologicamente ou não, forjar,
ressignificar e rematrizar termos e conceitos ao longo do tempo. A isso Lou
Marinoff atribui o nome de "Princípio do Duplo Poder", que pode ser
resumido mais ou menos da seguinte forma: tudo aquilo que traz consigo
potencial criativo, renovador e transformador para o bem, traz também consigo,
igual e proporcionalmente, potencial prejudicial, pernicioso e destrutivo para
o mal. Felizmente entre nós, no ocidente, Carl Jung tratou de reinterpretar o
conceito de "daimon" - ou ressignificar, para quem assim achar melhor
- concebendo-o como uma manifestação do inconsciente, ou, mais especificamente,
uma manifestação do arquétipo do "Self", arquétipo principal e
central em que a pessoa alcança a integração e a harmonia entre os opostos
internos, e se torna plenamente ela mesma - ou "eu verdadeiro",
acordo com outras psicologias. Não se permita complicar ainda não, pois o
parágrafo já está chegando ao fim. Ao dar à luz a chamada "psicologia
arquetípica", James Hillman, nas pegadas de Jung, descreveu
"daimon" como sendo "o chamado do destino que guia cada pessoa
em seu propósito único e indelegável ao longo de sua vida". Agora sim,
ponto parágrafo.
Mas
afinal, que relação tem esse tal "daimon" interior de cada pessoa -
obviamente concebido como um espírito bom e do bem, e não o contrário - com a
temática da fé e da intervenção divina, que estamos abordando na presente
reflexão? Antes de responder sua pergunta, ou já respondendo, primeiro observe
o seguinte: quando se diz ou se afirma que a fé, do tamanho de um grão de
mostarda que seja, seja capaz de remover até mesmo uma montanha, em hipótese
alguma se pretende afirmar que tal poder emana do próprio crente ou fiel que
crê, e sim de Deus, Ele sim, absolutamente capaz e potencialmente poderoso para
operar o que nós humanos, imperfeitos, finitos e limitados, por nós mesmos não
podemos fazê-lo. Se cada cura ou intervenção milagrosa operada por Jesus, por
exemplo, é "precedida", e em certo sentido "condicionada",
pela fé expressa ou presumida de quem por elas é beneficiado ou
"agraciado", o certo é que a potência ou a força capaz de operar tal
mudança ou transformação - no caso, equivalente a um milagre - jamais provém do
pedinte, do crente ou do intercessor, e sim diretamente do próprio Criador ou
de quem com Ele compartilha a mesma natureza, a mesmíssima potência e o
mesmíssimo poder. Vejamos um exemplo para que aquilo que está sendo afirmado
possa ficar mais claro e mais facilmente assimilado. Quando um exorcista no
exercício de "sua função" - entre "aspas", percebeu bem? -
ao "ordenar" que seja "banida", "rechaçada" ou
"exorcizada" uma entidade maligna de uma determinada pessoa, nunca,
jamais ele o faz - é forçoso compreender bem isso - em nome próprio e pessoal,
e sim, única e exclusivamente em nome de algum deus reputado como todo poderoso
e capaz de operar tal ação. No exemplo citado, pressupõe-se que apenas pessoas
altamente probas - na fé, no testemunho, na capacitação espiritual e na
santidade de vida - estejam aptas a realizar tal ato de "exorcismo"
em nome de um deus, de um "logos" ou de uma "Inteligência
Superior". Também aqui se aplicam as palavras de Jesus como Mestre:
"tudo que com fé, pedirdes em oração, vós o recebereis". Não é dito,
perceba bem, que a própria fé é o agente mesmo da concessão, outorga ou ação,
como tampouco o é o próprio pedinte que intercede ou exorciza. O que sim, se
presume, é que quanto maior for a fé, maior a probabilidade de que o conteúdo
ou objeto da outorga ou da concessão seja concedido por parte daquele que para
isso se revista de autonomia, competência, condições, e acima de tudo
"vontade" para realizar o pedido solicitado, ou a ação pretendida no
caso do exorcismo. Um novo ponto parágrafo pode ajudar a entender melhor a
questão.
Apenas
por questão hipotética de análise e de reflexão, vamos presumir que a própria
mãe de Jesus, Maria, tenha sido a pessoa que mais confiança e fé depositava em
seu próprio Filho. O palco e a cena principal são as Bodas de Caná, em que
ocorre um momento de extrema enrascada para dois jovens recém casados. O vinho
- a bebida clássica e tradicional para a ocasião - de repente havia faltado.
Muito provavelmente Jesus já teria percebido e se dado conta do problema antes
mesmo que sua própria mãe. No entanto Ele se cala, silencia. Não diz nada! Não
intervém ou sugere absolutamente coisa alguma! Pedagogia divina é outra coisa,
não é verdade? Lembra-se dos discípulos de Emaús!? Como o mesmo Jesus, agora
ressuscitado, de acordo com as Escrituras, simula não saber absolutamente nada
do que teria acontecido ou estava acontecendo naquele momento!? Pedagogia pura,
por parte de Jesus! Já aqui, em Caná, Ele apenas observa! Observa e aguarda.
Aguarda o quê!? Aguarda quem!? Não sabemos! Ele, sim, com certeza sabia. Nós
não. Sua mãe intervém! Ele contesta! Dá um "chega pra lá"! A mãe não
retruca! A mãe confia! A mãe presume! A mãe aguarda! A mãe media! A mãe retorna
novamente à cena! De alguma forma - seria a fé uma espécie de "sexto
sentido"? - a mãe sabia! Por isso ordena! Ordena não ao filho! Ordena aos
criados! Ordena o quê!? A fazer não o que ela, mas o que Ele, o Filho,
mandasse! Os criados obedecem. Agora é Jesus quem ordena! Ninguém sabe! Ninguém
desconfia! "i¿Qué pasa!?". O milagre está acontecendo! Levem ao mestre-sala! Que maravilha! O
restante você já sabe. Mas aí vem a pergunta: por que, ao invés de dizer o que
disse, Jesus não disse, por exemplo: "façam tudo que ela vos
mandar!". Como assim!? Ela, Maria!? Isso mesmo! Por qual razão Jesus não
disse: "façam tudo que ela, minha mãe, vos mandar!", ao invés de
mandar Ele mesmo!? Eu lhes digo porque não disse: não disse porque a potência,
o poder e a força estavam com Ele, e não com ela. Por isso ela, e não ele,
disse o que disse: "façam tudo o que Ele vos mandar!". A mãe crê! A
mãe acredita! A mãe confia! A mãe media! A mãe intervém! A mãe suplica! Aí você
pergunta: "a mãe ou a fé, faz ou fez tudo isso?". Você tem razão! A
primeira resposta dada por Jesus deixa claro que o pedido foi aceito em virtude
da fé daquela "mulher", e não pelo fato de essa mesma mulher ser sua
mãe. O Filho entendeu! O Filho acolheu! O Filho fez exatamente como a mãe -
corrijo-me novamente: exatamente como a fé pediu. O milagre aconteceu! Quem
operou!? Operou o quê? O milagre!? Se você se refere ao milagre, quem operou
foi Ele, Jesus; não ela! Mérito dela ou d'Ele!? Eu respondo: você decide! O
mérito da "concessão" foi d'Ele, Jesus, já o da "mediação"
foi dela, Maria. Teria Ele operado a intervenção sem o pedido dela? Não
sabemos. Jesus, sim, sabia! Maria também sabia!? Também não sabemos. O que
sabemos, então!? O que sabemos é que Maria creu! Que Maria acreditou! Que Maria
confiou! Que Maria se comoveu! Que Maria mediou! Que Maria intercedeu! E em
contrapartida: que Jesus entendeu! Que Jesus acolheu! Que Jesus se
sensibilizou! Que Jesus realizou! Que o milagre aconteceu! Que o mestre-sala
aprovou! Que o problema se resolveu! Que todo mundo bebeu! Que o casal
comemorou! Isso é tudo que sabemos!
Compreende agora, antes que o parágrafo se acabe, por qual razão é dito
que a fé é crer ou acreditar naquilo que não se vê, naquilo não se sabe,
naquilo do qual não se tem certeza!? Ótimo! Que bom que você entendeu o que em
Caná aconteceu! Agora sim, podemos paragrafear.
Obs.:
todo mundo feliz, o problema da falta do vinho resolvido, por isso vou deixar a
parte dois finalizada por aqui. Com a terceira, espero poder encerrar. Fica bem
pra você!? Fechô!? Então tá fechado para mim também. Abraços e tchau tchau. Até
a próxima.
( * ) Reflexão enviada de
Vitória por whatsapp pelo autor.
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