sexta-feira, 5 de julho de 2024

VIII- REFLEXÃO DOMINICAL II "NAZARÉ DAS NOSSAS ILUSÕES"

 

VIII- REFLEXÃO DOMINICAL II

"NAZARÉ DAS NOSSAS ILUSÕES"

É bonito quando vemos alguém famoso causando admiração, outro dia em uma festa de casamento, que acontecia em um belo salão, adentrou um artista de grande talento, contratado pela noiva, representando o Elvis Presley e era de se espantar em ver como os seus trejeitos, lembravam realmente o rei do rock, todos os convidados se aproximaram para umas fotos, as mulheres queriam acompanhá-lo na dança ousada, e até os homens se admiravam e a sua presença inusitada, surpreendeu a todos.

Quando Jesus chegou a sua “terrinha” de Nazaré, acompanhado dos discípulos, deve ter causado um verdadeiro “rebuliço”, pois a fama de suas pregações e milagres já tinha chegado por ali, e no sábado, como todo piedoso judeu, foi á celebração da palavra da comunidade, onde qualquer pessoa adulta poderia partilhar o ensinamento sobre a Palavra e Jesus, usando desse direito, começou a pregar á sua gente fazendo a homilia.

O povinho da terra nunca tinha ouvido uma pregação feita com tanta sabedoria, que superava o ensinamento dos Mestres da Lei e Fariseus, imaginemos que na comunidade, algum ministro da palavra pregue melhor do que o padre... E com o estudo teológico acessível aos leigos, isso hoje não seria novidade. Aquilo que causa muita admiração, também logo acabará despertando inveja e ciúmes.

Basta que olhemos para os nossos trabalhos pastorais, onde o carisma das pessoas não deveria jamais perturbar o coração de ninguém, ao contrário, deveria motivar um hino de louvor, por Deus ter dado a alguém um carisma tão belo, colocado a serviço da comunidade. Mas logo surgem os questionamentos maldosos: Como é que ele faz isso? Onde aprendeu? Quem o ensinou, de onde é que vem todo esse saber? Será que o padre o autorizou? (esta última coloquei por minha conta) E a admiração, contaminada por sentimentos de inveja, vai logo se transformando em desconfiança aumentando o questionamento: “Quem ele pensa que é para falar assim com a gente? Será que ele não se enxerga? E ainda tem gente que o aplaude...” Os que não gostam muito do padre, logo vão afirmar que o sujeito faz parte da sua “panelinha”, ou então, irão inventar alguma coisa para que o padre “corte a asinha” do tal.

Jesus deve ter sentido uma frustração muito grande, quando percebeu sentimentos tão mesquinhos em meio á comunidade onde cresceu e fez a sua catequese. Duvidavam da sua sabedoria, e talvez para provocá-lo, queriam que ele resolvesse algum problema da comunidade, “Se ele endireitar a comunidade, daí eu acredito”. Às vezes também nos iludimos quando queremos que alguém que fala “certos milagres”, talvez o cooperador, o coordenador do grupo, o catequista, o ministro da palavra, quem sabe o coitado do Diácono ou o Padre, que têm autoridade. Penso que na sinagoga de Nazaré foi mais ou menos assim que os fatos ocorreram, queriam jogar tudo nas costas de alguém, e como Jesus tinha fama de ser o Messias...

As pessoas, quando enxergam algo de extraordinário no carisma de alguém, começam a fazer do sujeito uma referência importante, acham que a sua oração é especial, que um toque de sua mão poderosa pode realizar curas prodigiosas, e em pouco tempo, a propaganda é tanta, que o tal não pode mais sair as ruas que é logo procurado para resolver os mais complicados problemas, inclusive de relacionamento entre as pessoas, apaziguar casais brigados, aconselhar jovens, e assim a sua palavra se torna poderosa e em conseqüência passa a ter poder religioso paralelo, e se na comunidade não houver um espaço para ele atuar, terão de criar um, pois ele precisa ser o centro das atenções.

Jesus não quis formar um grupo só para ele, para bater de frente com os Doutores da lei, escribas e fariseus, e como ele pertencia a uma das famílias do local, a ponto de sua mãe e seus irmãos serem de todos conhecidos, começaram a vê-lo como um vulgar, que nada de extraordinário tinha feito em Nazaré, para que merecesse toda aquela fama.

Na verdade, Jesus não quis assumir o papel de “Salvador da Pátria”, diferente de muitos cristãos, que se julgam o máximo naquilo que fazem, e pensam que sem eles, a comunidade estaria perdida. Essa rejeição á ele, suas obras e ensinamentos, iria se ampliar e lhe traria conseqüências muito trágicas na cruz do calvário, tudo porque suas palavras anunciavam um reino novo, que exigia uma total renovação e mudança de vida.

Quando a pregação que ouvimos, serve para o vizinho, ou para o marido ou a esposa, ou quem sabe para os filhos, ou para o chefe ou o colega de trabalho, prestamos muita atenção e vibramos, só em pensar que aquelas verdades atingem em cheio a pessoa em quem pensamos. Porém, quando a pregação toca o nosso coração e nos motiva a mudar o nosso jeito de pensar ou de agir, temos duas reações, ou reconhecemos a legitimidade da palavra e abrimos o nosso interior, para uma conversão sincera, ou então rejeitamos o pregador e passamos a querer vê-lo pelas costas.

Na sinagoga de Nazaré foi assim, e nas nossas comunidades, não é muito diferente. Quem prega mudanças de mentalidade e conduta, vai sempre arrumar uma bela de uma encrenca. Enfim, o Jesus que há dentro de nós, criado pelas nossas fantasias, ou fruto de nossas ideologias sociais ou políticas, não coincide com esse Jesus, Profeta de Nazaré, Ungido de Deus. E o pior, é que projetamos tudo isso nas pessoas que lideram a comunidade, nos cooperadores, nos coordenadores, nos ministros, nas catequistas, nos padres e diáconos e assim vai. Um dia, basta um desentendimento mais sério e o nosso Jesus idealizado “vai pro espaço” com a pastoral e o movimento.

Quanto mais somos realistas em nossa fé, mais nos adequamos á comunidade aceitando-a como ela é, quanto mais nos iludimos com o Jesus da nossa fantasia, mais difícil será vivermos em comunidade, aceitando as pessoas do jeito que elas são. Daí, como em Nazaré, nenhum milagre acontece, por causa dessa fé infantil e ilusória...

José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail  jotacruz3051@gmail.com

 

http://www.npdbrasil.com.br/religiao/rel_hom_gotas0138.htm#msg01

Nenhum comentário:

Postar um comentário