REFLEXÃO DOMINICAL III
A RADICALIDADE DO AMOR
Por Pe. IvonilParraz
I. Introdução geral
As três
leituras do sétimo domingo do Tempo Comum nos convidam à santidade. Ser santo
significa ser bom e amar gratuitamente, como o Pai!
A
primeira leitura nos ensina a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo
como a nós mesmos. O amor a Deus e o amor ao próximo estão interligados. A
prática desses amores leva-nos a imitar Deus: ser santos como Deus é santo!
Na
segunda leitura, Paulo sustenta que a comunidade cristã é templo de Deus. E,
como templo de Deus, todos os seus membros devem abraçar a sabedoria da cruz. A
cruz revela quão gratuito é o amor de Deus! Revela também a força de Deus: a
desmedida do seu amor! Sua sabedoria consiste numa vida doada, inteiramente
gratuita. A cruz indica qual deve ser a vida do cristão. Quem se deixa conduzir
por sua sabedoria possui já, aqui e agora, a vida eterna!
No
evangelho, Jesus reinterpreta o mandamento do amor ao próximo. Sua
reinterpretação é revolucionária: amar até mesmo o inimigo. Esta é a única
maneira de amar gratuitamente como o Pai.
Toda a
reinterpretação que Jesus apresenta no capítulo quinto do Evangelho de Mateus
bem como o programa de vida do discípulo, exposto nas bem-aventuranças,
culminam no último versículo desse capítulo: “Sede perfeitos como vosso Pai
celeste é perfeito”. Ser santos (Lv 19,2), ser misericordiosos como ele (Lc
6,36) e ser perfeitos como o Pai (Mt 5,48) se equivalem! Ser santo,
misericordioso e perfeito consiste em amar gratuitamente!
II. Comentário dos textos bíblicos
- Evangelho: Mt 5,38-48
“Amai os
vossos inimigos” (v. 44). Eis o que há de mais revolucionário em Jesus! Amar os
inimigos nada mais é do que a prática do amor gratuito. O Pai nos ama
gratuitamente. Assim, amando gratuitamente, imitamos o modo de amar do Pai. Só
o amor nos conduz à perfeição!
Somos
humanos quando a nossa atuação é alicerçada no amor. Somente assim criamos
relação, comunhão com o outro. Ao falar de amor, Jesus tem em mente uma relação
humana de interesse pelo bem da pessoa. Em outras palavras, amar, na Escritura,
significa fazer sempre o bem ao outro. Não se trata, portanto, de um sentimento
que, muitas vezes, se perde no abstrato. Amar é sempre concreto. Amar é ato e
não abstração!
a) Rejeição à violência
“Olho por
olho, dente por dente” (v. 38). Jesus se opõe à lei do “talião”. Opõe-se a toda
forma de violência. Seu discípulo deve ser aquele que, com a prática do amor,
estanca toda forma de violência. A posição de Jesus apresenta-se bastante
clara: pagando o mal com a mesma moeda, nunca sairemos dele! Mas Jesus não quer
somente isso. Ele quer mais: não nos limitarmos somente ao que nos é
pedido; e ainda mais: amar até os nossos inimigos!
b) Doação sem medida
“Não
ofereceis resistência ao malvado! Pelo contrário, se alguém te bater na face
direita, oferece também a esquerda” (v. 39). Na dinâmica de refrear a maldade,
Jesus nos convida à atitude da não resistência diante daqueles que nos fazem
mal. Como seguidores de Jesus, o amor deve mover o nosso coração! Ora, o amor
só visa ao bem. Portanto, não deve haver espaço para a maldade nos cristãos.
Jesus nos
dá o exemplo: no alto da cruz, ele pede ao Pai perdão para todos os seus
inimigos. Quando chegarmos ao céu e lá encontrarmos Pôncio Pilatos, Herodes, os
sumos sacerdotes que condenaram o Filho de Deus e também os soldados romanos,
não estranhemos! Insondável é a misericórdia divina! Inacessível à compreensão
humana é o Deus misericordiador!
Os
primeiros cristãos também são modelo para nós hoje. Eles não ofereceram
resistência quando foram perseguidos e mortos por seguir Jesus. Ao contrário,
também perdoaram aos seus perseguidores.
“Se
alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto”
(v. 40). Nos tempos de Jesus, quando alguém se sentia ofendido, era costume
recorrer à justiça para exigir certa paga. Por exemplo, a túnica do ofensor! A
postura de Jesus diante desses costumes apresenta-se clara. Nada substitui a
pessoa humana! Devemos visar ao bem da pessoa, mesmo que, para isso, devamos
abrir mão de nossos pertences. A transparência da postura de Jesus suscita em
nós profunda admiração: somente quando a pessoa se sentir amada, somente quando
se sentir importante aos olhos do outro, ela abandonará a maldade!
A maldade
não é própria do ser humano. É impossível nascermos maus, uma vez que Deus, o
bem por excelência, nos criou, e nos criou à sua imagem. Mas a maldade pode
desenvolver raízes no coração humano.
Não somos
inocentes! O mal não é inerente a nós, mas podemos dar-lhe hospedagem! Podemos
criar condições para que ele se alastre entre nós. Nossos inimigos o são por
natureza ou nós os produzimos? O terrorismo é o desabrochar de uma maldade
inerente ao coração humano ou é sintoma?
“Dá a
quem te pedir, e não vires as costas a quem te pede emprestado” (v. 42). Doação
e doar-se, eis os frutos de um coração que quer seguir as pegadas de Jesus,
daqueles que querem fazer a experiência de um Pai misericordiador! Para ser
verdadeiramente filhos do Pai de Jesus, não há outra via: ser bom como ele é
bom!
c) Amor aos inimigos
“Amai os
vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem” (v. 44). A lei do
Levítico (19,18) entendia o amor ao próximo como algo aplicável somente aos
compatriotas e correligionários: “Não procures vingança nem guardes rancor aos
teus compatriotas”. Jesus a aplica universalmente e de modo ilimitado. Para
isso, recorre ao modo de agir do Pai misericordiador: “faz nascer o seu sol
sobre maus e bons e faz cair a chuva sobre justos e injustos” (v. 45). Assim
como o Pai, devem ser seus filhos. Como o Pai ama gratuitamente bons e maus,
seus filhos devem amar até mesmo os inimigos!
A vocação
do ser humano consiste em amar. Criados por um Deus Amor à sua imagem e
semelhança, nós nos realizamos como humanos quando amamos a todos com o amor
gratuito de Deus, sem procurar retribuição. Somente aquele que amam
gratuitamente, tal como Deus, poderá amar os seus inimigos. Quem ama somente
aqueles que o ama não ama o outro, mas a si mesmo. Seu amor move-se pelo
interesse. O que mais lhe interessa é a si mesmo.
No “amar
os nossos inimigos”, Jesus nos convida a ir além. Ir além redunda em pôr o
nosso amor em movimento. Não basta amar quem nos ama. Para imitar o Pai
misericordiador, devemos amar gratuitamente. O amor ao inimigo é a expressão maior
da gratuidade do amor. O amor gratuito nos descentraliza, pois nos move a
buscar o bem do outro! E nos centraliza em Deus, pois visamos ao bem do outro!
Amando gratuitamente, imitaremos o Pai bom.
d) Perfeitos como o Pai
“Sede,
portanto, perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito” (v. 48). Imitar o Pai
em seu jeito de amar gratuito deve ser a meta de todo cristão. O Sermão da
Montanha que abre o capítulo 5 do Evangelho de Mateus culmina neste versículo
48. O programa do cristão que Jesus apresenta ao longo desse capítulo tem uma
meta precisa: seus seguidores devem ser perfeitos como o Pai.
Ser
perfeitos como o Pai corresponde ao “sede misericordiosos como vosso Pai é
misericordioso” (Lc 6,36). Os judeus seguiam piamente o pedido de Deus presente
no livro do Levítico: “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo”.
Acreditavam eles que a observância estrita da lei conferia-lhes a santidade
querida por Deus. Por focarem na lei, imaginavam que qualquer deslize se
tornava suficiente para atrair a cólera divina. Esqueciam que o Pai Santo é
misericordiador! A maioria deles praticava a Lei, mas não a misericórdia!
Jesus nos
alerta sobre a santidade: ao ser misericordiadores, seremos perfeitos como o
Pai! Não há outra via! Os misericordiadores praticam a Palavra normativa do
Pai. Os “perfeitos como o Pai”, ou seja, os misericordiadores são
bem-aventurados. Os verdadeiros discípulos de Jesus Cristo!
- I leitura: Lv 19,1-2.17-18
“Sede
santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (v. 2). A palavra-chave do
livro do Levítico (o terceiro livro de Moisés) é a santidade. Porque Deus é
santo, Israel deve ser santo também.
A
santidade de Deus era vista em sua transcendência. Deus, aos olhos de Israel,
apresentava-se como o separado por excelência: o Absoluto! Assim, a santidade
que o povo deveria praticar consistia na pureza do culto e na ordem moral.
Diante da
perfeição de Deus, Israel procura prestar-lhe culto de modo mais perfeito
possível e servi-lo com a máxima pureza moral, amando o seu próximo. O Levítico
ensina, portanto, a amar a Deus sobre todas as coisas. Essa prática consiste no
verdadeiro culto que se pode prestar a ele. Ensina também que devemos
expressar, na vida moral, o amor ao próximo como a nós mesmos.
- II leitura: 1Cor 3,16-23
“Sois
templo de Deus e o Espírito de Deus habita em vós” (v. 16). Essa afirmação de
Paulo refere-se à comunidade de Corinto, e não ao indivíduo. Como templo de
Deus, a Igreja de Corinto apresenta-se como espaço vivo no qual Deus se faz
presente. O Espírito de Deus habita em cada membro da comunidade. Estes,
movidos pelo Espírito que faz com que chamemos Deus de Pai, não pertencem mais
a si mesmos, mas a Deus.
“Se
alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá, pois o templo de Deus é
santo, e esse templo sois vós” (v. 17). A comunidade dos irmãos é santa.
Destruí-la implica a sua própria destruição. Ora, a comunidade é santa
exatamente porque atualiza o amor. Não há comunidade cristã se não houver o
amor fraterno. Porque vive o amor, a comunidade pertence a Deus. Dela, o Pai
zela com carinho!
A
reflexão do apóstolo Paulo tem um endereço preciso: os líderes da comunidade de
Corinto. Estes se orgulhavam de suas experiências religiosas, como também os
outros membros da comunidade se exaltavam por pertencerem a este ou aquele
líder. Paulo inverte a relação: não são os cristãos de Corinto que pertencem a
este ou aquele, mas são os líderes que pertencem àqueles! Os líderes da
comunidade devem estar a serviço dos fiéis. O Espírito Santo realiza na
comunidade o plano salvífico de Deus. Seus líderes são apenas instrumentos do
projeto do Pai.
“Quem se
julga sábio diante do mundo, faça-se louco, para tornar-se sábio” (v. 18). À
pretensão dos líderes da comunidade de Corinto de serem sábios aos moldes do
mundo, Paulo opõe a sabedoria da cruz. A cruz, considerada loucura para o
mundo, aparece em Paulo como a sabedoria mais elevada. Por ela, o cristão
ilumina-se e, moldando-se a Cristo, vive o que a cruz revela: o amor gratuito
de Deus!
A loucura
da cruz leva o cristão a assumir outra lógica – diferente da do mundo – de
relação com o mundo, com a vida e com Deus. Aquele que vive o que a cruz revela
pertence a Cristo, “e Cristo é de Deus” (v.23). De todas as coisas podemos nos
servir, desde que sirvamos a Cristo!
III. Pistas para reflexão
Meu amor
por meu irmão reflete o único modo de amar do Pai? Minha comunidade é templo
vivo de Deus? Ela se deixa conduzir pelo Espírito do Pai? Meu amor é seletivo
ou ele é inclusivo como o amor do Pai? Se eu não amar como o Pai, eu não o amo acima
de todas as coisas!
Se a
Igreja (Povo de Deus) se fecha, se não se põe em saída como o Pai, se não é
espaço de misericórdia, ela se autodestrói. A comunidade viva (templo vivo de
Deus) só se mantém viva se praticar o amor gratuito.
Pe. IvonilParraz
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/19-de-fevereiro-7o-domingo-do-tempo-comum/
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