"DE 'A' a 'Z' : 26 SUGESTÕES DE COMO ENFRENTAR E COMBATER O FANTASMA DA ABSTINÊNCIA" (Parte I)
Por Lindolivo Soares Moura
"Drogados
sofrem muito. Não pela abstinência, mas sim por que a
sensação de prazer e liberdade
intensa dura apenas en quanto o bagulho não acaba" (Philipi Estevão).
Pense numa ponte!
Agora imagine que essa ponte está construída sobre um imenso abismo. Complicou?
Em seguida olhe para baixo e perceba que cada vão que permite a travessia é de
vidro. Complicou ainda mais? Finalmente complete sua visão pressupondo que essa
ponte é cheia de curvas, algumas delas tão "fechadas" que se torna
impossível visualizar sua extensão. Complicou de vez? Ok. Voltemos, para sua
tranquilidade, ao mundo real. Essa ponte se chama "abstinência".
Passar por ela, e sobretudo conseguir atravessá-la sem ter que jamais fazê-lo,
pode em muitos casos ser mais difícil que conviver com o próprio vício e suas
consequências. Desconhecer ou ignorar esse fato pode aumentar e muito a
probabilidade não apenas de "recaídas" - elas são comuns
independentemente de toda disposição e determinação em evitá-las - como
também de "regresso" ou
"retorno" ao mundo do qual se pretende sair para nunca mais voltar.
Estima-se que
aproximadamente setenta a setenta e cinco por cento dos (ex)dependentes
químicos em regime de abstinência sofram "recaídas", isto é, voltem a
fazer uso das drogas e substâncias das quais se tornaram dependentes. No caso
do "crack" esse número pode chegar, de acordo com as estatísticas, a
quase noventa por cento. E o que é ainda mais lamentável: em muitos desses
casos, não por falta de esforço, vontade e determinação. Saber bem o que é a
abstinência, que sintomas principais ela provoca, como combatê-la da forma mais
eficaz possível, é sem dúvida fundamental não só para prevenir ou diminuir
eventuais "recaídas como também dificultar o retorno à convivência com o
vício.
A seguir sugerimos
certo número de sugestões ou dicas, um tanto gerais, é bem verdade, mas que
esperamos poder contribuir, senão como estratégia de intervenção terapêutica,
ao menos como coadjuvantes de prevenção. De "A" a "Z",
porque são esses os caracteres do nosso alfabeto: uma dentre outras opções.
Feita a ressalva, podemos seguir em frente.
(A) Aprenda a distinguir "quem você é" do que você
"faz ou fez". Essa confusão tem mantido muita gente no fundo do poço,
convicto de que dele não há saída. Associar comportamentos considerados ruins
ou indesejáveis à sua identidade ou personalidade prejudica seriamente sua
autoestima e compromete em muito sua auto-aceitação. Além, claro, de não
contribuir absolutamente em nada para com a mudança. O verbo "ser"
refere-se à nossa identidade, assim como "estar" ou "fazer"
identificam nosso comportamento. "Estar" ou "haver estado"
viciado em algo é essencialmente diferente de "ser" ou "haver
sido" viciado em alguma coisa. Mero jogo de palavras? Talvez! Mas esse
mero jogo de palavras pode fazer uma grande diferença. Em contrário, como seria
possível abominar o ato e continuar respeitando - e mais ainda
"amando" - a pessoa do criminoso ou do pecador? E se isso vale ou ao
menos faz sentido quando estamos falando do trato e da consideração que devemos
ter para com os demais, por que deveria ser diferente para com nós mesmos?
(B) Identifique suas crenças disfuncionais e limitantes:
elas são responsáveis por comprometer e abalar seriamente sua autoestima; e a
autoestima, claro, é a base da qualidade de vida. Não importa qual a origem de
tais crenças e "verdades": família, cultura, educação ou religião.
Todas compartilham uma característica comum: são na sua grande maioria
automáticas e irrefletidas.Traga-as para o consciente e avalie cada uma delas:
se as perceber como disfuncionais e incapazes de ajudá-lo a atingir seus objetivos
- por vezes até mesmo dificultando - não
hesite: substitua-as imediatamente por outras que sejam funcionais e
capacitantes. Quando forem tão arraigadas, a ponto de sua substituição e
rematrização acarretarem desconforto e insegurança, ainda assim será sempre
possível submetê-las a um processo de ressignificação. A Medicina, assim como a
Psiquiatria e a Psicologia, fazem o mesmo em suas respectivas áreas de atuação.
(C) Torne-se o melhor "terapeuta" de si mesmo, mas
aprenda a fazer isso sem pressa nem preocupação; ninguém nasce sabendo, e
pode-se levar um bom tempo para que esse
objetivo seja alcançado. Não só isso: muitos passarão a vida inteira sem se dar
conta de que a busca desse objetivo pode ser determinante para qualquer
processo de mudança ou de recuperação, sobretudo quando se trata de
"recuperar a si mesmo". Ajuda e apoio são bem-vindos, sempre serão.
Mas as ferramentas, recursos e condições de que você necessita para lutar e
vencer seus próprios desafios não podem ser encontrados ou vir "de
fora": estiveram e estarão sempre "dentro" de você. Enquanto não
se aperceber e se conscientizar disso seu tratamento e sua mudança sequer terão
começado.
(D) Seu inconsciente, como uma espécie de
"alterego", poderá ser, com certeza seu maior amigo, e esse é o lado
bom da notícia. O lado ruim é que, paradoxalmente, ele poderá se tornar também
seu pior inimigo. "Paradoxo do espelho", como alguns gostam de
chamá-lo. Aprenda portanto a adestrá-lo e domesticá-lo identificando e
filtrando suas "provocações" e "insinuações". Muitas vezes,
sem que você perceba, ele estará literalmente tentando sabotar suas melhores
intenções. Jamais permita que ele prevaleça sobre seu eu consciente, exceto,
claro, quando tiver suficiente clareza de que ele está do seu lado, e não,
conspirando contra você. Existe algo de "esquizofrênico" no
inconsciente. Fazer com que você por vezes se sinta mal, e ouça coisas que não
deveria, é apenas uma das estratégias dessa espécie de esquizofrenia.
(E) Não queira e muito menos exija que as coisas mudem
rapidamente, da noite para o dia. Provavelmente você levou bastante tempo
convivendo com o vício e a dependência. Seria insensato e incoerente pretender
- e mais ainda exigir - que o controle e a possível erradicação dos mesmos
ocorra como se fosse magia. Mas se é assim que você pensa, melhor recorrer à
ciência divina: reconhecidamente ela está em melhores condições de operar
milagres do que a humana medicina. Ambas não se excluem mutuamente, claro, mas
um princípio importante deve iluminar e orientar tanto uma como a outra: o de
que todo problema, tanto quanto possível, deve ter sua solução buscada de
acordo com a natureza com a qual o problema se reveste. A eficácia da
terapêutica aumenta quando se tem para com esse princípio a devida atenção.
(F) Identifique seus antigos "colegas" de
"curtição". "Colegas", perceba bem, e não
"amigos". Colega é a companhia do trabalho, do jogo, do bar, e claro,
das longas e intermináveis "viagens". Afaste-se deles progressiva ou
abruptamente, não importa qual seja sua opção. O mais importante é saber que
enquanto eles fizerem parte da sua vida serão também a ameaça mais perigosa ao
seu processo de recuperação. Isso não é crueldade: considere como falta de
opção. Morrer para as drogas é semelhante a morrer para a vida: exige passar
pela mais cruel das separações. Em ambos os casos talvez até nos reencontremos
um dia - quem o sabe! Mas também em ambos precisamos passar pelo nosso
"purgatório" pessoal - a "abstinência" é um deles - se
almejamos, tanto esse reencontro, como nossa total e plena libertação.
(G) Hábitos "viciosos" se combatem com hábitos
"virtuosos". Falar de virtude não é uma questão de "dar lições
de moral": se você já e capaz de reconhecer que suas escolhas foram
equivocadas, e que cometeu erros, grandes, ou pequenos mas gravemente, é
preciso aceitar o fato de que precisará empreender esforço para acertar
dobrado, corrigir o que ainda estiver errado, arrancar as ervas daninhas e
distanciar-se do canteiro contaminado. Tudo que cheirar a "virtude"
deve ser seu prato predileto. Muita "caretice" pro seu gosto?
"Melhor ser um careta saudável que
um viciado careta", foram as palavras de um jovem em palestra dirigida a
outros jovens, e que se apresentava como "limpo", para identificar-se
após seu processo de mudança. Ao devido tempo você estará em condições de
perceber que não é preciso ser nem uma coisa nem outra. Mas isso ao seu devido
tempo.
(H) Mantenha sempre a guarda e o foco: a abstinência vai
estar o tempo todo, sem dar trégua, tentando "derrubá-lo", até quando
você estiver dormindo. Ela é agora seu novo "cavalo de Tróia". O
primeiro foi o vicio, que você introduziu na sua vida e levou para dentro de
casa. Agora que você decidiu abandoná-lo, quer queira quer não um outro
"cavalo de Tróia" será sua nova companhia: seu nome é
"abstinência". Até que consiga expulsá-lo também, é melhor tratar de
adestrá-lo e domesticá-lo. Foi exatamente o que as drogas fizeram com você:
seduziram, amansaram e "domesticaram". Você as serviu à maneira de um
serviçal para com seu senhor, mas com uma diferença fundamental: ter se tornado
escravo foi sua recompensa. De forma semelhante você terá que lidar com a
abstinência: permanecendo no "controle" como Senhor, e não como
servo, tratando-a com rigor e com inflexibilidade se necessário for. Caso
contrário estará apenas mudando de patrão.
(I) Redobre a atenção e o foco para entender o mais
importante sobre a abstinência: em virtude do desequilíbrio específico que a
ausência da droga provoca na mente e no corpo, a ansiedade vai fazer de tudo
para que você volte a se drogar não mais pelos motivos de quando você era
usuário, e sim como tentativa de lidar e suportar os novos e diferentes
sintomas que podem chegar a ser angustiantes. Seu corpo e sua mente, assim como
seu sistema nervoso, durante o período de abstinência estarão passando por
um processo agudo de
"descondicionamento" e "dessensibilização". É provável que
a maior parte das "recaídas" ocorra quando essa "reação" da
mente e do corpo alcance o seu limite, seu ponto máximo. A expressão pode ser
dura, mas você estará passando por um "verdadeiro inferno" quando
esse "clímax" acontecer. "Passará por ele", mas se
conseguir suportá-lo sem "cair na tentação" de fazer uso da droga com
o intuito de sair da aflição, não permanecerá nele e terá vencido sua mais
crítica provação.
(J) Nem otimismo em excesso, nem pessimismo exagerado:
segundo Ariano Suassuna, o primeiro é um tolo, o segundo um chato; bom mesmo,
ele assegura, é ser "realista com esperança". Droga-se como
"escapismo", fuga, tentativa por vezes desesperada de fugir da
realidade com suas obrigações e imposições. Empreender um processo de
recuperação é estar disposto a retornar a essa mesma realidade, da qual um dia
se despediu e se deixou para trás. É assumir os ricos, enfrentar os desafios,
encarar os problemas, sem escapismos, devaneios e alucinações. Não sozinhos,
certamente; ninguém é auto- suficiente e forte o bastante para tão grande
empreitada. Na bagagem é preciso altas doses de fé, esperança, confiança e
perseverança. É certo que a vida não é um céu - o excesso de otimismo pode
sugerir isso - mas tampouco é um inferno - como nos querem fazer crer os mais
pessimistas. Uma espécie de purgatório? Talvez seja! Isso torna a vida mais
"vivível", menos sombria e quem sabe mais iluminada? O realismo
esperançoso aposta que sim. Afinal, como nos ensina Carl Simonton, "na
ausência da certeza, nada há de errado com a esperança"
(K) Saiba não só "aceitar" ajuda e apoio quando
estes lhe forem oferecidos, como também "solicitá-los" quando a
intuição lhe sugerir necessidade. Na abstinência requer-se quase sempre, por
motivos óbvios, mais "aceitar" que "oferecer". Agora, se
você é "cascudo" e tem
dificuldade para "dar o braço a torcer", melhor se preparar: vai
sofrer mais e sem necessidade. Mas há um tempo para cada coisa debaixo do sol:
amanhã provavelmente você terá muitas oportunidades e ocasiões para demonstrar
sua gratidão. Isso não impede que você seja, no aqui e no agora, solícito e gentil para com quem solicita seus
préstimos. Mas não esqueça: sempre de acordo com o que estiver ao seu alcance.
(L) Estabeleça metas, por mais simples ou pequenas que de
início elas possam parecer. Oliver Holmes no ensina que na vida, mais
importante do que saber onde estamos é saber onde queremos chegar e para
onde estamos indo. Da mesma forma, mais
importante do que saber quem somos ou fomos, é saber quem podemos e queremos
ser. Todos aqueles que chegaram onde desejaram, sabemos disso, partiram
exatamente de onde se encontravam. Objetivos e metas não são para engessar a
liberdade ou produzir obsessão. São recursos úteis que nos ajudam a manter o
foco e a concentração, bem como nos proteger do bendito mal da procrastinação.
(M) Você pode estar literalmente "reconstruindo"
sua vida; faça-o desta vez sobre a rocha, e não novamente sobre a areia
movediça que não suporta pressão. Experiência do que seja capaz de fazer uma
vida desabar você já tem. Não desperdice sua grande oportunidade ou permita que
por fraqueza ou negligência ela se lhe escape das mãos. A árvore que não cria
raízes é arrancada facilmente com ventos que sequer chegam a se transformar em
tempestades. De grandes erros podem ser extraídas grandes lições. Não
repeti-los é com certeza a primeira e maior delas, mas para isso é preciso
muito esforço, persistência e determinação.
Esta primeira parte
se complementa e se conclui com a segunda, de mesmo título e a ser
oportunamente compartilhada.
(*)Possui graduação em teologia pelo Instituto teológico
pio XI (1983), graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito
Santo (1997), graduação em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Filosofia,
ciências e letras (1986) e mestrado em Filosofia pela Pontificia Universidade
Gregoriana ,Roma - Itália(1988) . Foi por 11 anos consecutivos professor de
filosofia jurídica e psicologia Jurídica do Centro Universitário de Vila Velha,
ES.Durante esses 11 anos foi Coordenador Pedagógico por 05 anos e de Ensino por
1 ano e meio do mesmo Curso de Direito. Atualmente é terapeuta de grupo,
individual, vocacional, Consultório Clínico Psicológico particular. Formou-se
recentemente em Psicodrama (02 anos) pelo Instituto Pegasus de Vitória, ES.
Atualmente, cursa a pós graduação TCC - Terapia Cognitivo Comportamental.
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