sábado, 17 de setembro de 2022

"DE 'A' a 'Z' : 26 SUGESTÕES DE COMO ENFRENTAR E COMBATER O FANTASMA DA ABSTINÊNCIA" (Parte I)

 "DE  'A'  a 'Z' :  26  SUGESTÕES DE COMO ENFRENTAR E COMBATER O FANTASMA  DA  ABSTINÊNCIA" (Parte I)

 Por Lindolivo Soares Moura

 

 "Drogados  sofrem muito. Não pela abstinência, mas sim por que  a  sensação  de prazer e liberdade intensa dura apenas en quanto o bagulho não acaba" (Philipi Estevão).

 

Pense numa ponte! Agora imagine que essa ponte está construída sobre um imenso abismo. Complicou? Em seguida olhe para baixo e perceba que cada vão que permite a travessia é de vidro. Complicou ainda mais? Finalmente complete sua visão pressupondo que essa ponte é cheia de curvas, algumas delas tão "fechadas" que se torna impossível visualizar sua extensão. Complicou de vez? Ok. Voltemos, para sua tranquilidade, ao mundo real. Essa ponte se chama "abstinência". Passar por ela, e sobretudo conseguir atravessá-la sem ter que jamais fazê-lo, pode em muitos casos ser mais difícil que conviver com o próprio vício e suas consequências. Desconhecer ou ignorar esse fato pode aumentar e muito a probabilidade não apenas de "recaídas" - elas são comuns independentemente de toda disposição e determinação em evitá-las - como também  de "regresso" ou "retorno" ao mundo do qual se pretende sair para nunca mais voltar.

Estima-se que aproximadamente setenta a setenta e cinco por cento dos (ex)dependentes químicos em regime de abstinência sofram "recaídas", isto é, voltem a fazer uso das drogas e substâncias das quais se tornaram dependentes. No caso do "crack" esse número pode chegar, de acordo com as estatísticas, a quase noventa por cento. E o que é ainda mais lamentável: em muitos desses casos, não por falta de esforço, vontade e determinação. Saber bem o que é a abstinência, que sintomas principais ela provoca, como combatê-la da forma mais eficaz possível, é sem dúvida fundamental não só para prevenir ou diminuir eventuais "recaídas como também dificultar o retorno à convivência com o vício.

A seguir sugerimos certo número de sugestões ou dicas, um tanto gerais, é bem verdade, mas que esperamos poder contribuir, senão como estratégia de intervenção terapêutica, ao menos como coadjuvantes de prevenção. De "A" a "Z", porque são esses os caracteres do nosso alfabeto: uma dentre outras opções. Feita a ressalva, podemos seguir em frente.

 

(A) Aprenda a distinguir "quem você é" do que você "faz ou fez". Essa confusão tem mantido muita gente no fundo do poço, convicto de que dele não há saída. Associar comportamentos considerados ruins ou indesejáveis à sua identidade ou personalidade prejudica seriamente sua autoestima e compromete em muito sua auto-aceitação. Além, claro, de não contribuir absolutamente em nada para com a mudança. O verbo "ser" refere-se à nossa identidade, assim como "estar" ou "fazer" identificam nosso comportamento. "Estar" ou "haver estado" viciado em algo é essencialmente diferente de "ser" ou "haver sido" viciado em alguma coisa. Mero jogo de palavras? Talvez! Mas esse mero jogo de palavras pode fazer uma grande diferença. Em contrário, como seria possível abominar o ato e continuar respeitando - e mais ainda "amando" - a pessoa do criminoso ou do pecador? E se isso vale ou ao menos faz sentido quando estamos falando do trato e da consideração que devemos ter para com os demais, por que deveria ser diferente para com nós mesmos?

(B) Identifique suas crenças disfuncionais e limitantes: elas são responsáveis por comprometer e abalar seriamente sua autoestima; e a autoestima, claro, é a base da qualidade de vida. Não importa qual a origem de tais crenças e "verdades": família, cultura, educação ou religião. Todas compartilham uma característica comum: são na sua grande maioria automáticas e irrefletidas.Traga-as para o consciente e avalie cada uma delas: se as perceber como disfuncionais e incapazes de ajudá-lo a atingir seus objetivos -  por vezes até mesmo dificultando - não hesite: substitua-as imediatamente por outras que sejam funcionais e capacitantes. Quando forem tão arraigadas, a ponto de sua substituição e rematrização acarretarem desconforto e insegurança, ainda assim será sempre possível submetê-las a um processo de ressignificação. A Medicina, assim como a Psiquiatria e a Psicologia, fazem o mesmo em suas respectivas áreas de atuação.

(C) Torne-se o melhor "terapeuta" de si mesmo, mas aprenda a fazer isso sem pressa nem preocupação; ninguém nasce sabendo, e pode-se levar um bom tempo para  que esse objetivo seja alcançado. Não só isso: muitos passarão a vida inteira sem se dar conta de que a busca desse objetivo pode ser determinante para qualquer processo de mudança ou de recuperação, sobretudo quando se trata de "recuperar a si mesmo". Ajuda e apoio são bem-vindos, sempre serão. Mas as ferramentas, recursos e condições de que você necessita para lutar e vencer seus próprios desafios não podem ser encontrados ou vir "de fora": estiveram e estarão sempre "dentro" de você. Enquanto não se aperceber e se conscientizar disso seu tratamento e sua mudança sequer terão começado.

(D) Seu inconsciente, como uma espécie de "alterego", poderá ser, com certeza seu maior amigo, e esse é o lado bom da notícia. O lado ruim é que, paradoxalmente, ele poderá se tornar também seu pior inimigo. "Paradoxo do espelho", como alguns gostam de chamá-lo. Aprenda portanto a adestrá-lo e domesticá-lo identificando e filtrando suas "provocações" e "insinuações". Muitas vezes, sem que você perceba, ele estará literalmente tentando sabotar suas melhores intenções. Jamais permita que ele prevaleça sobre seu eu consciente, exceto, claro, quando tiver suficiente clareza de que ele está do seu lado, e não, conspirando contra você. Existe algo de "esquizofrênico" no inconsciente. Fazer com que você por vezes se sinta mal, e ouça coisas que não deveria, é apenas uma das estratégias dessa espécie de esquizofrenia.

(E) Não queira e muito menos exija que as coisas mudem rapidamente, da noite para o dia. Provavelmente você levou bastante tempo convivendo com o vício e a dependência. Seria insensato e incoerente pretender - e mais ainda exigir - que o controle e a possível erradicação dos mesmos ocorra como se fosse magia. Mas se é assim que você pensa, melhor recorrer à ciência divina: reconhecidamente ela está em melhores condições de operar milagres do que a humana medicina. Ambas não se excluem mutuamente, claro, mas um princípio importante deve iluminar e orientar tanto uma como a outra: o de que todo problema, tanto quanto possível, deve ter sua solução buscada de acordo com a natureza com a qual o problema se reveste. A eficácia da terapêutica aumenta quando se tem para com esse princípio a devida atenção.

(F) Identifique seus antigos "colegas" de "curtição". "Colegas", perceba bem, e não "amigos". Colega é a companhia do trabalho, do jogo, do bar, e claro, das longas e intermináveis "viagens". Afaste-se deles progressiva ou abruptamente, não importa qual seja sua opção. O mais importante é saber que enquanto eles fizerem parte da sua vida serão também a ameaça mais perigosa ao seu processo de recuperação. Isso não é crueldade: considere como falta de opção. Morrer para as drogas é semelhante a morrer para a vida: exige passar pela mais cruel das separações. Em ambos os casos talvez até nos reencontremos um dia - quem o sabe! Mas também em ambos precisamos passar pelo nosso "purgatório" pessoal - a "abstinência" é um deles - se almejamos, tanto esse reencontro, como nossa total e plena libertação.

(G) Hábitos "viciosos" se combatem com hábitos "virtuosos". Falar de virtude não é uma questão de "dar lições de moral": se você já e capaz de reconhecer que suas escolhas foram equivocadas, e que cometeu erros, grandes, ou pequenos mas gravemente, é preciso aceitar o fato de que precisará empreender esforço para acertar dobrado, corrigir o que ainda estiver errado, arrancar as ervas daninhas e distanciar-se do canteiro contaminado. Tudo que cheirar a "virtude" deve ser seu prato predileto. Muita "caretice" pro seu gosto? "Melhor ser um careta  saudável que um viciado careta", foram as palavras de um jovem em palestra dirigida a outros jovens, e que se apresentava como "limpo", para identificar-se após seu processo de mudança. Ao devido tempo você estará em condições de perceber que não é preciso ser nem uma coisa nem outra. Mas isso ao seu devido tempo.

(H) Mantenha sempre a guarda e o foco: a abstinência vai estar o tempo todo, sem dar trégua, tentando "derrubá-lo", até quando você estiver dormindo. Ela é agora seu novo "cavalo de Tróia". O primeiro foi o vicio, que você introduziu na sua vida e levou para dentro de casa. Agora que você decidiu abandoná-lo, quer queira quer não um outro "cavalo de Tróia" será sua nova companhia: seu nome é "abstinência". Até que consiga expulsá-lo também, é melhor tratar de adestrá-lo e domesticá-lo. Foi exatamente o que as drogas fizeram com você: seduziram, amansaram e "domesticaram". Você as serviu à maneira de um serviçal para com seu senhor, mas com uma diferença fundamental: ter se tornado escravo foi sua recompensa. De forma semelhante você terá que lidar com a abstinência: permanecendo no "controle" como Senhor, e não como servo, tratando-a com rigor e com inflexibilidade se necessário for. Caso contrário estará apenas mudando de patrão.

(I) Redobre a atenção e o foco para entender o mais importante sobre a abstinência: em virtude do desequilíbrio específico que a ausência da droga provoca na mente e no corpo, a ansiedade vai fazer de tudo para que você volte a se drogar não mais pelos motivos de quando você era usuário, e sim como tentativa de lidar e suportar os novos e diferentes sintomas que podem chegar a ser angustiantes. Seu corpo e sua mente, assim como seu sistema nervoso, durante o período de abstinência estarão passando por um  processo agudo de "descondicionamento" e "dessensibilização". É provável que a maior parte das "recaídas" ocorra quando essa "reação" da mente e do corpo alcance o seu limite, seu ponto máximo. A expressão pode ser dura, mas você estará passando por um "verdadeiro inferno" quando esse "clímax" acontecer. "Passará por ele", mas se conseguir suportá-lo sem "cair na tentação" de fazer uso da droga com o intuito de sair da aflição, não permanecerá nele e terá vencido sua mais crítica provação.

(J) Nem otimismo em excesso, nem pessimismo exagerado: segundo Ariano Suassuna, o primeiro é um tolo, o segundo um chato; bom mesmo, ele assegura, é ser "realista com esperança". Droga-se como "escapismo", fuga, tentativa por vezes desesperada de fugir da realidade com suas obrigações e imposições. Empreender um processo de recuperação é estar disposto a retornar a essa mesma realidade, da qual um dia se despediu e se deixou para trás. É assumir os ricos, enfrentar os desafios, encarar os problemas, sem escapismos, devaneios e alucinações. Não sozinhos, certamente; ninguém é auto- suficiente e forte o bastante para tão grande empreitada. Na bagagem é preciso altas doses de fé, esperança, confiança e perseverança. É certo que a vida não é um céu - o excesso de otimismo pode sugerir isso - mas tampouco é um inferno - como nos querem fazer crer os mais pessimistas. Uma espécie de purgatório? Talvez seja! Isso torna a vida mais "vivível", menos sombria e quem sabe mais iluminada? O realismo esperançoso aposta que sim. Afinal, como nos ensina Carl Simonton, "na ausência da certeza, nada há de errado com a esperança"

(K) Saiba não só "aceitar" ajuda e apoio quando estes lhe forem oferecidos, como também "solicitá-los" quando a intuição lhe sugerir necessidade. Na abstinência requer-se quase sempre, por motivos óbvios, mais "aceitar" que "oferecer". Agora, se você  é "cascudo" e tem dificuldade para "dar o braço a torcer", melhor se preparar: vai sofrer mais e sem necessidade. Mas há um tempo para cada coisa debaixo do sol: amanhã provavelmente você terá muitas oportunidades e ocasiões para demonstrar sua gratidão. Isso não impede que você seja, no aqui e no agora,  solícito e gentil para com quem solicita seus préstimos. Mas não esqueça: sempre de acordo com o que estiver ao seu alcance.

(L) Estabeleça metas, por mais simples ou pequenas que de início elas possam parecer. Oliver Holmes no ensina que na vida, mais importante do que saber onde estamos é saber onde queremos chegar e para onde  estamos indo. Da mesma forma, mais importante do que saber quem somos ou fomos, é saber quem podemos e queremos ser. Todos aqueles que chegaram onde desejaram, sabemos disso, partiram exatamente de onde se encontravam. Objetivos e metas não são para engessar a liberdade ou produzir obsessão. São recursos úteis que nos ajudam a manter o foco e a concentração, bem como nos proteger do bendito mal da procrastinação.

(M) Você pode estar literalmente "reconstruindo" sua vida; faça-o desta vez sobre a rocha, e não novamente sobre a areia movediça que não suporta pressão. Experiência do que seja capaz de fazer uma vida desabar você já tem. Não desperdice sua grande oportunidade ou permita que por fraqueza ou negligência ela se lhe escape das mãos. A árvore que não cria raízes é arrancada facilmente com ventos que sequer chegam a se transformar em tempestades. De grandes erros podem ser extraídas grandes lições. Não repeti-los é com certeza a primeira e maior delas, mas para isso é preciso muito esforço, persistência e determinação.

 

Esta primeira parte se complementa e se conclui com a segunda, de mesmo título e a ser oportunamente compartilhada.

 

(*)Possui graduação em teologia pelo Instituto teológico pio XI (1983), graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (1997), graduação em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Filosofia, ciências e letras (1986) e mestrado em Filosofia pela Pontificia Universidade Gregoriana ,Roma - Itália(1988) . Foi por 11 anos consecutivos professor de filosofia jurídica e psicologia Jurídica do Centro Universitário de Vila Velha, ES.Durante esses 11 anos foi Coordenador Pedagógico por 05 anos e de Ensino por 1 ano e meio do mesmo Curso de Direito. Atualmente é terapeuta de grupo, individual, vocacional, Consultório Clínico Psicológico particular. Formou-se recentemente em Psicodrama (02 anos) pelo Instituto Pegasus de Vitória, ES. Atualmente, cursa a pós graduação TCC - Terapia Cognitivo Comportamental.




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