"MORO, NUM PAÍS TROPICAL: ABENÇOADO POR DEUS OU NEMTANTO?"
Por
Lindolivo Soares Moura(*)
"Disse um dos nossos estadistas: a
maldição deste país são as
pessoas eloquentes (Ralpf W. Emerson).
Eis que chega
Setembro: com ele, não apenas a primavera, estação das flores, do belo e da
beleza; em nosso país chega também o "7": o sete de Setembro. O ano
era 1822. Foi às margens de um pequeno riacho, hoje totalmente poluído e
engolido por uma metrópole de aproximadamente doze milhões de pessoas, que a
história assegura ter o fato se passado. Montado em uma mula - e não sobre um
majestoso "manga larga", como retrata o famoso quadro com a histórica
pintura "Independência ou Morte", de Pedro Américo, conhecida também
como "Grito do Ipiranga", coube ao então Príncipe Regente Dom Pedro I
a proclamação das célebres palavras: "Independência ou Morte'!".
Estava dado o recado. O ato, porém, não estava de todo consumado. A colônia
continuaria ainda como colônia até 15 de Novembro de 1889, quando o então
Marechal Deodoro da Fonseca proferiu um "ultimatum" exigindo que a
família real abandonasse o país. Dali em diante, para o bem ou para o mal,
seria por nossa conta. Afinal, como diz o ditado popular, "quem senta na
ponta - no presente caso, quem 'toma' a ponta - paga a conta".
E cá estamos nós:
exatamente dois séculos depois daquele fatídico - sem retórica; quando muito, figura de
linguagem - e memorável grito às margens
do riachuelo do Ipiranga (não confundir com a igualmente famosa Batalha do
Riachuelo em 1865). "Por que fatídico?", talvez você tenha
perguntado. Ora, se não como causa, ao menos como marco, quem poderá dizer que
aquele famoso grito não terá sido o prenúncio dos tantos desarranjos e infortúnios
que, juntamente com as bênçãos, nos acompanhariam durante esses duzentos anos?
Afinal, que vivemos em um "país tropical, abençoado por Deus e bonito por
natureza" - mas que beleza! - não há como negar; mas que não só essas
belezas da natureza, como também as da humana natureza, estejam se
transformando em miséria, sofrimento e pobreza, não há como deixar de admitir. O
coração de Dom Pedro, que ora se encontra no meio de nós, certamente estará
respondendo com espanto e estupefação a tanto do que tem visto e ouvido.Talvez
sequer tenha sido boa idéia convidá-lo para voltar "à sua pátria amada,
idolatrada e mãe gentil", justo em tempos de pré-eleição e outras
comemorações. O clima nesses momentos costuma ficar quente; quente, polarizado,
e por vezes excessivamente pesado.
Se isso não bastasse,
ainda tem a pandemia: o que de fome, desemprego e miséria, a ela tem sido
atribuído, é realmente de causar espanto; mais que isso, uma verdadeira
injustiça. Se vivo fosse, Beccaria certamente estaria se envolvendo com a
segunda parte de seus "delitos e penas", espantado com a
desproporcionalidade das imputações e penas aplicadas à pandemia. Se formos
falar das imputações de "culpa com dolo" atribuídas à guerra
"Rússia X Ulcrânia", então, pouca coisa restaria para se atribuir a
Deus, como sempre o maior dos culpados. Sim, porque isento de culpa é que Ele
não pode ficar. Onde já se viu um Deus inocente, sem responsabilidade no
cartório, "ficha limpa", e sem nada do que se justificar! Ainda mais
quando se sabe que "Deus é brasileiro": seria o cúmulo da omissão e
da falta de atenção.
Tempos de eleições e
tempos de comemorações são tempos mágicos! Pobre de nós, simples mortais, se
não fossem eles! São tempos
verdadeiramente "midiáticos". Sim, "midiáticos"
também, sem dúvida; mas a intenção foi me referir a Midas, o rei que tudo em
ouro transformava. Em tempos de comemorações e eleições a eloquência e a
retórica ostentam beleza, a miséria se transforma em riqueza, os números
sustentam proezas, e a democracia só não é completa por uma única razão: a
mentira, claro, é impedida de participar e entrar em ação. Essa é a mais pura
verdade. Talvez seja esse o principal motivo pelo qual o período das eleições
tenha sido "sequestrado" para os meses finais do ano: impedir que ele
abarcasse o mês de Abril, e com ele o dia primeiro, dia do direito adquirido à
mentira, às lorotas e enganações. Eleições e datas comemorativas recheadas com
mentiras seriam com certeza uma farsa, uma grande "fake news". E se
as urnas pudessem mentir, então, como acusam alguns, seria o fim da picada e o
início da derrocada: lá se ia nossa debutante e pujante democracia. Ninguém
mais acreditaria em nada: nem em "supremos", nem em pequenos, nem
tampouco em medianos. A vaca certamente iria para o brejo!
Desculpem! Foi sem
querer! O "brejo" foi coisa do inconsciente! Sei que já estamos todos
um tanto paranóicos com tanta lama, lodo, barro, argila, limo e lamaçal. Reconheço
que falar de brejo pode fazer vir à tona
todo esse emaranhado de "poluentes" que graças a Deus,
felizmente - "Deus seja
louvado!" - não existe mais. Faz parte de um passado já distante, que se
foi, virou conteúdo dos anais. O "horário político", que de tão
grande relevância deveria nos acompanhar o ano inteiro e não somente em tempos
de eleições, está aí para me corrigir. Corrigir e atualizar: corrupção, brejo,
mar de lama, tudo isso "já era", absolutamente não existe mais! Até
canção de ocasião já fizeram para homenagear o fato: "meu Deus do céu, o
que fizeram com a gente....eu tenho que chorar, eu tenho que desabafar...Ai,
doeu, doeu, doeu, doeu..." , coisas de sorriso maroto de Jorge e Mateus. O
nome da canção, caso tenha por hábito
pesquisar, é esse mesmo: "Aí já era".
Tempos de
comemorações e tempos de eleições são tempos de partir o coração. Discursos
doces, melosos e melados, de falas "embriagadas" e paixões
inebriantes. Tanta retórica, eloquência e contundência, cujo intento é seduzir,
engambelar, e se possível, de quebra, sorrateiramente fraudar a razão. Haverá
talvez outro tempo em que o nome de Deus seja tão usado em vão? Deus e o seu
oposto, diga-se de passagem; tanto faz! O importante, claro, é persuadir pela
ilusão. Símbolos viram "fetiche", imagens idolatria, conchavos
hipocrisia, dinheiro feitiçaria, e qualquer coisa um amuleto: o cenário parece
perfeito! Se a história de vida não convence, para isso se dá um jeito:
compra-se o pai, a mãe, o filho, o afilhado e o padrinho, o faminto e seu
vizinho, e segue a procissão. São tantas promessas, padres-nossos e ave-marias,
que ao final de tudo até o santo desconfia. Ateu vira convertido, malvado
samaritano, piedoso qualquer ciclano, e até os turistas de igreja - aqueles que
só as visita em viagens de turismo e Missa de Sétimo Dia - se transformam em
verdadeiros adoradores e "papa-hóstias" de ocasião. E cuidado aí com
o Andor. Em tempos como estes - glória a Deus! - "somos todos
irmãos!".
Em tempos de
comemorações e de eleições o repicar dos sinos costuma fazer eco simultâneo ao
rufar dos tambores. Se isso é pura coincidência ou não, não se sabe bem; fica a
critério de cada um decidir. Historicamente não foi. E isso, claro, tem deixado
uma e outro, a religião e o Estado, um tanto sob suspeita. Num tempo em que o
segundo se declara "laico" - não estamos falando de "ato de
fé", e sim de "ato Constitucional" - e a primeira se professa
"a-partidária" - "se você tomou partido pela justiça, não
esqueça que a justiça está acima do seu partido" - o mínimo que de tais
compromissos se pode esperar é que nenhuma das partes "faça uso do nome de
Deus em vão". A lei jurídica, e com ela seus representantes e promotores,
devem estar sempre atentos em defender e, claro, praticar o estabelecido; a lei
que chamamos "divina", em sua versão "religiões e igrejas
organizadas", assim como seus legítimos "ministros" e
representantes, têm evidentemente o dever - divino e humano - de fazer o mesmo.
O bom senso e a razão assim esperam e gentilmente agradecem.
(*)Possui graduação em teologia
pelo Instituto teológico pio XI (1983), graduação em Psicologia pela
Universidade Federal do Espírito Santo (1997), graduação em Filosofia pela
Faculdade Salesiana de Filosofia, ciências e letras (1986) e mestrado em
Filosofia pela Pontificia Universidade Gregoriana ,Roma - Itália(1988) . Foi
por 11 anos consecutivos professor de filosofia jurídica e psicologia Jurídica
do Centro Universitário de Vila Velha, ES.Durante esses 11 anos foi Coordenador
Pedagógico por 05 anos e de Ensino por 1 ano e meio do mesmo Curso de Direito.
Atualmente é terapeuta de grupo, individual, vocacional, Consultório Clínico
Psicológico particular. Formou-se recentemente em Psicodrama (02 anos) pelo
Instituto Pegasus de Vitória, ES. Atualmente, cursa a pós graduação TCC -
Terapia Cognitivo Comportamental.
https://www.escavador.com/sobre/3708588/lindolivo-soares-moura
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