Evangelho (LC 11, 1-13): O PAI NOSSO – CONSTÂNCIA NA ORAÇÃO
INTRODUÇÃO: Duas partes
temos no evangelho de hoje: Um modelo de oração que hoje é nossa prece
universal; e em segundo lugar, um ensinamento sobre como deve ser a constância
e a confiança na mesma. Na primeira parte, encontramos o que temos chamado com
o nome geral de Pai Nosso. A fórmula que recebe o nome de Pai Nosso sai três
vezes nos escritos primitivos antes do final do século I: Mateus 6, 9-12; Lc
11, 2-3 e Dídaque 8, 2. A formulação mais antiga é a de Lucas. Mateus e a
Dídaque são praticamente iguais, acrescentando esta última a doxologia final e
o preceito de recitar a oração três vezes ao dia.
ENSINA-NOS A ORAR: Então sucedeu que ao estar Ele em
certo lugar orando, como terminasse, lhe disse um dos seus discípulos: Senhor,
ensina-nos a rezar como também João ensinou seus discípulos (1). Et factum
est cum esset in loco quodam orans ut cessavit dixit unus ex discipulis eius ad
eum Domine doce nos orare sicut et Iohannes docuit discipulos suos. ORAÇÃO DE JESUS:Lucas
circunscreve o momento da apresentação do Pai Nosso a uma circunstância que
podemos chamar de fórmula literária: Porque sucedeu que estando ele [Jesus] em
oração num certo lugar, quando acabou, um de seus discípulos perguntou-lhe:
Ensina-nos a orar como João ensinou os seus discípulos. Evidentemente que o
exemplo de Jesus era fundamental para que a petição fosse formulada. Mas o dito
discípulo também apela para o exemplo de João, que nas orações se afastava
da Keriat Shemá [leitura
da Shemá], a reza diária dos israelitas adultos, duas vezes por dia. Vejamos,
pois, quais eram os modos e fórmulas de oração em uso entre os judeus da época
para compará-los com os que Jesus escolheu como fórmula própria de seus
discípulos.
O PAI NOSSO (1ª
PARTE)
O PAI E O
REINO: Disse-lhes,
pois: Pai, o dos céus! Santificado seja o teu nome, venha o teu Reino
(2). Et ait illis cum oratis dicite Pater sanctificetur nomen tuum
adveniat regnum tuum.Voltemos à oração que Jesus ensinou. Lucas une num
conjunto, que forma uma série à parte, três passagens dedicadas à oração: a
fórmula do Pai Nosso, a parábola do amigo impertinente e algumas máximas sobre
a eficácia da oração. Na antiguidade cristã temos três diferentes fórmulas
sobre o Pai Nosso: Esta de Lucas, considerada a mais antiga pela brevidade; a
de Mateus 6, 9-13 com três explicações de tipo catequético, e a da Dídaque que
é igual a de Mateus mas com uma doxologia no final. PAI: Como início
da oração temos um vocativo: Pai. A Ele nos dirigimos como filhos. É uma
invocação que não só atrai a atenção divina como próxima de nossas vidas, mas
também nos coloca em disposição de aceitar suas ordens e cumprir sua vontade.
Esperamos seu carinho e sua bondade e oferecemos nossa debilidade e nossa
confiança. Mateus acrescenta: Nosso,
o dos céus (9, 6). Na concepção tripartida do mundo, os céus eram do domínio
absoluto de Deus, onde nada nem ninguém impedia a realização de seus planos. No
AT também Javé era considerado como Pai, pois se fala de que o povo de Israel
era filho de Deus e até seu primogênito (Êx 4, 22), como também o rei (2 Sm 7,
14). É pai como criador (Dt 32, 6), como ofendido pelo pecado de Israel (Jr 3,
4), como fonte de misericórdia e perdão (Sl 103, 13). Mas o emprego deste
apelativo na oração individual é raro, por não dizer fora do comum. O início
das orações judaicas era o de reconhecimento da Majestade e Transcendência de
Deus. Os títulos de Rei, Senhor, são os mais usados. Um exemplo é o de
Ester: Ó meu Senhor,
nosso Rei, tu és Único (4,17) Na oração do Kadish [oração
falsamente atribuída aos velórios], lemos: Seja louvado e santificado o nome do Senhor, no mundo
criado por Ele segundo sua vontade. Faça reinar seu reino na vossa vida e na
vida de toda a estirpe de Israel agora e sempre Amém. Na
oração Shemoné esré [das
dezoito bênçãos], recitamos: Bendito
sejas, Eterno [Jahweh], Deus nosso e de nossos pais , Deus grande, esforçado e
terrível, Deus altíssimo. Bendito sejas, Eterno, Rei que ajuda, liberta e
defende, defensor de Abraão. Como vemos pelos exemplos, os
atributos que se invocam de Deus são o seu poder e senhorio e as suas ligações
com o povo de sua escolha como defensor do mesmo contra seus inimigos. Nestas
orações encontramos muito de retórica, exclusivismos e desejos de vingança
contra inimigos, longe da simplicidade do Pai a quem nos dirigimos todos como
filhos sem distinção. Como nota curiosa podemos trazer as citações em que o Pai
Nosso era considerado por Tertulianobreviarium
Totius Evangelii [resumo de todo o evangelho] e por S.
Cipriano coelestis
doctrinae compendium [compêndio da doutrina celeste]. Por
isso, na Igreja antiga, era transmitido solenemente ao batizando antes do
batismo, submetido à disciplina do arcano [das verdades que não podiam ser
reveladas aos não-cristãos]. Revelar que Deus era Pai dos novos batizados, os
gerados de novo no Batismo, o Abbá, do qual é a tradução literal grega Pater, era, segundo Paulo,
a base do sentimento cristão. O termo ABBÁ [no original], recebido pelo espírito de adoção pelo
qual clamamos: O Pai (Rm 8, 15). Da mesma forma, com as mesmas
palavras temos Gl 4,15 em que o ABBÁ é traduzido por O PAI. O que significa
ABBÁ? Contrariando J. Jeremias, que diz significava papai, os modernos dizem
que o Abbá era utilizado como tratamento dado por pequenos e adolescentes ao
seu pai e também como tratamento a pessoas maiores (Mt 23, 9). No nosso caso, é
uma nova relação íntima com o ser, que os judeus não ousavam de chamar pelo seu
nome e até nem o escreviam, e que na língua vernácula representam pela grafia
H’ de Yahveh [Hevha’][ler de esquerda
direita], ou HÁ SHEM [o nome]. SANTIFICADO
SEJA TEU NOME: Tanto Mateus como Lucas têm a mesma
súplica. É uma exclamação ou uma prece? Judeus e árabes, imediatamente após o
nome de Deus, exclamam: Seja
ele bendito. Será também um louvor do orante e não, como temos
aprendido, uma súplica para que Deus mostre sua presença transcendente? De fato
o Kadish [traduzido
por santificação] inicia-se com Seja
seu nome exaltado e santificado. Evidentemente é um desejo este do
Kadish ou uma exclamação como quando os árabes após o nome de Alá exclamam,Bendito seja para sempre! De
modo que esta que comentamos é uma exclamação e não uma petição de que Deus
mostre a transcendência de seu nome, que, por outra parte, não é mais Jahweh
[ou Hashem traduzido por Eterno] mas Pai? A tradição vê, nesta que temos
chamado de invocação exclamatória, uma petição que, por estar na passiva,
parece ser súplica de que Deus atue de forma a demonstrar sua grandeza e
realeza, como Daniel pede que sejam vistos seu poder e sabedoria de eternidade
em eternidade (2, 20). No Kadish, recitado ao fim da homilia na sinagoga, junto
com O Nome justapunha-se a petição de que fosse exaltado, engrandecido e
santificado, e que fizesse dominar sua realeza em nossas vidas e em nossos
dias. Sem dúvida, que temos duas ações simultâneas: a divina, como absoluto
domínio e a humana, como submetimento à vontade dos planos de Deus. Por isso na
Shemoné lemos: Tu és
santo [o agathos grego] e santo é teu nome e os santos te louvarão sempre e cada
dia. Bendito sejas, Eterno, Deus santo! E na oração do Kadish
temos esta bênção: Seja
bendito e santificado o nome do Senhor no mundo, por Ele criado segundo sua
vontade. (…) Seja bendito, louvado, honrado, engrandecido e glorificado o nome
do Santo. Seja ele bendito sobre toda bênção e todo canto, sobre todo louvor e
toda consolação que se pronunciam neste mundo. Amém. O REINO: Tanto
no Kadishcomo
na Shemoné Esré temos
alusões claras ao reino. Vamos citá-las. Kadish: No mundo que Ele criou segundo a sua vontade, seja
estabelecido seu reino na vossa vida e nos vossos dias e na vida de toda a
estirpe de Israel agora e sempre. Amém. E na Shemoné : Bendito sejas Eterno, Rei que ajuda,
liberta e defende, defensor de Abraão (…) Faze que voltemos à Torá e
aproxima-nos a teu serviço, Rei nosso, e faze que voltemos o rosto para a
frente com íntegro arrependimento. Como podemos ver, o reino
era uma aspiração constante nas orações do tempo entre os judeus. O
simples adveniat regnum
tuum [venha o teu reino] de Lucas é explicado por Mateus de
forma breve, mas magistral:
que tua vontade se cumpra na terra do modo que ela é acatada no céu. A
universalidade do Reino é oposta à estrita e reduzida ideologia das orações
judaicas em que o reino está fundado no triunfo político de Israel.
O PAI NOSSO (2ª
PARTE)
O PÃO: O pão nosso, o
necessário, dá-nos cada dia (3). Panem nostrum cotidianum da nobis cotidieO
PÃO: As
petições em Lucas e Mateus sobre o pão coincidem com as mesmas palavras; só que
Lucas usa o verbo em presente [dá contínuo] e Mateus em aoristo [dá aqui e
agora]. A palavra que tem dado a diversas interpretações é epiousios <1967>.
A opinião mais provável é que seu significado é seguinte como
corresponde adjetivamente ao emera [dia] epiousia[seguinte]. Assim
em At 7,26: No dia
seguinte, apareceu Moisés [të te epiouse ëmera öfthe;sequenti vero die latino]].
Também a noite é seguida por epiousia At
23, 11: [Të de epiousë nyhti. Sequénti
autem nocte latino]. A tradução, pois, do texto seria: o pão
nosso o de amanhã, dá-nos a cada dia. Esta tradução é confirmada pela versão
antiga do evangelho dos nazarenos ou dos hebreus que usa a palavra MAHAR
[prontamente] para traduzir: dá-nos [continua
a dar-nos] hoje o pão
do amanhã, ou seja, o pão que nos darás no teu reino. Com o
presente imperativo de Lucas poderíamos traduzir: Continua a dar-nos (como
sempre) o pão, o de
amanhã, que vamos necessitar a cada dia. Uma outra tradução seria dar
a epiousios o
significado denecessário em
que ousia não
significa substância, mas existência e, portanto, epiousios significaria vital. A tradução
seria: dá-nos o pão
necessário a cada dia. Esta é a tradução preferida hoje em
dia. A tradução incorreta de Mateus 6,11 do epiousios, comosupersubstantialis [supersubstancial],
pela Vulgata, dando origem a de que se pedia o pão eucarístico, está hoje
descartada, já que a mesma Vulgata traduz a mesma palavra epiousiosem Lucas
por cotidianus [de
cada dia], como temos visto no versículo que comentamos. É a tradução literal de Green: Give us our needed bread. Como
nota curiosa damos as traduções da versão King James: Give us this day our daily bread (Mt
6, 11) e Give us day by day our daily bread (Lc
11, 3).
O PERDÃO: E remite-nos os
nossos pecados, já que também nós remitimos todo devedor nosso; e não nos leves
dentro (da) tentação, [mas livra-nos do
maligno] (4). Et dimitte nobis peccata nostra siquidem et ipsi dimittimus
omni debenti nobis et ne nos inducas in temptationem. OS PECADOS:Lucas
fala de amartia [pecado]/ofeilontes [os que
estão devendo]; a tradução de amartia por pecado acontece uma única vez das 148
vezes que ela é traduzida como ofensa, enquanto Mateus usa ofeilema [dívida] [chobim] debita latino / ofeiletas [devedores,
como substantivo]. Já Lucas identifica dívidas com pecado quando o devedor é o
homem e o sujeito da dívida, o próprio Deus. O tema do perdão também é típico
do judaísmo da época. Rei
nosso faz que voltemos o rosto para a frente com íntegro arrependimento (Shemoné
). Perdoa ao teu
próximo a injustiça, e então ao rezares ser-te-ão perdoados os teus
pecados (Eclo 28,2). Mas não atinge os inimigos, nem os não
pertencentes a povos diferentes de Israel. Pelo contrário, o perdão é básico na
literatura cristã (Lc 6, 37). Perdão de Deus para nós, e perdão dos inimigos
por parte dos homens que desejam se comportar como o Pai, segundo afirma Mateus
no versículo seguinte (6, 14-15). Em Mt 5, 23 s Jesus fala sobre a importância
de se reconciliar antes de oferecer o sacrifício ou de levar o contencioso ao
juiz. E como norma de vida não devemos condenar para não sermos condenados (Mt
7,1). O cristão se compromete a atuar como o Pai e propõe sua conduta como
filho para que o Pai atue realmente como tal Pai. Sem dúvida que esta
proposição não é muito bem aceita pelos que só propõem a fé como base da
salvação. Aqui temos uma proposta baseada nos méritos, nas obras boas do homem,
e não na fé confidencial. Jesus não afirma que não seremos perdoados se não
perdoamos, mas oferece uma boa razão para Deus cumprir suas promessas: perdoar
aqueles que demonstram misericórdia com o próximo. Além do texto anterior do
Eclesiástico temos: Pela
misericórdia e pela verdade se expia a culpa (Pr 16, 2). Ou
mais claramente como afirma Tiago o
juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia. A
misericórdia triunfa sobre o juízo (2, 13). A TENTAÇÃO: Lucas
e Mateus usam a dupla eisfero/peirasmós [levar/prova].
Tudo depende de que classe de prova ou tentação é a referida no
versículo. Peirasmós significa
também tribulação e sofrimento. A causa da diversa interpretação deste
parágrafo é o verbo com o qual se determina a ação divina: eisferö, significa
introduzir, transportar, arrastar. Como Deus pode ser causa de uma tentação em
que o homem não tem força para superá-la? Os termos em que está formulada a
petição são os mesmos em que Jesus pede aos discípulos que orem para não entrar
em tentação (Lc 22, 40.46). Qual era a tentação a que estavam os discípulos
propensos a cair nesse momento? Sem dúvida a de desertar de seu seguimento, ou
por covardia, ou pelas dúvidas que a paixão de Jesus suscitaria neles ( Lc 24,
21). Deus no AT é visto como tentando o seu povo (Êx 16, 4 e 20, 20 entre
outros). Ou seja, pondo o povo à prova. Ainda não existia a diferença entre
vontade absoluta e vontade permissiva divina. Em Rm 9, 18 Deus endurece o
coração de quem quer. Por isso suscitou e endureceu o coração do faraó para
mostrar nele o seu poder, e assim
seu Nome pudesse ser celebrado em toda a terra (Rm 9, 17).
Foram as disputas teológicas sobre a predestinação que fizeram a distinção
entre absoluto e permissivas. Deus não quer o mal em absoluto, mas o permite
porque de sua permissão resulta maior benefício para as criaturas e maior
glória para sua divina Providência. Já o apóstolo Tiago afirma
claramente: Quando
alguém está tentado não diga que é Deus quem o tenta, porque Ele não tenta
ninguém (Tg 1, 13). Temos
o caso de Jesus no deserto. Ele foi
levado pelo Espírito para ser tentado pelo diabo (Mt 4,1). E
as tentações de Jesus eram sobre a sua missão salvífica para desviá-lo da
mesma, e assim se render às sugestões do maligno. Por isso muitos afirmam que a
tentação da qual os discípulos pedem para serem liberados seria a da apostasia
em relação a Jesus. O
MALIGNO: apo
tou ponëros <4190> que a vulgata traduz por a malo. Evidentemente oponerós não é um
adjetivo, mas um nome e pode ser traduzido por maligno ou mal. Se optamos por
maligno o personagem seria o diabo. Se optamos pelo mal pode ser até o
sofrimento ou a enfermidade. O texto grego inclina-se pelo maligno ou malvado.
O Malum latino,
pelo contrário, significa mal físico ou moral, com um segundo sentido com
significado de o maligno. Em Lucas, oponerós é
quase sempre adjetivo significando mau ou perverso, sendo o adjetivo que
acompanha os espíritos malignos expulsos por Jesus. Maligno e inimigo é o
que semeia o joio pois os filhos do maligno são o joio (Mt 13, 25+).O Maligno é
o Diabo, que trabalha, arrebatando a semente do coração, para que os ouvintes
não creiam e se salvem (Lc 11, 12). Precisamente esta é provavelmente a
natureza do pedido desta última parte do Pai Nosso. Como final, devemos dizer
que esta parte B do versículo falta na maioria dos códices e por isso o
encerramos entre colchetes. É uma transposição do texto paralelo de
Mateus 6, 13. Tudo indica que o Pai Nosso de Mateus era a oração comum
das comunidades eclesiais e por isso o versículo foi acrescentado em diversos
códices mais modernos.
SEGUNDA PARTE:
PARÁBOLAS
A) DO AMIGO
O AMIGO: E disse-lhes: Quem dentre vós terá um
amigo e vier a ele à meia-noite e lhe disser: amigo, presta-me três pães (5),
já que agora um meu amigo veio de caminho a mim e não tenho o que oferecêr-lhe
(6). Et ait ad illos quis vestrum habebit amicum et ibit ad illum media nocte
et dicit illi amice commoda mihi tres panes quoniam amicus meus venit de via ad
me et non habeo quod ponam ante illum. Lucas prossegue este
discurso sobre a oração, da qual ele tanto gosta, com outras duas narrações
típicas dele: A parábola do amigo inoportuno e uma série de conselhos sobre
como é respondida a oração pelo melhor dos pais. A parábola é melhor
compreendida quando estudamos os costumes da época na Palestina. O pão era a
comida praticamente única dos menos ricos. Três pães respondiam à comida de um
dia. O pão era cozido de manhã cedo, após a dona-de-casa moer
o trigo com um moinho de mão. Logo a farinha assim obtida, era misturada com
água e em forma de grandes hóstias, como é o pão sírio atual, e era colocado
sobre uma prancha quente até ser assado. O amigo chega de noite. Na realidade,
as viagens, devido ao calor do dia, muitas vezes eram realizadas à noite, daí
que fossem essas horas as da chegada do vizinho.
A RESPOSTA: E aquele, de dentro, tendo respondido,
disse: Não me tragas moléstias agora; a porta está fechada e os filhos estão
comigo no leito; não posso, levantando-me, te dar (7). Et ille de intus respondens dicat noli
mihi molestus esse iam ostium clausum est et pueri mei mecum sunt in cubili non
possum surgere et dare tibi. As casas humildes tinham unicamente
uma habitação, separando nela por um cortinado o himeneu [lugar dos
esposos] que ficava no fundo da habitação em que dormiam os outros membros da
família; e durante a noite todos dormiam sobre esteiras, de modo que para
passar do fundo até a porta deviam se levantar todos os membros da família.
Compreende-se a resposta do dono da casa: a porta esta trancada e meus filhos estão deitados.
CONCLUSÃO: Digo-vos: Se por acaso não dará a ele,
levantando-se por ser ele um amigo, porém pela “cara-de-pau” dele,
levantando-se dará a ele o quanto necessita(8). Porque todo o que pede recebe e
o que busca encontra e a quem bate se abrirá (9). Dico vobis et si non
dabit illi surgens eo quod amicus eius sit propter improbitatem tamen eius
surget et dabit illi quotquot habet necessarios. Omnis enim qui petit accipit et qui
quaerit invenit et pulsanti aperietur. A palavra chave é
anaideia <335>[anaideia] que o latim traduz por falta de vergonha ou como
diz Green pela sua desavergonhada insistência, que hoje chamaríamos melhor de
inoportuna. Diante, pois, da insistência do inoportuno amigo, Jesus se atreve a
concluir que certamente conseguirá os pães, mesmo que seja pela insistência se
não for suficiente a amizade. E Jesus termina talvez com o que era provérbio na
época que recalca a insistência na oração até de um ponto de vista meramente
humano: Pedi e vos será dado. Buscai e encontrareis. Batei e abrir-se-vos-á
(9). Mateus traz em lugar paralelo as mesmas palavras que parecem formar parte
de um poema ou um aforismo: Pedi e vos será dado. Buscai e encontrareis. Batei
e vos será aberto (Mt 7, 7). E ambos terminam com as mesmas palavras: Todo
aquele que pede, recebe. E o que busca, encontra e ao que bate, abre-se. Não
existe melhor trilogia para indicar que grande parte de nossas conquistas em
todos os âmbitos têm como fundamento a oração e a constância.
B) DO PAI
O PÃO E O
PEIXE: Pois
a quem de vós, pai, pedirá pão o filho, jamais lhe dará uma pedra. E se um
peixe, nunca dará no lugar do peixe uma serpente(11). Ou se lhe pedisse um ovo,
jamais dará a ele um escorpião(12). Quis autem ex vobis patrem petet panem
numquid lapidem dabit illi aut piscem numquid pro pisce serpentem dabit illi. Aut si petierit ovum numquid porriget
illi scorpionem. Jesus, à parte essa conclusão que mais parece uma
coleção de ditos populares anima seus discípulos a fundar sua vida na oração
como base de confiança num Deus que é, desde a primeira invocação, apelidado de
Pai. E compara esta paternidade divina com a humana: se um pai humano trata da
melhor maneira possível seus filhos em necessidade, como o Pai verdadeiro
deverá falhar com os que o invocam com tal título e nele depositam sua
confiança e deixam em suas mãos suas esperanças? As antíteses são também
clássicas ou populares como o demonstra o lugar paralelo de Mateus. Em Lucas,
temos as antíteses pão/pedra, peixe/serpente e ovo/escorpião (ver 11-12). E
Mateus de pão/pedra, peixe/serpente (7,9-10). O peixe e a serpente d’água
têm certa afinidade, especialmente se se trata de moreias, na época comida
esquisita entre os romanos. O escorpião, quando se enrola parece uma espécie de
ovo. E a pedra pode ter forma de pão. Mais importante do que a semelhança entre
os termos é a qualidade dos produtos enumerados. O primeiro termo é bom; o
segundo é um veneno ou um mal. A serpente e o escorpião eram modelos do mal ou
do maligno. (ver comentário em Presbíteros.com.br, exegese, do
Domingo XIV sobre poderes dos enviados).
CONCLUSÃO FINAL
ESPÍRITO SANTO: Se, pois, vós sendo
malvados sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais o Pai, o do céu,
dará Espírito Divino aos que o pedem(13). Si ergo vos cum sitis mali nostis bona data dare filiis
vestris quanto magis Pater vester de caelo dabit spiritum bonum petentibus se.No
lugar do espírito divino de Lucas, Mateus fala de dar coisas boas (7, 11). A
Vulgata traduzspiritum bonum [espírito
de bem]. Falta o artigo O diante
do espírito, de modo que a versão da Vulgata é correta. Para Lucas, esse
espírito era a paz com todas as qualidades e atributos que semelhante expressão
abrangia. Que devemos dizer? Tertuliano tinha toda a razão quando afirmava ser
o Pai Nosso o resumo de todo o evangelho: A oração de Jesus nos coloca frente à
frente a um Pai, que é a revelação que Jesus veio anunciar e propagar a todos
os homens. Viver a filiação era viver a oração do Pai Nosso e era viver a
essência do Evangelho, na intimidade com a divindade, e na fraternidade com a
humanidade. Por isso podemos afirmar que a frase do grande apologista africano
é verdadeira e exata.
PISTAS:
1)A oração deve ser a forma usual de vida com
Deus. É como uma conversa com um ser superior que Teresa chamava de Majestade;
mas viver a familiaridade com Deus na intimidade do sentimento e do coração. Como
temos visto nas múltiplas orações dos judeus, a adoração e a ação de graças
devem ter prioridade. Sem elas é impossível se dirigir a Deus, pois com Ele nos
enfrentaríamos como um igual a um igual, com a soberba de quem exige, não com a
humildade de quem pede. O Pai Nosso é precisamente essa oração em que a
santidade de Deus e sua vontade precedem às nossas necessidades.
2) As últimas preces se dirigem a quem como
Pai pode remediar nossas deficiências: as vitais do corpo de cada dia, as
espirituais necessárias do perdão, e a libertação de toda ação do maligno. Que
este não tenha sobre nós o poder de uma tentação impossível de superar. Jesus
pediu a seus discípulos essa oração na hora da escolha dolorosa da paixão. Sem
essa súplica, o verdadeiro Espírito Divino não nos seria dado e facilmente
seríamos arrastados pela tentação, pois o
espírito está pronto, mas a carne é fraca (Mt 26, 41).
3) Com as duas parábolas Jesus mostra que a
oração deve ser até importuna mas constante e ao mesmo tempo confiante, pois a
quem pedimos não é um estranho ou um inimigo, mas um Pai e um Pai boníssimo. E
faz uma comparação analógica entre os pais terrenos e o Pai do céu, dando a
este a preferência em bondade e amor.
4) Segundo Lucas, o objetivo principal da
oração é a recepção de um espírito que provenha da parte de Deus porque o nosso
espírito é de tendência ao mal, sendo como somos perversos e o espírito do
maligno nos pode atingir com a tentação. Ver as coisas no seu verdadeiro valor
é ter o Espírito Divino que rege suas atuações e deve guiar nossos passos.
Sentir-nos como filhos e ver nos outros os verdadeiros irmãos é viver esse
espírito que podemos chamar de espírito que vive a Paternidade em Deus e a
filiação nos homens.
http://www.npdbrasil.com.br/religiao/rel_hom_gotas0315.htm#msg02
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