O que a filosofia diz sobre a amizade?
Por Monica Aiub
Pergunta o leitor: "O que a
filosofia diz sobre a amizade?
O filósofo é alguém sem amigos?".
É difícil apresentar de maneira
generalizada o que a "filosofia" diz sobre a amizade.
Nesses tantos séculos de história da
filosofia, muitas e diferentes ideias foram expostas sobre a amizade. Tantos
foram, e são, os filósofos que não é fácil traçar seus posicionamentos acerca
dos amigos: Tê-los ou não? Mas tentemos pensar juntos sobre a amizade e os
amigos, acompanhando as palavras de alguns deles sobre o assunto.
O
que fazem os amigos?
São nosso refúgio na pobreza e no
infortúnio; ajudam os mais jovens a evitar os erros; ajudam as pessoas idosas
amparando-as em suas necessidades; estimulam as pessoas na plenitude de suas
forças à prática de ações nobilitantes, pois com amigos as pessoas são mais
capazes de pensar e de agir".
Você considera as ideias acima
descritas atuais? Então saiba que são de autoria de Aristóteles.
"Uma
forma de excelência moral" ou "concomitante com a excelência
moral", "extremamente necessária à vida" são termos que
Aristóteles utiliza para iniciar o livro VIII da Ética a Nicômacos, capítulo que trata sobre a
amizade. Prossegue ele: "De fato, ninguém deseja viver sem amigos, mesmo
dispondo de todos os outros bens".
Note como Aristóteles preza a amizade,
colocando-a como um bem desejável, mesmo àquele que dispõe de todos os outros,
e apresentando o amigo como aquele que nos torna mais capazes de pensar e agir.
Você concorda com Aristóteles? Seus amigos lhe provocam a pensar e agir com
mais capacidade? Você também faz isso com seus amigos?
No capítulo IX do mesmo livro,
Aristóteles afirma: "Com efeito, a amizade é uma parceria, e uma pessoa
está em relação a si própria da mesma forma que em relação ao amigo; em seu
próprio caso, a consciência de sua existência é um bem, e portanto a
consciência da existência de seu amigo também o é, e a atuação desta
conscientização se manifesta quando eles convivem; é portanto natural que eles
desejem conviver. E qualquer que seja a significação da existência para as
pessoas e seja qual for o fator que torna a sua vida digna de ser vivida, elas
desejam compartilhar a existência de seus amigos; sendo assim, alguns amigos
bebem juntos, outros jogam dados juntos, outros se juntam para os exercícios do
atletismo ou para a caça, ou para o estudo da filosofia, passando seus dias
juntos na atividade que mais apreciam na vida, seja ela qual for; de fato, já
que os amigos desejam conviver, eles fazem e compartilham as coisas que lhes
dão a sensação de convivência".
Constatar, ter consciência da amizade,
da existência do amigo, é um bem. Como isso se dá? Pela convivência, segundo
Aristóteles.
Assim, para atingir este bem tão
necessário, precisamos conviver. Não podemos esquecer que no período em que
viveu Aristóteles, cuidar de si era cuidar da polis, da vida em sociedade. Para
o filósofo, o homem é um animal político e, portanto, a convivência é de suma
importância. Você convive com seus amigos? O que costuma fazer nessa
convivência? Você considera que hoje é preciso cuidar da vida em sociedade para
cuidar de si? Os amigos ajudariam nesse processo? Em quê?
Ainda no capítulo VIII, Aristóteles
afirma: "Quando as pessoas são amigas não têm necessidade de justiça,
enquanto mesmo quando são justas necessitam da amizade". Este seria um bom
motivo para mantermos as amizades, e através delas, cuidarmos de nós e da vida
em sociedade.
Epicuro:
o filósofo da amizade
Epicuro,
considerado o filósofo da amizade, afirmou em suas Sentenças Principais:
"De todas as coisas que a sabedoria nos oferece para a felicidade da vida,
a maior é a amizade". Aqui podemos constatar mais um filósofo que trouxe a
amizade como fator primordial à vida. Segundo ele, a amizade, ainda que não nos
livre das dores do corpo e da alma, nos auxilia a suportá-las.
Segundo
La Boétie, a amizade é nossa única forma de recusa à servidão, servidão que
deriva da vontade humana, impondo-se e nos fazendo esquecer a liberdade do
desejo. Por sua vez, Montaigne, em seus Ensaios,
ao tratar da amizade, aponta para sua amizade com La Boétie, descrevendo a
qualidade e a importância de uma relação dessa natureza: "Na amizade a que
me refiro, as almas entrosam-se e se confundem em uma única alma, tão unidas
uma à outra que não se distinguem, não se lhes percebendo sequer a linha de
demarcação. Se insistirem para que eu diga por que o amava, sinto que o não
saberia expressar senão respondendo: porque era ele; porque era eu".
Deleuze,
filósofo do século XX, em entrevista para Claire Parnet, no vídeo O Abecedário Deleuze,
afirma "Eu adoro desconfiar do amigo. Para mim, amizade é desconfiança. Há
um verso de que gosto muito, e me impressiona muito, de um poeta alemão, sobre
a hora entre cão e lobo, a hora na qual ele se define. É a hora na qual devemos
desconfiar do amigo. Há uma hora em que se deve desconfiar até de um amigo. Eu
desconfio do Jean-Pierre como da peste! Desconfio dos meus amigos. Mas é com
tanta alegria que não podem me fazer mal algum. O que quer que façam, vou achar
muita graça (…) Ser amigo é ver a pessoa e pensar: 'O que vai nos fazer rir
hoje?'. 'O que nos faz rir no meio de todas essas catástrofes?' É isso".
Apesar
da filosofia exigir a solidão de pensar por si mesmo, ela também exige o amigo,
aquele com quem se dialoga, aquele que desconfia e de quem desconfiamos, que
questiona, que nos faz pensar. Não há filosofia sem diálogo.
Deleuze
e Guattari, em O
que é a Filosofia?, falam do amigo da sabedoria, que é aquele que
pretende o saber, o pretendente e, portanto, rival do outro. Teríamos deixado
de ser o amigo do outro para sermos amigos do saber e rivais do outro?
Penso que o filósofo precisa ser,
concomitantemente, amigo do saber – no sentido de buscar, de conviver, de
dialogar com esse saber que lhe provoca, espanta, instiga -, e amigo do outro –
com quem o diálogo necessário se estabelece, para que ele não se perca em
divagações vazias. Alguns dirão que este outro são os textos dos filósofos, que
nos instigam, provocam, espantam e com os quais estabelecemos diálogo. Outros
defenderão que além de tais outros, necessitamos do diálogo e da partilha
daquilo que amamos com a presença de um outro, com a convivência, como afirmou
Aristóteles.
De qualquer maneira, encontramos, na
História da Filosofia, vários pensadores que apontam para a importância da
amizade. É o amigo quem nos alerta, quem nos provoca a pensar. É também o amigo
quem partilha conosco suas histórias, seu modo de ser, seu cuidado, seu riso. E
você, leitor, o que pensa? A amizade é importante? O que significa, para você,
ser amigo? Você tem amigos? Você se considera um bom amigo? Por quê?
Referências Bibliográficas:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: UNB, 1985.
DELEUZE, G. O Abecedário Deleuze. Entrevista com Claire Parnet. Vídeo.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é a Filosofia? São Paulo: Ed. 34, 2001.
EPICURO. Máximas e Sentenças. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1972.
LA BOÉTIE, E. Discurso da Servidão Voluntária. São Paulo: Brasiliense, 1999.
MONTAIGNE, M. Ensaios. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1972.
https://vyaestelar.com.br/o-que-a-filosofia-diz-sobre-a-amizade/
Nenhum comentário:
Postar um comentário