TEOLOGIA
AMIZADE COMO LUGAR TEOLÓGICO
Jesus rompe com a
hierarquia entre mestre e discípulo e se faz amigo
Ter a amizade como
lugar teológico também implica o renunciar a toda pretensão de superioridade Foto (Unsplash/Helena Lopes)
Fabrício Veliq*
Falar
sobre amizade não é algo contemporâneo, embora possa parecer a muitas pessoas.
Aristóteles, em sua Ética
a Nicômaco (EN), já inicia seu livro 8º colocando a amizade
como algo importante para a vida. Diz ele que a amizade é uma "certa
excelência, ou algo estreitamente ligado a ela; além disso, é do que mais
necessário há para a vida. Pois ninguém há de querer viver sem amigos, mesmo
tendo todos os restantes bens" (EN, 8, 1155 a1, 1-5).
Da
mesma forma, na literatura bíblica, seja na história da amizade de Davi e
Jônatas, que conta no livro de 1 Samuel, no capítulo 18, seja no livro de
Provérbios, em que se afirma que "há amigos mais chegados que irmãos"
(Pv 18,24); ou ainda, se quisermos voltar ainda mais na história do povo
bíblico, podemos também lembrar de Abraão, que foi chamado amigo de Deus, todos
esses textos dão a antever o valor que a amizade figura nas relações humanas e
também na relação com o próprio Deus.
Talvez,
para nós cristãos, o texto que mais nos convida a refletir sobre a temática é
aquele que se encontra em João 15,15. Nesse texto, conhecido como fazendo parte
dos discursos de despedida de Jesus, encontramos o Messias dizendo: "não
vos chamo mais servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas Eu
vos tenho chamado amigos, pois tudo o que ouvi de meu Pai Eu compartilhei
convosco".
Todos
e todas sabem o quão valoroso é ter uma amizade verdadeira, alguém para poder
contar nos momentos de desespero, ou nos momentos de alegria. Há amizades que
são marcantes e, verdadeiramente, mudam nossas vidas a partir do momento que
admitimos entrarmos nelas.
Quando
levamos essa temática para a teologia, precisamos pensar também a amizade como
lugar teológico, ou seja, um lugar a partir de onde se é possível pensar o
próprio fazer da teologia. Com isso em mente, alguns pontos podem ser
elucidados:
Assim
como toda amizade pressupõe uma relação, também a teologia é deve estar
disposta a entrar em relação com mundo. Uma teologia de gabinete, distanciada
dos problemas sociais e políticos contemporâneos não se sustenta a partir da
temática da amizade. Como consequência, assim como toda amizade pressupõe a abertura
ao outro, que é diferente de mim, também a teologia que parte da amizade
precisa estar aberta a ouvir dos outros lugares aquilo que eles têm a dizer, de
maneira que possa, realmente, se mostrar aberta para essa o desenvolvimento de
uma amizade sadia com outras religiões, realidades, culturas etc.
Ter
a amizade como lugar teológico também implica o renunciar a toda pretensão de
superioridade. Entre amigos e amigas não há hierarquia. Essa, talvez, seja a
grande radicalidade da fala de Jesus para com seus apóstolos, o estabelecimento
da não hierarquia entre o mestre e seus discípulos e, extrapolando, a não
hierarquia na sociedade de irmãos e irmãs pertencentes ao Reino de Deus. Ou
seja, no lugar de relações hierárquicas, o que se estabelece é a comunidade dos
iguais, em que todos e todas são consideradas em sua dignidade.
Nesse
sentido, tomar a amizade como lugar teológico traz à tona a subversividade do
Reino de Deus, que rompe as estruturas hierárquicas da sociedade, revelando
que, aos olhos do Pai, todos e todas são irmãos e irmãs, onde não há melhores e
piores, mas, somente amigos e amigas, em comunhão uns com os outros e com o
próprio Deus.
Será
que, hoje, temos coragem de ter a amizade como lugar teológico?
*Fabrício Veliq é
protestante e teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo
Horizonte (FAJE), Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU
Leuven), Bacharel em Filosofia e Licenciado em Matemática (UFMG). Autor do
livro: Teologia no século 21: novos contextos e fronteiras. Editora Saber
Criativo. E-mail: fveliq@gmail.com. Site: www.fabricioveliq.com.br
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