Amizade: o poder de cultivar boas relações de parceria
Juliana Battistelli(*)
Amizade é uma relação de afinidade, reciprocidade,
ajuda mútua, respeito e confiança criada entre duas ou mais pessoas. Segundo
Winnicott, a amizade remete às noções de intimidade, espaço potencial,
reconhecimento da alteridade e concernimento.
Criar uma relação de amizade é um vínculo que se
escolhe, por isso tem um peso diferente da família. Os amigos contribuem para a
construção da nossa própria identidade, ideias e valores, sensação de pertencimento
e objetivos de vida. Além disso, bons amigos são um antídoto para doenças
físicas e emocionais. Isso mesmo, a amizade faz bem à saúde.
O Brasil comemora o dia do amigo duas vezes
ao ano, em 20 de julho e 18 de abril. Só esse fato já nos mostra a força da
amizade em um país que cultiva relações de parceria. Ao estudar as relações de
amizade, cientistas descobriram coisas como o fato de
que compartilhamos mais genes com amigos que com desconhecidos, que somos mais
atraentes quando estamos com um grupo de amigos e que com apenas 9 meses de
idade já entendemos o conceito de amizade.
Vários estudos comprovam que, pelo menos entre os chimpanzés,
babuínos, cavalos, hienas, elefantes, morcegos e golfinhos, os animais podem
formar vínculos vitalícios com indivíduos que não são de sua família. No Quênia, já foi documentada uma amizade entre
uma tartaruga centenária e um hipopótamo jovem.
Por
que formar vínculos de amizade?
O que nos leva a formar vínculos de amizade?
Em todos os estudos sobre a amizade, se reconheceu que pessoas que possuem bons
amigos tem saúde melhor, menos estresse e mais sucesso reprodutivo, razão pela qual a
amizade é uma característica cada vez mais comum na espécie – isso é o que
assinala o cientista Carl Zimmer.
Quando criamos relações de amizade,
desenvolvemos mais empatia,
sentimos junto com o outro. Nos sentimos ameaçados quando nossos amigos estão
em perigo, por isso nos associamos a outros da mesma espécie para prosperar.
Iniciar ou cuidar dessas relações provoca a
liberação de ocitocina, hormônio que reduz os níveis de tensão e gera um efeito
calmante. Independente de gênero, ter amigos é bom. As pessoas com uma rede
ampla de amizades têm tensão mais baixa, sofrem menos estresse, suas
defesas são mais fortes e elas têm vida mais longa. Os amigos propiciam os
bons hábitos, espantam a depressão, ajudam a
superar doenças e produzem satisfação, prazer e felicidade.
Vários
amigos x Amigos de qualidade
Em 1993, o antropólogo Robin Dunbar, da
Universidade Oxford, estudando os grupos sociais dos primatas, descobriu que
cada indivíduo só pode manter até o máximo de 150 relações significativas ao
mesmo tempo. Mesmo assim, a maioria dos adultos só tem dois melhores amigos.
Na era das amizades de facebook, o conceito de relações de amizade verdadeira, a
partir do compartilhamento frequente de experiências e sensações reais ficou
desgastado. Dos 500 amigos de facebook, podemos contar nos dedos aqueles que
convivem com nossas alegrias e dores, que ajudamos sem pensar duas vezes.
Criar relações verdadeiras têm maior peso
emocional do que sustentar diversas relações superficiais. Conexões feitas a
partir de parceria e cumplicidade são aquelas que nos trazem maior solidez e
conforto para a vida.
Ainda que muita gente acredite que ter poucos
amigos gera solidão, a solidão não é sobre não ter amigos. Se sentir só
independe da quantidade de pessoas que está ao seu redor. Essa sensação
negativa tem muito mais a ver com não se sentir conectado, não se sentir
pertencente, não gerar vínculos reais com os seres e com o mundo.
Como é uma amizade verdadeira
As práticas sociais e os sentidos da amizade,
da mesma forma que os sentidos do amor, são
constituídos historicamente e se transformam, dependendo das culturas e das
épocas históricas.
Por isso, uma amizade considerada verdadeira
pode ser muito diferente para cada pessoa e em cada período. Entretanto, a
grande maioria das amizades se baseia principalmente no sentimento de empatia,
ou seja, de se colocar no lugar do outro e desejar o bem. Este sentimento,
muitas vezes chamado de amor genuíno, é o que faz da amizade essa relação tão
leve e positiva para a vida de todos.
“A amizade é uma predisposição recíproca que
torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um
do outro.” – Platão
Nesse sentido, a amizade verdadeira se mostra
a partir do interesse pelo bem-estar do outro, do entendimento sem julgamento.
Com um bom amigo, você é sua melhor versão. Cada ser se esforça para crescer junto,
compartilha experiências, alivia as dores, escuta. Com quantas pessoas você
consegue se sentir bem ao sentar em silêncio por algumas horas? Essas são
provavelmente suas melhores amizades.
A importância de transformar a amizade
masculina tóxica
É muito comum que a amizade masculina se
manifeste a partir de comportamentos tóxicos, como sentimentos
competitivos, agressão verbal e provocações. Essa necessidade de
basear qualquer conexão em manifestações de desinteresse funcionou como
mecanismo de defesa por muito tempo, do homem macho que não admite suas
necessidades emocionais.
Com a desconstrução de ideais machistas, como
os de que o homem tem que ser forte, não pode demonstrar sensibilidade, precisa
estar à frente das decisões sempre, não chora, não sofre, aguenta calado, as
amizades também se abrem para laços mais profundos e verdadeiros.
A amizade masculina tóxica pode ser
transformada em relações verdadeiras. Em parcerias que vão além das
brincadeiras para o compartilhamento de dores, sentimentos e questões existenciais. Sensibilidades e
afetos também nos conectam e isso não é nenhuma exclusividade feminina.
Não faça da amizade uma cobrança
Uma das principais razões para transformarmos
as amizades em sentimentos negativos é a cobrança. Criar expectativas gera
estados de ansiedade e angústia que
danificam a potência das relações de parceria.
Quando desenvolvemos um interesse genuíno
pelo bem-estar do outro, saímos de nossas posições egoístas e autocentradas.
Assim, encontramos um estado de equilíbrio mesmo diante de situações
inesperadas.
A leveza das relações de amizade vem com essa
posição de liberdade ao outro, com a aceitação de uma vida fluida, que se transforma
a todo instante. Ainda que, comprovadamente, ter amigos traga mais felicidade,
é importante não esperar que isso seja uma obrigação. A felicidade depende da
nossa mente e de como visualizamos as situações.
Outras suposições como: amigos são para
sempre, amizades verdadeiras se sustentam por si só, amigos compartilham tudo e
nunca nos decepcionam, também são extremamente danosas. Assim como tudo na
vida, as pessoas mudam e as circunstâncias também.
Amizades não se sustentam sozinhas, é preciso
estar presente e sua dedicação pelo bem-estar do outro tem importância. Nossas
decepções acontecem por conta de expectativas. Por que somos todos seres
humanos errôneos e isso também se aplica em relações de extrema confiança.
Liberar a amizade dessas amarras é a melhor
forma de cultivar melhores relações e de se conectar verdadeiramente com outras
pessoas. Não apenas como uma forma de sobrevivência, mas como um sentimento sincero
de alegria pela felicidade do outro.
Criar novas
conexões é fundamental
Tão importante quanto cultivar amigos do
passado, criar novas relações de parceria no presente é fundamental. Você
provavelmente já se reencontrou com algum amigo de muito tempo. O sentimento é
de como se voltasse a se tornar a pessoa que era antes, quando o conheceu.
Esse peso que carregam os amigos de infância, a nostalgia que nos leva a outro tempo, não deixa
de ser positiva. Entretanto, deve vir acompanhada de relações que reflitam
novos momentos de nossas vidas.
Como somos seres transitórios, precisamos nos
esforçar para criar laços com pessoas a partir de outras épocas de nossas
vidas. Formar relações diferentes, sem uma bagagem do passado e com a liberdade
que carrega os novos contatos.
Criar e cultivar amizades nos faz mais
crescer emocionalmente, traz alegrias e saúde. Para isso, é preciso desenvolver
o cuidado conosco e com os outros. Como canta Lenine:
“O que
eu sou. Eu sou em par. Não cheguei.Não cheguei sozinho”.
(*)Formada em Comunicação e Multimeios pela Universidade Estadual de
Maringá, trabalha como redatora de conteúdos. O que mais encanta e move Juliana
no mundo são as tentativas constantes e impossíveis de compreender o outro.
https://www.vittude.com/blog/amizade-relacoes-de-parceria/
Nenhum comentário:
Postar um comentário