20 de julho, o
Dia Internacional da Amizade.
Frei Almir Guimarães
“Amizade é, antes de tudo, experiência de encontro”
Vamos conversar sobre
um tema belo e delicado: amigos, amizade. “Há palavras que fazem viver”, diz o
poeta Paul Eluard. A palavra amizade é precisamente uma delas. Ela não se
confunde com a camaradagem que une os companheiros de trabalho. Verdade, que
pode começar por aí. É diferente dos laços amorosos que unem um homem e uma
mulher no estreitamente dos corpos e dos corações. Isto não quer dizer que os
casados não possam usufruir das benesses da amizade. André Comte-Sponville diz
lembrar-se com emoção da afirmação de uma mulher referindo-se ao marido ao
dizer: ‘É meu melhor amigo”.
♦ Difícil discorrer
sobre a amizade: “Difícil falar de amizade sem cair na banalidade, ser taxado
de idealismo ou quem ignora seus desvios. A amizade, como a música, é questão
de justeza, de precisão; a amizade não tolera notas falsas; uma execução desequilibrada
quebra a harmonia. Não é como uma troca de ideias agradável e mundana entre
pessoas frequentando boa companhia, não se confunde com a experiência de
camaradagem que une companheiros de trabalho ou de esporte, nem com a paixão
amorosa. Há mil matizes na amizade, segundo as estações da vida mas sempre um
“não sei o que” a caracteriza, um sabor único ao coração e que o coração
reconhece” (Marie-Thérèse Abgrall, Saveurs
d’amitié, Christus 209, p.8).
♦ Tentemos ir
adiante. Há tantas amizades: aquela que vivem os colegas da escola ou de um
clube esportivo; os que viveram juntos a experiência de excursões; os homens e
mulheres maduros que gostam de se encontrar simplesmente pela alegria do
encontro, em torno de um copo. Camaradagem? Amizade?
♦ Triste ouvir alguém dizer: “Não tenho mais
amigos. Todos me abandonaram”. Uma tal constatação pode levar alguém ao mais
profundo abismo, acelerar a destruição de um ser diante dos fracassos amorosos
e profissionais ou simplesmente existenciais. Somente um amigo verdadeiro pode
ser buscado para curar as feridas sem machucar mais ainda.
♦ O amigo não faz discursos, não precisa se
preocupar com demonstrações, isto é, provas de amizade. A amizade é fortemente
ancorada pela confiança colocada em alguém. Os dois caminham juntos, mas
abertos. Os que se estimam como amigos evitam de manchar o relacionamento com
qualquer sorte de paixão e pretensão de posse egoísta.
♦ No começo, sim, pode existir uma
camaradagem. As crianças, os que freqüenta jogos, os trabalhadores de uma
fábrica são colegas e camaradas. Para que daí brote a amizade será preciso
fazer vibrar uma outra corda, descobrir outra dimensão, ou seja, da
interioridade. O momento em que costumam nascer amizades é no tempo da
adolescência. Começa-se a estimar pessoas que estão fora do circuito familiar.
Há um jogo de profunda estima entre dois que até então nada mais eram do que
dois.
♦ A amizade é, antes de tudo, experiência de
encontro, presença de um na vida do outro, um reconhece o outro com seu
mistério e sua riqueza. No começo tudo parece depender uma “química”. No
nascedouro da amizade há alegria de se reencontrar, prazer de estarem juntos,
facilidade de comunicação. Os amigos se sentem bem um perto do outro, não somente
pelo interesse da conversa nem por participarem de atividades em comum. Há uma
espécie de acordo de fundo que se traduz por certos índices: uma claridade no
semblante, olhares que se cruzam com certa conivência ou cumplicidade,
vivacidade, gestos de cordialidade.
♦ Mais do que prazer, a amizade faz nascer
alegria nos amigos, quer dizer um sentimento de crescimento da vida. Spinoza
diz que na amizade vive-se a passagem para uma maior perfeição. Diante do amigo
com ele descubro-me mais rico interiormente do que pensava. Parece que o amigo
faz brotar o melhor de mim mesmo, sempre sem desejo de posse. Que riqueza!
♦ A amizade é a experiência de um acordo, de
uma concórdia, de uma paz mais do que uma semelhança. Os amigos podem discordar
um do outro, sem que nada se perca do acordo essencial entre os dois.
♦ Os amigos conversam, se comunicam. Mas as
palavras não constituem o todo. Um dos charmes da amizade vem de uma “liga”, de
uma feliz alternância entre silêncio e palavra. Se a palavra é essencial, ela
não é indispensável Um relacionamento se torna efetivamente amistoso quando
suporta o silêncio.
♦ Há muitas e belas páginas escritas sobre a
caminhada e a amizade. Quantas amizades não foram nutridas ou alimentadas por
longas horas ou dias de caminhada, passeio, competições, caminhadas em que se
está lado a lado, próximos um do outro, mas levados pelo movimento e pelo
ritmo. Cada caminhando com seu próprio passo, mas no mesmo ritmo. Não é o face
a face. O olhar dos dois se dirige para o horizonte que é comum e livremente percorrido
por um e pelo outro. Fala e silêncio, conversa e momentos sem fala. Estar
perto, mas também viver em silêncio e separados. A amizade é como uma caminhada
comum com pausas, retomadas. A concórdia interior supõe ou exige uma abertura a
uma maior. A amizade é inseparável de uma busca, de um ideal, de uma comum
aspiração.
♦ A amizade começa com a experiência de um
encontro. Esse encontro, porém, só se tornará amizade se confirmado por um
segundo, terceiro, e depois, por uma série de encontros. Se depois do segundo e
em seguida acontecer decepção e vazio, o elã do começo nada mais terá sido que
uma simpatia que costumamos conhecer em nossa vida. A amizade nasce e se
alimenta de muitos encontros.
EM TORNO DA
AMIZADE
Textos
antigos
Teofraste ( 379-287
a.C.)
♦ Quando se dizia: “Ele é amigo deste homem”.
Teofraste observava: “Então, por que ele é pobre e o outro rico? Quem não
partilha os bens não pode ser chamado de amigo!”.
♦ Quando lhe perguntavam: “Quem são teus
amigos?” Teofraste respondia: “Como é que vou saber? Sou rico, quer dizer,
tenho muito dinheiro e poucos amigos”.
Epicuro (341-270
a.C.)
♦ A amizade deverá sempre procurada por ela
mesma, embora tenha sua origem numa necessidade de ajuda.
♦ O que vale na amizade não é tanto a ajuda
que os amigos podem nos dar mas nossa confiança em tal ajuda.
Cícero (106-43 a.C.)
♦ Que existe de mais delicioso do que ter
alguém a quem nos dirigirmos como se fosse a nós mesmos? Que adiantaria a
riqueza nos sorrir se não tivéssemos com quem partilhar e usufruir dela como
nós? Ou então, quando miseráveis e pobres, que dor não ter alguém que se sinta
tocado por nossa desventura?
♦ De todos os bens que recebi por sorte ou
pela natureza não há nenhum que possa comparar-se à amizade com Cipião.
Concordância de pensamento em termos de política, sábios conselhos a respeito
de negócios particulares, momentos de descanso charmosos… essa amizade tinha
tudo isso. Não tenho nenhuma ideia de um dia ter ferido Cipião fosse com que
fosse. Nunca ouvi dele uma palavra que me desse tristeza. Sua casa era minha,
nosso modo de viver o mesmo, tudo era comum entre nós, não somente servimos às
armas juntos, como viajamos juntos e juntos passamos um tempo no campo. Que
direi de nosso gosto comum pelo estudo e da vontade comum de crescer no saber?
Um eco do Novo
Testamento
Na cristologia
contemporânea percebe-se hoje um deslocamento para dois títulos, ambos de
origem neotestamentária e que, talvez, respondam melhor à experiência atual:
Cristo Amigo e Mestre. O título de “Amigo” aparece no Evangelho de João e
sublinha a relação amistosa e confiante que Jesus estabelece com os crentes:
“Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor;
chamo-vos amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai vos dei a conhecer (Jo
15,15). Cristo não é só Senhor que salva, mas o Amigo próximo que compreende e
acompanha. A teologia atual sublinha a importância de um Cristo amigo numa
época em que não poucos experimentam a solidão existencial.
José Antonio Pagola, “O
caminho aberto por Jesus – Mateus”, p. 160
Dois amigos
Encontrávamo-nos em
Atenas. Como o curso de um rio, que partindo de uma única fonte se divide em
muitos braços, Basílio e eu nos tínhamos separado para buscar a sabedoria em
diferentes regiões. Mas voltamos a nos reunir como se tivéssemos posto de
acordo, sem dúvida porque Deus assim quis.
Nessa ocasião, eu não apenas admirava meu grande amigo Basílio vendo-lhe a
seriedade dos costumes e a maturidade e prudência de suas palavras, mas ainda
tratava de persuadir os outros que não o conheciam tão bem a fazerem o mesmo.
Logo começou a ser considerado por muitos que já conheciam sua reputação.
Que aconteceu então? Ele foi quase que o único entre todos os que iam estudar
em Atenas a ser dispensado da lei comum; e parecia ter alcançado maior estima
do que comportava sua condição de novato. Este foi o prelúdio da nossa amizade,
a centelha que fez surgir nossa intimidade; assim fomos tocados pelo amor
mútuo.
Com o passar do tempo, confessamos um ao outro nosso desejo: a filosofia era o
que almejávamos. Desde então éramos tudo um para o outro; morávamos juntos, fazíamos
as refeições à mesma mesa, estávamos sempre de acordo aspirando os mesmos
ideais e cultivando cada vez mais estreita e firmemente nossa amizade.
Gr.egório de Nazianzeno e
Basílio Magno, Liturgia das Horas I, p. 1111-1112
https://franciscanos.org.br/vidacrista/amizade-e-antes-de-tudo-experiencia-de-encontro/#gsc.tab=0
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