"ARRANJOS CONJUGAIS:
HIPÓTESES DIAGNÓSTI- CAS E
ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO" (Parte I).
Por
Lindolivo Soares Moura (*)
"Casamento não é céu e nem
inferno, é apenas purgatório"(Abraham Lincoln).
Em psicologia,
notadamente na área da clínica, quando pelas características específicas de
certos transtornos, a dificuldade de definição do diagnóstico é maior e requer mais
tempo para ocorrer, é comum que se vá trabalhando com o que chamamos de
"hipótese diagnóstica". É raro, mas pode ocorrer que uma terapêutica
colocada em ação faça uso desse recurso praticamente até o seu
"término". Ao mesmo tempo, sabemos que o conceito de "cura"
difere significativamente para a Psicologia e a Medicina, e que
"fechar" ou definir um diagnóstico é sempre uma tarefa mais complexa
e delicada no campo dos fenômenos mentais que naqueles de natureza somática ou
física. Compreende-se em razão disso por que a "hipótese diagnóstica"
é mais recorrente na área dos profissionais que lidam com a saúde mental, que
naquela de seus colegas e parentes mais próximos, os médicos e os psiquiatras.
A temática envolvendo
o que ora estamos chamando de "arranjos conjugais" é ampla, complexa e relativamente recente, como também
o é o conceito de família. Esse é o principal motivo que nos leva a realizar
uma espécie de "reducionismo" na presente abordagem, considerando
apenas o vínculo conjugal entendido como a união entre um homem e uma mulher, a
despeito de tantos outros tidos não apenas como possíveis mas já existentes na
vida em sociedade. Se do aqui proposto se pode estender parte que seja aos
diversos outros tipos arranjos, fica a critério de quem nos lê e conosco
reflete realizar tal transposição. Desde já, advirta-se, sem nenhum pressuposto
de importância e menos ainda de hierarquia entre uns e outros.
"As fêmeas
humanas - afirma o Orientador Filosófico norte-americano Lou Marinoff - também
são grandes predadoras, mas sua principal presa é o próprio homem. Sua tática
natural é se disfarçar de presa sexual, mas sua estratégia é subjugar a presa
com o casamento". Se essa pode ser considerada uma verdade ou apenas uma
hipótese diagnóstica, é algo a se discutir melhor, mas Ralph W. Emerson
provavelmente concordaria com ela. Ele escreveu: "a esposa de um homem tem
mais poder sobre ele que o Estado". Grande parte para a explicação desse
fato certamente pode estar num outro fato, o de que a evolução cultural vem, nos
últimos tempos, gradual e progressivamente se sobrepondo ou a menos evoluindo
"pari passu" com a evolução biológica. Ainda que seja difícil prever
as consequências que poderão advir de uma tal mudança, é preciso reconhecer que
do ponto de vista estritamente biológico a natureza predispõe homens e mulheres
a estratégias distintas e até certo ponto opostas de acasalamento. A chamada
"guerra dos sexos" ao menos em parte pode ser diagnosticada - isto é,
compreendida ou explicada - a partir dessa diferença básica ou primordial.
Do ponto de vista
estritamente biológico, como dizíamos, o homem carrega consigo uma quantidade
grandíssima de espermatozóides. A OMS - Organização Mundial da Saúde - calcula que cada ejaculação produza de 1,5 a
5,0 mls de sêmem, e para que o homem possa ser considerado fértil cada ml deve
conter no mínimo 15 milhões de espermatozóides, podendo chegar a 300 milhões.
Por maior que seja a margem de erro que se possa admitir, estamos falando de
"ciência", e os números continuariam sendo ainda estratosféricos.
Para perpetuar-se portanto, como indivíduo, a natureza foi "generosa"
com o homem, tornando-o capaz de fecundar um grandíssimo número de mulheres,
sem grande risco de comprometer seu projeto de perpetuação, em razão da altíssima
quantidade de material genético reprodutor disponível. Para que o homem
satisfaça as exigências da cultura, portanto, em especial a da monogamia, é
preciso admitir que do ponto de vista estritamente biológico-cromossômico ele
tenha que "remar contra a correnteza", deixando de ser fiel à
estratégia concebida pela natureza.
Contrariamente ao
homem, que além de altíssima quantidade continua produzindo espermatozóides a
vida inteira, a mulher já nasce com um número definido e limitado de óvulos, e
sabe-se que com o passar dos anos vai diminuindo progressivamente sua
capacidade de fecundação. Por isso a
estratégia da natureza para que ela se perpetue como indivíduo nas gerações
seguintes é ser fecundada pelo "melhor" companheiro que puder atrair,
como forma de dar aos seus óvulos a melhor fertilização, e se possível maior
garantia de proteção e subsistência quando do nascimento dos filhos. Assim, o
investimento cauteloso em cada um dos óvulos, cuja quantidade é infinitamente
menor que o número de espermatozóides no homem, é parte fundamental da
estratégia.
Difícil admitir, mas
os fatos não mentem: homens e mulheres estão biologicamente predispostos a
estratégias incompatíveis de acasalamento. Eis aí a razão do chamado
"paradoxo primordial", de Benjamin Disraeli: "todas as mulheres
deveriam se casar - e nenhum homem".
Francisco Daut, em
seu livro de título curioso mas interessante, "A natureza humana existe, e
como manda na gente", afirma que enquanto o homem é atraído -
"tesão", ele diz - para a
mulher jovem, anatomicamente prendada, e acima de tudo saudável, o critério
feminino de seleção é diferente: na grandíssima maioria das vezes a mulher é
atraída pelo "homem interessante", devendo-se entender por
interessante tudo aquilo que já mencionamos anteriormente em relação à
"estratégia" biologicamente traçada pela natureza para cada um deles.
Se esta pode ser considerada uma verdade científica, ou deve ser assumida no
máximo como uma "hipótese diagnóstica", fica a critério de homens e
mulheres fazerem suas apostas. Sempre lembrando que na medida em que a evolução
cultural vai caminhando e até certo ponto se impondo em relação à biológica,
aumenta sem dúvida a probabilidade de que essas diferenças diminuam. Ainda
assim, os muitos casos de ajustamento conjugal em que musas da beleza se sintam
"atraídas" por parceiros pouquíssimo prendados em relação ao mesmo
quesito, mas "interessantes" sob diversos outros pontos de vista,
parecem confirmar que a natureza continua ainda dando lá suas cartas, bem pouco
interessada no que a cultura e o meio social tenham a dizer.
Mas afinal, onde se
quer chegar com tal reflexão? Estamos falando aqui exatamente de quê? Se tal
pergunta não havia ainda surgido, já era com certeza hora de a mesma aparecer.
Pois bem, estamos falando de "arranjos conjugais", hipóteses
diagnósticas e alternativas de solução. Não sei se a expressão
"alternativas de solução" tenha sido a melhor; quiçá
"alternativas de compreensão"
respondesse melhor aos propósitos da presente reflexão. Dúvidas à parte, devo
confessar que sempre me senti um tanto
perplexo pelo que considero um excesso injustificado de valorização para com o
ato sexual humano denominado "traição", máxime quando esta ocorre
dentro de um arranjo conjugal determinado, e mais específicamente ainda dentro
do casamento. Não consigo compreender, por exemplo, como um único ato dessa
natureza possa ser responsável, em não poucos casos, pelo término de um vínculo
ou relacionamento de qualidade - e portanto de fidelidade - que já perdure por
anos e às vezes décadas. E por favor, alto lá: que não se conclua e muito menos
se coloque em nossa boca ou nas entrelinhas do presente discurso, a
pressuposição de que estejamos defendendo ou fazendo apologia à traição. Não
seria justo e oxalá ninguém se sinta autorizado a concluir dessa forma. É
preciso sempre muito cuidado, quando daquilo que é dito se pretende inferir o
"não dito". Pontos de vista diferentes costumam ser os principais
responsáveis por esse tipo de ausência de empatia e mesmo
"infidelidade" para com quem escreve, se expõe, e claro, possa dentro
da dialética do discurso ter um ponto de vista diferente.
Minha perplexidade
começa com o fato de que, ao menos do ponto de vista religioso, o chamado
"sacramento" só comece a se concretizar, de fato, quando uma espécie
de verdadeiro juramento tem seu início: "eu te prometo ser fiel..." e
assim segue, até o seu final, sendo tais palavras proferida por ambas as
partes. Salvo engano, é o único Sacramento em que os Ministros são os noivos, e
o Sacerdote - ou quem lhe faz a vez - e a comunidade são apenas
"testemunhos" em nome da
Igreja. Ou seja, a essência do ato é uma promessa ou juramento, sem o qual não
há Sacramento e consequentemente tampouco casamento. Segundo motivo de minha
perplexidade: enquanto o termo "fidelidade" porta consigo uma grande
variedade e riqueza de significados, arrisco afirmar que para cem por cento dos
casais o significado de "traição", seu oposto, tanto no momento da
promessa feita como posteriormente pela vida afora assume uma conotação invariavelmente
sexual. Exagerando para entender, um estupro praticado "dentro" do
matrimônio, por vezes não chega a ser percebido como tão grave quanto um ato
sexual praticado "fora" dele. O mesmo se poderia dizer de um
sem-número de outros gestos de desamor e de infidelidade que com certa
regularidade costumam ocorrer nas relações conjugais. Nada, absolutamente nada,
parece poder ser comparado à infidelidade de natureza sexual, nem em qualidade
e tampouco em quantidade.
Um terceiro motivo a
agravar ainda mais minha perplexidade está relacionado ao "modo" ou à
forma como certas Instituições religiosas lidam com sentimentos, os afetos e as
emoções dos seres humanos. Faz sentido, por exemplo, "prometer" que seremos por toda a
vida, até que a morte nos separe, "fiéis ao amor", ou se preferimos,
"fiéis à pessoa amada"? Não seria no mínimo temerário qualquer promessa
ou juramento que tenha nossos sentimentos e emoções como seu objeto ou
conteúdo? Podemos ou devemos prometer aquilo para com o qual não podemos
oferecer garantia alguma - exceto, claro, a boa intenção - de poder cumprir,
sobretudo quando a promessa ou o juramento pressupõe a "eternidade da
existência"?
Tais perguntas podem
ser complexas, e claro, de difícil resposta. Dir-se-á que ninguém está obrigado
a tais promessas ou juramentos, o que incontestavelmente é verdade. Mas como
negar, por outro lado, que os mesmos, tais como nos são propostos - para não
dizer "impostos" - nos chegam como um verdadeiro constrangimento?
"Ninguém é obrigado a fazer voto de celibatário", diz-se ao candidato
e pretendente ao Sacerdócio, para em seguida se complementar: "não há
porém Sacerdócio sem celibato". Ignora-se o fato de que a pessoa poderia
perfeitamente optar pelo primeiro, sem pretensão alguma de assumir o segundo.
Observação: esta primeira parte se completa e se conclui
com a segunda, de mesmo título, a ser oportunamente publicada.
(*)Possui graduação em teologia
pelo Instituto teológico pio XI (1983), graduação em Psicologia pela
Universidade Federal do Espírito Santo (1997), graduação em Filosofia pela
Faculdade Salesiana de Filosofia, ciências e letras (1986) e mestrado em
Filosofia pela Pontificia Universidade Gregoriana ,Roma - Itália(1988) . Foi
por 11 anos consecutivos professor de filosofia jurídica e psicologia Jurídica
do Centro Universitário de Vila Velha, ES.Durante esses 11 anos foi Coordenador
Pedagógico por 05 anos e de Ensino por 1 ano e meio do mesmo Curso de Direito.
Atualmente é terapeuta de grupo, individual, vocacional, Consultório Clínico
Psicológico particular. Formou-se recentemente em Psicodrama (02 anos) pelo
Instituto Pegasus de Vitória, ES. Atualmente, cursa a pós graduação TCC -
Terapia Cognitivo Comportamental.
Nenhum comentário:
Postar um comentário