"VIVENDO E APRENDENDO COM A NATUREZA: LIÇÕES QUE O MAR ENSINA" - Parte I
Por Lindolivo Soares Moura(*)
"Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento.
Mas ninguém diz
violentas as margens queo
comprimem"
(Bertolt Brecht)
Por durante muitos séculos o ser
humano reverenciou a natureza,
convencido de que ela era uma mestra sábia e douta, e como bom e fiel discípulo
se voltou para ela contemplando sua grandeza, perscrutando seus princípios, e esforçando-se por
desvendar seus segredos e mistérios. A
isso se chamou "Naturalismo", que aplicado por exemplo ao campo do
Direito foi denominado "Jusnaturalismo". O Iluminismo, entretanto,
entendeu que essa atitude representava uma depreciação - senão uma
verdadeira "desqualificação" -
da razão, passando a assumir para com ela, a natureza, uma postura de desdém e
indiferença. Finalmente, com a chegada
do Positivismo - "filosófico" com Augusto Comte, e
"jurídico" com Norberto Bobbio - seu título de "mestra"
parecia ter sido definitivamente caçado. A razão e a experimentação científicas
chegavam com a promessa de que eram capazes, sem a ajuda de quem quer que
fosse, de elucidar todas as dúvidas e resolver todos os problemas. A
"mãe" natureza passou então a ser praticamente esquecida, suas leis e
seus princípios, ignorados.
Felizmente essa mudança radical de
rumos e de mentalidade não convenceu a todos. Mentes diferenciadas não se
deixam convencer tão facilmente sssim. Para tais personalidades a natureza
- e com ela todo o universo - jamais
deixariam de ser dignos de contemplação e admiração, e em muitos casos - por
que não? - de imitação. Assim é que Deepak Chopra - "a estrela da nova
espiritualidade", de acordo com o periódico americano 'The Guardian' - ao
se referir a uma dessas mentes brilhantes faz a seguinte afirmação: " não
foi a razão, o raciocínio e a argumentação que levaram Einstein a conceber a
Teoria da Relatividade, mas sim o fascínio e o êxtase, nascidos da contemplação
e da admiração". Verdade ou não, o certo é que Eistein já ao final de sua
vida, num precioso opúsculo intitulado "Como vejo o mundo", deixaria
gravadas as seguintes palavras: "A emoção mais bela e mais profunda que
podemos ter é a sensação do místico. É a precursora da verdadeira ciência.
Aquele para quem tal emoção é desconhecida, aquele que não consegue mais ser
tomado de assombro, está praticamente morto", terminando com uma
declaração que mais parece uma verdadeira profissão de fé: "a convicção profundamente emocional, da
presença de um poder de raciocínio superior, que se revela no universo
incompreensível, representa minha ideia de Deus".
Contemplação e admiração entretanto,
assim como o fascínio e o êxtase, pressupõem não apenas o brilhantismo da
mente, mas antes e acima de tudo a transparência e a cristalinidade do olhar.
Mas é justamente ai que as coisas começam a se complicar. Que dizer por exemplo destas palavras do
inesquecível poeta e escritor Otto Lara Rezende, em carta dirigida à sua grande
amiga e educadora Norah Medeiros: "Se eu morrer, morre comigo um certo
modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é
que de tanto ver a gente banaliza o olhar: vê,
não-vendo. (...) O que nos é familiar já não desperta curiosidade...o
hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver: gente,
coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos. Há pai que nunca viu o próprio filho,
marido que nunca viu a própria esposa. Disso existe às pampas. Nossos olhos se
gastam no dia-a-dia, opacos. E é por aí que se instala, no coração, o monstro
da indiferença".
A presente reflexão é um convite a
observarmos melhor, com atenção diferenciada, um dos fenômenos mais fantásticos
com que o universo nos brinda e a natureza nos presenteia: o mar. Com suas idas
e vindas, sua força e sua energia, tempestades e calmarias, ele tem com certeza
muitas lições a nos ensinar, desde que, claro, estejamos dispostos e ávidos por
aprender. Convido-o portanto a observar com atenção, e refletir com o
coração, sobre algumas das "lições
que o mar ensina". A divisão nas partes I e II do texto tem como objetivo
propiciar uma pausa na reflexão.
1°
Lição: da imensidão
do mar à grandeza do homem: como cortejar a nobreza. Quem entra pela primeira
vez em contato com o mar, dificilmente deixa de exclamar: "como é grande,
como é imenso!". Comparar-se com essa vastidão poder levar a pessoa a se
sentir pequena, quase insignificante. No
entanto a grandeza do mar não se reduz apenas ao seu tamanho mas também e
sobretudo à grande variedade da riqueza
de vida que ele guarda consigo. Com o ser humano não é diferente: o que importa
de fato não é o tamanho de seu poder, de seu status ou de sua erudição, mas
sim, a dimensão e a grandeza de sua mente e sobretudo de seu coração. Você pode
possuir nobreza sem ser nobre, realeza sem ser rei, riqueza sem ter bens. Por
outro lado, ainda que dominasse todas as línguas dos homens, entregasse seus bens
aos pobres ou seu corpo às chamas, e fosse possuidor de todos os dons, sem a
grandeza do amor tudo isso de nada adiantaria. Essa grandeza do homem ninguém
lh'a tira, mas o egoísmo e o apego são traças que a corroem. Para se precaver
dessa perda é preciso edificá-la sobre as rochas da magnificência e da
prodigalidade.
2°
lição: fujamos da
superficialidade, aprendamos a ser profundos.
Você pode até não perceber, mas três
tipos de diferentes águas habitam os mares: as profundas, as medianas, e as
superficiais.
Nas primeiras o movimento das ondas
sequer é sentido; nas segundas sim, mas com pouca intensidade; já nas
terceiras, as da superfície, as pessoas são constantemente jogadas de um lado a
outro umas contra as outras, e os menos cautos e inadvertidos literalmente
arremessados contra os bancos de areia. Com os seres humanos não é diferente:
existem aqueles que são profundos, outros nem tanto, e por fim aqueles que são
superficiais. Os profundos jamais são levados ao sabor das ondas, dos ventos ou
da correnteza; os medianos sim, mas ainda não com tanta facilidade; já os
terceiros, os superficiais, estão constantemente sendo jogados e arremessados
de um lado a outro, manipulados, explorados e sem conseguir se proteger e se
defender do mar de lama das ideias e ideologias em que estão submergidos. Atingir as grandes profundidades não é fácil,
nunca foi; tanto as da vida como as do mar. Muitos atravessarão sua inteira
existência como escravos da futilidade e da superficialidade: fofocas,
calúnias, difamações, fuxicos e mexericos, são apenas alguns dos frutos dessa
espécie de "árvore do mal". Buscar a profundidade não deveria ser uma
opção, mas um fim a ser perseguido.
3°
Lição: aprendendo a
educar e conviver com as mais diferentes emoções. A expressão "hoje o mar
não está para peixe" costuma ser bastante conhecida. Quase sempre seu
significado é o de que suas águas naquele dia
não são as mais propícias e favoráveis para a atividade pretendida:
nadar, pescar, navegar, e outras mais. Os mais experimentados sabem disso, os
menos acabam sofrendo as consequências.
Ora, se também o mar "tem lá seus
dias", que vão da tormenta à calmaria, também nós humanos temos os nossos,
dias estes, ou ocasiões, em que podemos experimentar um "vai-e-vem"
tão grande de diferentes paixões e emoções, que nos parece estarmos viajando
por uma verdadeira montanha russa. Tais ocasiões, mais que outras, requerem
calma e sabedoria. Primeiro para perceber que não existem emoções boas ou ruins
em si mesmas, e sim emoções "mais" ou "menos" adequadas e
funcionais. Você martela o dedo ao invés do prego, e apesar disso sua reação
imediata é voltar-se para os céus: "glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito
Santo!". O Deus que você criou "à sua imagem e semelhança" com
certeza estará reagindo lá de cima: "falso, fingido, enganador. Não foi
isso que eu lhe ensinei". Isso não significa, claro, que você recebeu um
'habeas corpus" para agir de forma irracional e estúpida, e menos ainda
violentamente.Tampouco o isenta da responsabilidade de aprender a conviver e
educar tanto quanto possa suas paixões e emoções. "Aprender a educar uma
emoção - afirma Francis Seeburger - é
exercitar-se no aprendizado em fazer uso da "emoção certa", "na
hora certa", "na intensidade certa", "no lugar certo"
com "a pessoa certa", não necessariamente, claro, nessa mesma ordem. Se você conseguir essa
proeza, não precisará sentir culpa ou pedir desculpas: já viu o mar sentir ou
fazer isso alguma vez?
4°
Lição: respeitar para ser respeitado: o mar não
manda recado.
Diz o ditado que "Deus perdoa
sempre, o ser humano algumas vezes, a natureza nunca". Com relação ao mar,
se você não aprender desde cedo a respeitá-lo, poderá correr sérios riscos e
danos por essa falta de atenção. "Não esqueça a bóia ou o colete
salva-vidas, "não avance para além de onde seus pés não conseguem mais
tocar o chão", "não mergulhe em águas profundas", "respeite
o mar e ele respeitará você", são recados que podem no final das contas
acabar preservando uma vida.
Ora, entre os seres humanos não pode
ser diferente: desde cedo filhos e netos devem ser educados com o princípio de que "é
preciso respeitar para se ser respeitado". A experiência tem mostrado
que o respeito que brota da atitude
respeitosa praticada para com os demais é superior tanto em valia quanto em eficácia
quando comparado àquele que emana do posto ocupado ou da autoridade exercida. O
que não significa, claro, dizer que este segundo tipo não tenha seu valor e não
mereça ser reconhecido. "Você sabe por que está apanhando?" - grita o
pai pela enésima vez para com seu filho. A resposta vem em forma de ironia:
"sim, porque o senhor é maior do que eu". Ensinava Napoleão Bonaparte
que a ordem "compreendida" -
isto é, acompanhada da explicação de seus motivos ou razões - surte sempre
maior efeito que aquela que simplesmente emana do exercício da autoridade,
sobretudo quando para além de seu acatamento se almeja a tomada de consciência
de alguma lição a ser aprendida. Se "gentileza gera gentileza", como
afirmamos com frequência, também é certo que "respeito gera
respeito". Nesse sentido faz-se mister não esquecer: tanto as pessoas como
o mar são ambos dignos de respeito.
5°
Lição: nas
profundezas é que habitam as grandes riquezas.
Peter Singer, filósofo australiano e
professor de Ética Prática radicado nos Estados Unidos, sugere que se uma
mínima parte da inesgotável riqueza da vida marinha, fosse sustentavelmente
explorada e colocada à disposição dos seres humanos, certamente não teríamos
que continuar sacrificando seres vivos - sencientes e responsivos como nós - como condição de sobrevivência.
Pesquisas recentes, por outro lado, têm apontado o chamado "pré-sal",
que habita as profundezas do "além-mar", como uma das mais
importantes e promissoras reservas já descobertas. Tudo isso sugere que a
verdadeira riqueza não habita as superfícies, mas se oculta nos meandros e
labirintos das profundidades. Do ser humano já foi dito que "o que está
atrás de nós, e o que está à nossa frente, são coisa pouca comparado ao que está dentro de nós"
(Ralph Emerson). Conscientize-se, portanto, de que sua maior riqueza não está
fora e nem nas coisas, mas dentro e no mais profundono de seu próprio ser.
Evite tanto quanto possa a imitação, a comparação, e acima de tudo o querer ser
igual a quem quer que seja. Você não é apenas "insubstituível", como
lembra Augusto Cury, mas é também
incomparável, único e especial. Pessoas ou personalidade não devem ser
tomadas como modelo e muito menos como espelho, assim como cada da um de nós
deve aprender a brilhar com luz própria, e não sob foco ou holofotes de
ninguém. Lembre--se: seu melhor referencial é o seu potencial pessoal.
Respeite-o, faça dele seu parâmetro, oriente-se por ele, e evite se comparar a
quem quer que seja. Da mesma forma, jamais se imponha ou se permita ser cobrado
ter quer avançar para além dele, mas tampouco se satisfaça em permanecer
"aquém" quando você tem condições de ser uma pessoa melhor.
"Quando você diz basta, você fracassou", ensina Santo Agostinho. Mas
isso só faz sentido, se disser respeito única e exclusivamente ao seu próprio
potencial. Fora disso a comparação é um verdadeiro "demônio",
afirmava Rubem Alves, podendo tornar-se em certos casos um verdadeiro
"assassino da mente", como adverte Deepak Chopra. Seu norte e seu
guia é seu potencial pessoal. Descubra-o e procure se orientar e se guiar por
ele: ele é com certeza um porto seguro.
Obs: continua e se conclui com a parte II
que leva o mesmo título. Aguarde.
(*)Possui
graduação em teologia pelo Instituto teológico pio XI (1983), graduação em
Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (1997), graduação em
Filosofia pela Faculdade Salesiana de Filosofia, ciências e letras (1986) e
mestrado em Filosofia pela Pontificia Universidade Gregoriana ,Roma -
Itália(1988) . Foi por 11 anos consecutivos professor de filosofia jurídica e
psicologia Jurídica do Centro Universitário de Vila Velha, ES.Durante esses 11
anos foi Coordenador Pedagógico por 05 anos e de Ensino por 1 ano e meio do
mesmo Curso de Direito. Atualmente é terapeuta de grupo, individual, vocacional,
Consultório Clínico Psicológico particular. Formou-se recentemente em
Psicodrama (02 anos) pelo Instituto Pegasus de Vitória, ES. Atualmente, cursa a
pós graduação TCC - Terapia Cognitivo Comportamental.
https://www.escavador.com/sobre/3708588/lindolivo-soares-moura
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