PEQUENAS COMUNIDADES MISSIONÁRIAS: Uma saída pastoral para a
Igreja pós-pandemia?
Por Normando Martins Leite Filho
CONTEXTO ECLESIAL
Desde março de 2020,
tivemos no mundo uma situação nova, com a qual a Igreja católica teve de se
defrontar: a pandemia da Covid-19. A partir do momento em que foi decretada a
pandemia pela Organização Mundial da Saúde, os órgãos governamentais adotaram
protocolos rígidos de distanciamento social, impedindo a aglomeração de pessoas
e exigindo-lhes que permanecessem em casa. Essas medidas impactaram diretamente
a vida nas paróquias e comunidades, com a suspensão de celebrações abertas à
presença de todos, assim como das reuniões e encontros, para evitar a
aglomeração de pessoas e a contaminação que poderia ocorrer nesses espaços.
Passados alguns meses, em certos países já se começou a promover uma
flexibilização gradual do distanciamento social, com a liberação de celebrações
com número restrito de pessoas e com cuidados de proteção e higienização
rígidos. Diante dessa nova situação, a Igreja católica vê-se desafiada a
continuar seu trabalho de evangelização. Por isso, cabe perguntar: como
organizar a vida paroquial das comunidades depois da pandemia?
1.
A IGREJA EM SAÍDA MISSIONÁRIA
Várias experiências
da Igreja em sua história bimilenar, que remontam às primeiras comunidades
cristãs, poderiam oferecer uma saída para esse problema e, ao mesmo tempo,
promover uma revitalização dos próprios processos eclesiais. Com um
discernimento pastoral espetacular, o papa Francisco já tinha identificado essa
necessidade na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho).
Olhando para o Documento de Aparecida, vislumbrou o desafio de sair de uma
pastoral de conservação para uma pastoral em chave missionária (DAp 370); a
necessidade de repensar as estruturas das comunidades eclesiais e da própria
Igreja segundo outro ponto de referência missionário.
Sonho com uma opção
missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os
horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal
proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação. A
reforma das estruturas, que a conversão pastoral exige, só se pode entender
neste sentido: fazer com que todas elas se tornem mais missionárias, que a
pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta,
que coloque os agentes pastorais em atitude constante de “saída” e, assim,
favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua
amizade (FRANCISCO, 2019, p. 25).
A própria paróquia, a
estrutura eclesial que tem congregado a vida comunitária, pode assumir novos
formatos, adaptando-se à dinâmica da vida cotidiana, às exigências do tempo
presente, em que homens e mulheres vivem e convivem diante da sua realidade
específica, clamando pela presença da Igreja.
A paróquia não é uma
estrutura caduca; precisamente porque possui uma grande plasticidade, pode
assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade
missionária do Pastor e da comunidade. Embora não seja certamente a única
instituição evangelizadora, se for capaz de se reformar e adaptar
constantemente, continuará a ser “a própria Igreja que vive no meio das casas
dos seus filhos e das suas filhas” (FRANCISCO, 2019, p. 26).
Portanto, uma Igreja
verdadeiramente missionária, em saída, como preconiza o papa, deve rever sua
caminhada, abrir-se à ação do Espírito, permitindo que surjam novas formas
pelas quais se evangeliza nos tempos atuais e anunciando a mensagem do
Evangelho a todas as pessoas. Nesse sentido, o papa recorda a riqueza das
experiências vindas das próprias comunidades que, abertas ao discernimento da
presença e atuação do Espírito Santo, inauguram novas formas de viver como
comunidades cristãs.
As outras
instituições eclesiais, comunidades de base e pequenas comunidades, movimentos
e outras formas de associação são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita
para evangelizar todos os ambientes e setores. Frequentemente trazem um novo
ardor evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que renovam a
Igreja. Mas é muito salutar que não percam o contato com esta realidade muito
rica da paróquia local e que se integrem de bom grado na pastoral orgânica da
Igreja particular. Esta integração evitará que fiquem só com uma parte do
Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nômades sem raízes (FRANCISCO,
2019, p. 27).
2.
AS COMUNIDADES MISSIONÁRIAS
A Igreja no Brasil,
representada pela CNBB, observou atentamente os princípios emanados dos
documentos do magistério e atualizou seu plano pastoral, propondo um caminho
que contemple as novas diretrizes da evangelização. No Documento 109 da CNBB,
emergem as diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil no
período de 2019 a 2023. O Documento 109 recolhe as vivências e reflexões dos
bispos em diálogo com padres, diáconos, pastorais e todos os leigos e leigas
que colaboram no processo de evangelização nacional. Nesse documento
encontramos uma novidade que poderá contribuir como possível alternativa para
os tempos pós-pandemia que se avizinham: as comunidades eclesiais missionárias.
A vida fraterna em
pequenas comunidades – abertas, acolhedoras, misericordiosas, de intensa vida
evangélica – constitui fundamento sólido para o testemunho da fé. […] Pequenas
comunidades oferecem um ambiente humano de proximidade e confiança que favorece
a partilha de experiências, a ajuda mútua e a inserção concreta nas mais
variadas situações (CNBB, 2019, p. 25; 29).
Essas pequenas
comunidades missionárias podem servir, neste tempo de pandemia, para congregar
as pessoas de acordo com o critério de proximidade, alargando o campo de
atuação da Igreja e propiciando uma evangelização mais perto de cada pessoa.
Assim, a nova organização eclesial nessas comunidades menores visa garantir que
não sejam desrespeitados os critérios sanitários para conter o vírus e, ao
mesmo tempo, permite que a Igreja possa estar mais próxima de suas ovelhas. Uma
possibilidade de implementá-las deve levar em conta a realidade local de cada
paróquia, com suas diversas comunidades. Devem-se ouvir as lideranças, as
pastorais, os ministros ordenados e leigos, enfim, todos os envolvidos com a
ação evangelizadora paroquial.
De maneira
esquemática, apresentamos a seguir uma das possíveis formas ou estratégias que
podem nortear a ideia de formar pequenas comunidades missionárias no âmbito
paroquial. Trata-se de pequeno esboço no qual se apontam alguns princípios,
pensando muito mais na estruturação mais ampla do que nas especificidades,
normalmente a cargo das múltiplas realidades existentes na (arqui)diocese. A
tabela, de nossa autoria, detalha as linhas gerais da proposta, apenas
sugerindo alguns caminhos, como opções para esse trabalho. As comunidades podem
evidentemente escolher outras abordagens que lhes sejam mais adequadas.
PROPOSTA DE DIVISÃO DE PEQUENAS COMUNIDADES MISSIONÁRIAS
PARÓQUIA
Geralmente é
organizada em várias comunidades eclesiais. Continua a existir normalmente,
recebendo novas comunidades menores.
COMUNIDADES ECLESIAIS PAROQUIAIS
Serão o ponto de
partida para as novas comunidades. Com base nessas comunidades eclesiais,
propõe-se a subdivisão em pequenas comunidades missionárias. Pode-se usar a
referência das comunidades de base, tendo os círculos bíblicos como alicerce
dessas novas comunidades menores.
PEQUENAS COMUNIDADES MISSIONÁRIAS
Organizadas com base
em algumas famílias ou no grupo de círculo bíblico, se for o caso. Reúnem-se
para celebrar, organizando a vida comunitária naquele pequeno núcleo de fé.
Pressupõem a coordenação, a equipe de celebração, de dízimo, de catequese e
outros serviços. Podem reunir-se nas casas, praças ou em um espaço alugado ou
cedido. Estão ligadas às comunidades eclesiais de origem, mantendo uma relação
de comunhão com a paróquia. Por reunirem até 20 ou 30 pessoas, favorecem a
proximidade e um vínculo mais próximo.
VANTAGENS DESSAS NOVAS COMUNIDADES
Criam laços e
proximidade. Nesse novo formato, pode-se viver a fé de maneira mais próxima e
estimula-se uma coerência maior entre fé e vida, com todos se conhecendo e
sabendo de suas dificuldades e desafios. São espaços para formação bíblica,
litúrgica e pastoral. Oferecem uma estrutura eclesial mais simples que favorece
o encontro e a vivência da fé.
O que importa,
efetivamente, é que cada comunidade eclesial possa descobrir como fazer
acontecer esse novo modelo de organização das comunidades. A sugestão oferecida
parte da experiência das comunidades de base. Partimos do princípio de que, em
tais comunidades, essa dinâmica já está presente em seu modo de ser, em seu
fazer cotidiano, marcado por relações próximas. Os grupos de círculos bíblicos
já cumprem o papel de serem polos aglutinadores de pequenas comunidades.
Conhecemos algumas comunidades eclesiais nascidas de um grupo de pessoas que se
reuniam nos círculos bíblicos para oração e para a reflexão sobre a Palavra de
Deus. Daí surgiram novas comunidades, originárias desses grupos, as quais foram
assumindo seu papel na paróquia, numa perspectiva de rede de comunidades.
3. UM CAMINHO
Essa proposta cabe
não somente para a organização da paróquia, mas também pode ser adaptada para
outros grupos, pastorais e movimentos. Por exemplo, temos, na proposta pastoral
do diaconato permanente na arquidiocese de Belo Horizonte, um projeto que visa
à constituição de pequenas comunidades de vivência diaconal. A ideia é que tais
fraternidades diaconais congreguem diáconos, esposas e vocacionados numa
forania ou cidade, reunindo-se em pequenos grupos para oração, reflexão,
formação e convivência. Esse projeto foi iniciado logo após serem baixadas as
regulamentações sanitárias que permitiram a saída da situação de distanciamento
social, em vigor no primeiro semestre de 2020. Portanto, são várias as
possibilidades que podem estar no bojo da proposta de pequenas comunidades
missionárias. Por fim, fica o chamado para que cada comunidade ou grupo
conheçam e discutam essa proposta e possam encontrar o caminho mais adequado
para que cada realidade particular realize a evangelização da melhor maneira
possível nestes tempos. O que deve ficar em relevo, sobretudo, é o desejo de
não desistir nem desaminar, tendo presente que o que nos espera como Igreja que
somos, peregrina nesta terra, é o encontro com a própria humanidade, para com
ela anunciar o Cristo ressuscitado. O desafio final nos é dado pelo Evangelho
de Lucas, que nos instiga a continuar o caminho: “Não tenha medo, pequeno
rebanho, porque o Pai de vocês tem prazer em dar-lhes o Reino” (Lc
12,32).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bíblia. Edição
Pastoral. São Paulo: Paulus, 2014.
CELAM. Documento de
Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado
Latino-americano e do Caribe (DAp). São Paulo: Paulus, 2008.
CNBB. Diretrizes
Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: 2019-2023. Brasília, DF:
CNBB, 2019.
Francisco, Papa.
Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do Evangelho no mundo
atual. São Paulo: Paulus, 2019.
Normando Martins Leite Filho
é
professor universitário no Centro Universitário UNA, mestre em Educação e
teólogo, candidato ao diaconato permanente na arquidiocese de Belo Horizonte,
membro da Equipe Regional de Liturgia da RENSA/arquidiocese de BH. Entre outros
livros, é autor de O individualismo na pós-modernidade, publicado em 2012 pela
CRV. E-mail: normandoleite@hotmail.com
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