REFLEXÃO DOMINICAL II
VER
E ENCONTRAR
Em certa ocasião, o
Papa Francis- co disse uma frase que pode nos motivar a uma reflexão coerente
quanto à nossa missão cristã: “Cada encontro com Cristo muda a nossa vida”. Diante
dessa pro- vocação a um autêntico encontro transformador com o Senhor é que
podemos olhar para a liturgia deste 31º Domingo do Tempo Comum e contemplar o
resplen- dor de duas palavras comprometedoras: ver e encontrar. Ao lermos o
Evangelho de hoje, é possível constatar que Lucas relata por quatro vezes o
contato visual através do “ver” ou “olhar”. Certamente, o evangelista quer enfatizar
a importância da observação das realidades humanas e espirituais. Não obstante,
esta transcende o sentido da visão, ou seja, há um chamamento para a
contemplação que vai para além do ver. De fato, o evangelista quer nos
sensibilizar para o que há por detrás de cada olhar, isto é, para a história,
para a vida, que são únicas, irrepetíveis, e que ultrapassam aparências,
falhas, ou qual- quer outro aspecto que deprecie as pessoas. Interessante
observar que o nome “Zaqueu” significa “puro” e, curiosamente, o personagem do
evangelho é retratado como o chefe dos publicanos, os quais, para muitos na
época, eram tidos socialmente como impuros. Porém, diante da aproximação de
Jesus, Zaqueu, que possuía baixa estatura, sobe em um sicômoro para notar
aquele que chegava. Talvez, ao subir, ele procurava ver aquele que pudesse
entender seus dramas interiores. Mas para sua surpresa, aquele que procurava
ver foi visto; Jesus levantou seus olhos e o encontrou. Decerto, esse ver para
além do externo só poderia ocorrer com aquele que olha com misericórdia, com
compaixão, com amor. Somente Jesus poderia ver o verdadeiro Zaqueu, em sua
essência, sob a ótica da transformação, da mudança de vida, de conversão.
Zaqueu, em função de sua posição social, seguramente, já havia participado de
muitos banquetes e festas, porém, em si um grande vazio o tomava. O drama deste
pequeno se fundava na exclusão sentida do banquete da vida. Porém, ao buscar
encontrar Jesus, Zaqueu é encontrado, é chamado pelo nome. E aí está a lógica
evangélica: todo encontro com Jesus transforma. E essa transformação exigiu, e
exige de cada um de nós hoje, uma atitude coerente, uma decisão corajosa, isto
é, a de uma verdadeira abertura do coração para a ação de Deus na vida. Essa
abertura transborda a lógica humana e leva Zaqueu a um despojamento, no caso, a
uma tentativa de reparar as injustiças cometidas através da doação de metade de
seus bens e da restituição ao quádruplo dos prejuízos provocados a outrem. Foi
esse movimento autêntico que fez dele um modelo seguro de conversão evangélica:
ao se converter a Deus, converteu-se aos pobres. Portanto, diante da liturgia
de hoje, algumas reflexões podemos, e devemos, fazer seriamente em nossas
vidas: como é o olhar de Deus? Como nos deixamos alcançar pelo Senhor? Nossa
abertura a Deus tem nos levado a uma vida nova, para a partilha daquilo que
somos e temos em nossas comunidades e também fora delas? Que neste dia, façamos
o firme propósito de ajudarmos a testemunhar esse Deus que ama e acolhe a
todos, inclusive os pecadores e os ajuda na luta contra o pecado que destrói a
felicidade humana.
Dom Carlos Silva,
OfmCap Bispo Auxiliar de São Paulo
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