Imortalidade, Reencarnação ou Ressurreição?
Por Roque Frangiotti
“Irmãos, não queremos que
ignoreis o que se refere aos mortos, para não ficardes tristes como os outros
que não têm esperança. Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também,
os que morreram em Jesus, Deus há de levá-los em sua companhia” (1Ts
4,13-14).
“Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como podem
alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? Se não há
ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não
ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia também é a vossa fé” (1Cor
15,12-14).
Num
artigo anterior[1], tivemos a
oportunidade de refletir sobre a morte como o momento supremo de
crise-julgamento da pessoa. Tentamos assim redefinir e reempostar a concepção
da morte. Neste artigo, tentaremos abordar o que acontece depois da morte. Não
se trata evidentemente de uma “reportagem” sobre aquilo que acontece com a
pessoa que morre. Nem é questão de repassar as provas da imortalidade da alma
com o fim de verificarmos suas argumentações e a validez de suas conclusões. Não
se trata tampouco de examinarmos a doutrina da reencarnação para averiguarmos o
bem ou o mal fundado desta doutrina. Nosso propósito é tão somente o de
verificarmos o ensino do Novo Testamento sobre a questão do após-Morte: propõe
ele uma imortalidade da alma, a reencarnação ou a ressurreição dos mortos?
I. A IMORTALIDADE
DA ALMA
Oscar
Cullmann, no seu livro Del
Evangelio a la formación de la teología cristiana, abre o capítulo
sobre a “Imortalidade da alma ou Ressurreição dos mortos” com esta afirmação: “Perguntemos
a um cristão, protestante ou católico, intelectual ou não, a seguinte questão:
‘O que ensina o Novo Testamento sobre o futuro individual do homem depois da
morte?’. Salvo raríssimas exceções, obteremos sempre a mesma resposta: a
imortalidade da alma. Sem embargo, esta opinião, por muito difundida que
esteja, significa um dos maiores e perigosos mal-entendidos do cristianismo.
(…) Perguntemos agora: ‘Seria compatível a fé dos primeiros cristãos na
ressurreição com a concepção da imortalidade da alma?’”[2].É, conforme vamos
demonstrar neste artigo, negativa sua conclusão. Estudando a questão, fizemos
outra constatação: a produção teológica e filosófica, na história do pensamento
ocidental, é bem maior
sobre a imortalidade do que sobre a ressurreição. Como se explica este desvio?
Como explicar que a concepção grega de que a alma é imortal por sua própria
natureza tornou-se dominante no pensamento cristão, quando os cristãos, desde
as origens, professam sua fé na “ressurreição da carne” e não na “imortalidade
da alma”?
1. A crença comum: desejo de sobrevivência
Num primeiro momento,
o que se pode constatar é um ponto comum que perpassa, todas as crenças: a
morte não termina com tudo, não destrói a vida. A vida continua, de uma ou de
outra maneira. A sobrevivência depois da morte já se observa no período
neolítico, isto é, um dos períodos da pré-história caracterizado pelo
aparecimento dos primeiros instrumentos de pedra polida, da cerâmica,
agricultura, domesticação dos animais. Ornamentos colocados perto dos mortos,
instrumentos e mantimentos; casas e túmulos construídos para eles, dão testemunho
da crença de que alguns dos defuntos continuavam durante certo tempo a ter uma
espécie de existência depois da morte. No culto dos antepassados estava
implícita a crença de que eles continuavam a existir e protegiam os seus
descendentes. Na índia, partindo-se das mesmas crenças, desenvolveu-se a
doutrina da metempsicose (reencarnação).
2. A sistematização
filosófica
No
entanto, é somente com Platão que essa crença da sobrevivência depois da morte,
que chega ao mundo grego através do Orfismo, vai receber uma sistematização e
um endereçamento filosófico. Sócrates, em diálogo com seus discípulos, não
representa a busca de uma nova concepção sobre a imortalidade, mas a tendência
crítica em dar base racional a uma ideia admitida por muitos. Assim, essa crença
primitiva, amparada num sistema filosófico, o platônico, é acolhida no seio do
judaísmo primeiro, no período de helenização, e depois no cristianismo onde
ganha corpo. Talvez a razão pela qual essa doutrina da imortalidade da alma
tenha suplantado, em termos de produção literária, os escritos sobre a
ressurreição, seja a de que ela se presta melhor à especulação filosófica[3].
II. A REENCARNAÇÃO
Reencarnação
é o nome que os teósofos modernos e os espíritas dão à antiga crença conhecida
com o nome de metempsicose.
Nessa crença, supõe-se que a alma, sem perder a sua identidade, entra em outras
formas de vida, subindo ou descendo na escala dos seres conforme os atos que
tiver praticado. Assim a alma humana vai passando de corpo em corpo, até
atingir o seu estado de perfeição. A metempsicose é, sem dúvida, uma das
doutrinas mais antigas e mais difundidas, no mundo antigo. Segundo Heródoto,
historiador grego que viveu entre 484-420 a.C., os egípcios teriam sido os
primeiros a professar esta crença, mas estudiosos e historiadores modernos não
aceitam mais esta tese. Alguns julgam como mais provável que essa crença tenha
tido sua origem na Índia.
Conforme
nosso propósito, exposto na introdução deste artigo, não é nossa intenção
demonstrar aqui a falha das argumentações que o codificador do moderno
Espiritismo, “Allan Kardec”, pretende encontrar nas Escrituras. Ele mesmo se
expressa assim: “O princípio da reencarnação se deduz de muitas passagens das
Escrituras e se encontra notoriamente formulado de modo explícito no Evangelho”[4].
1. As divergências entre os reencarnacionistas
Não
há unanimidade entre os que propõem a reencarnação como doutrina formulada
tanto pelo judaísmo como pelo Novo Testamento. Uns afirmam que a reencarnação é
uma lei geral para todos os espíritos. Outros afirmam que somente os espíritos
atrasados reencarnam ou então os mais perfeitos que devem cumprir uma missão
especial na terra ou em outro mundo habitado. Uns ensinam que a reencarnação só
se realiza na terra, outros admitem que ela ocorre também nas estrelas e
planetas. Alguns creem que o ser humano se reencarna constantemente no mesmo
sexo, outros creem numa variação alternada. Uns julgam que a reencarnação ocorre
imediatamente após a morte, outros dizem que há um intervalo de 1.500 anos.
Para alguns, a reencarnação é um castigo pelos pecados cometidos numa
existência anterior, para outros é apenas um fenômeno da natureza puramente
físico sem dependência de ordem moral. Enquanto alguns pensam que as
reencarnações são ilimitadas, outros pensam que se pode chegar a um estado
definitivo e estável com um número de vidas relativamente pequeno. Enquanto
alguns afirmam que a reencarnação é somente progressiva, rumo à perfeição
individual ou rumo à uma reintegração em Deus, outros defendem que ela é também
regressiva, de modo que se poderia dar o caso de um espírito que animou um
corpo humano passasse a tomar um corpo animal ou mesmo vegetal[5].
2. O Karma
O
traço característico da metempsicose
budista é a doutrina do Karma. Segundo esta doutrina, o que sobrevive não
é propriamente a individualidade, a alma pessoal. O que passa à nova vida é o
Karma, isto é, a Ação: a suma de
todos os atos do homem, seus méritos, o resultado ético de sua vida prévia, ou
valor total, despojado de sua individuação anterior. O Karma é o destino ético
da pessoa. A Ação emana
de si, fatalmente, uma força irresistível que acarreta prêmio ou castigo.
Segundo seja o Karma, maior ou menor, assim a metempsicose será para a
promoção-progresso ou degradação-regressão. No Budismo que aceita a
metempsicose, uma das finalidades supremas do conhecimento iluminado é a
recordação dos nascimentos anteriores. Contudo, a metempsicose não é a
exaltação da pessoa, mas o prefácio à doutrina do aniquilamento final de cada
um no Nirvana.
III. A RESSURREIÇÃO
Um estudo sério do
Novo Testamento leva à conclusão, como veremos, de que o cristianismo deve
recusar a concepção-crença pela qual o ser humano vence a morte em virtude da
imortalidade da alma ou da reencarnação. O cristianismo não propõe pura e simplesmente
a sobrevivência da alma, após a morte. O ser humano não experimenta, na
realidade, a morte, segundo estas doutrinas da imortalidade e da reencarnação.
Do mesmo modo, não seria o ser humano em sua totalidade que encontraria
salvação, mas apenas a alma. A doutrina cristã diz muito mais: é uma
participação do ser humano inteiro, completo, tanto na morte como na
ressurreição que ela apresenta. Assim, o cristianismo faz desaparecer toda
metempsicose ou reencarnação pela grande força com que afirma a responsabilidade
dos destinos eternos do ser humano, juntamente com a morte-ressurreição dos
corpos enquanto próprios de cada pessoa. Contudo, o cristianismo não foi o
primeiro a propor a crença na ressurreição dos mortos.
1. A lenda de Fênix
Um
dos mitos mais antigos e dos mais conhecidos que nos chegaram da antiguidade é
o de Fênix que renasce de suas próprias cinzas. Clemente Romano, terceiro
sucessor de Pedro na Igreja de Roma (de 92 a 102 d.C.), conta esta lenda
na Carta aos Coríntios,
do seguinte modo: “Consideremos o sinal estranho que tem lugar nas regiões do
Levante, quero dizer na Arábia. Há lá um pássaro ao qual se lhe dá o nome de
Fênix. Este pássaro e o único em sua espécie e vive 500 anos. Quando chega o
momento em que ele vai se dissolver, na morte, ele fabrica, com incensos,
mirras e outras plantas aromáticas, um ninho funerário onde ele penetra, uma
vez terminado seu tempo, ali morre. Da carne em putrefação, nasce um verme.
Este verme se nutre dos despojos do animal morto e se cobre de penas. Depois,
quando ele se fortaleceu, ergue-se do ninho ande se encontram os ossos de seu
ancestral e, com eles, passa da Arábia para o Egito até a cidade que se chama
Heliópolis. Em pleno dia, aos olhos de todos, ele dirige seu voo para o altar
do Sol, deposita o ninho e toma então seu impulso para retornar. Os sacerdotes
compulsam seus anais e descobrem que o pássaro veio após decorridos quinhentos
anos. Julgamos, certamente, que é um prodígio extraordinário se o Criador do
Universo faz ressuscitar aqueles que o serviram na santidade e com confiança de
uma fé perfeita, quando mesmo através de um pássaro ele manifesta a grandeza
daquilo que ele tinha anunciado”.
2. A serpente conhece o segredo da vida
Outra lenda vinda da
mais longínqua antiguidade lembra um aspecto da cena da tentação do Paraíso
terrestre. Ela nos mostra a serpente detentora do segredo da vida e, em
consequência, capaz de ressuscitar os mortos.
Uma
serpente mordeu, certo dia, o rosto de Tylos, irmão de Moria. Tylos morreu no
mesmo instante. Um gigante, Damasiano, chamado por Moria, esmagou a serpente
assassina. A fêmea da serpente morta se afastou rapidamente para um bosque e de
lá trouxe outra erva que ela colocou sobre as narinas do monstro. Imediatamente
a serpente retornou à vida, fugindo, em seguida, com a fêmea. Moria testemunhou
a cena. Foi e utilizou a mesma erva ressuscitou seu irmão[6].
A lenda nos interessa
aqui por mostrar que o segredo da vida não está nas mãos dos homens. A erva da
ressurreição só é conhecida da serpente. Assim, no Paraíso terrestre, fora uma
serpente que induzira, num ato inverso, o primeiro casal humano a perder a
vida.
3. A Ressurreição no Judaísmo
Os primitivos judeus
não tinham ideia precisa sobre a vida futura. A concepção da ressurreição
apresenta-se, pela primeira vez, na literatura apocalíptica, no livro de Daniel
12,1-3, como texto extremamente importante.
Sabemos
por Atos 23,8; 4,1-2; Mateus 22,33 e outras fontes[7],que os Saduceus,
baseando-se estritamente no Pentateuco, não admitiam a existência dos anjos,
demônios, nem acreditavam na ressurreição. Mas essa crença era um dos pontos
fundamentais da fé e da doutrina dos Fariseus. A. Cohen, na sua apresentação
do Talmud, abordando a
questão da vida além da morte, diz: “No ensinamento religioso dos rabinos
concernente à vida depois da morte, a doutrina da ressurreição ocupa o lugar
mais importante. Eles fizeram dela um artigo de fé que não se pode negar sem
pecar. (…) Isto se explica historicamente pelas consequências das controvérsias
religiosas. A ressurreição foi um dos pontos marcantes da oposição entre
Fariseus e Saduceus. Estes últimos (…) julgam que a alma se extingue por
ocasião da morte física; esta para eles marca o fim do ser humano. Negando a
existência depois da morte, rejeita-se a doutrina das sanções, recompensa e
castigo, à qual os Fariseus atribuíam grande importância, e pela qual lutaram
ardentemente”[8].Ainda segundo A.
Cohen, uma razão pela qual os Saduceus rejeitavam a ressurreição, era, conforme
eles, que ela não era mencionada no Pentateuco. Ela fazia, pois, parte da Torá oral cuja
autoridade eles não admitiam. No Talmud,
replicam os rabinos, “não há nenhuma seção da Torá (escrita) que não implique a doutrina da
ressurreição; somos nós que não temos a capacidade de expô-la neste sentido”[9].
Vejamos
rapidamente alguns exemplos, colhidos no Talmud de A. Cohen, de como os rabinos deduziam a
doutrina da ressurreição da Torá.
“Está escrito: ‘dareis aquilo que houverdes separado (da parte do dízimo) para
o Eterno, ao sacerdote Aarão’ (Nm 18,28). Mas Aarão viverá sempre para a
receber? Não é verdade que ele não entrou no país de Israel? Por conseguinte, o
texto nos ensina que ele retornará à vida (no além) e receberá esta oferenda.
Eis aí como a ressurreição deve ser deduzida da Torá”[10].“Os Saduceus
perguntavam ao rabino Gamaliel: ‘Como se sabe que o Santo Único (bendito seja!)
ressuscita os mortos?’ — ‘Sabe-se, respondia o rabino, pelo Pentateuco, pelos
Profetas e pelos Hagiógrafos’, mas eles não aceitaram suas provas. ‘Um Saduceu
dizia à Gebiha B. Pesisa: ‘Ai de vós, criminosos (Fariseus), que dizeis que os
mortos reviverão; visto que os vivos morrem, os mortos reviverão?’ — ‘Ai de
vós, criminosos (Saduceus), respondeu Gebiha, a vós que declarais que os mortos
não viverão; visto que aqueles que não existiam tomam nascença, quanto mais
ainda reviverão aqueles que já viveram’”[11].
4. O que Jesus diz sobre a
ressurreição?
Se,
por um lado, há muita dificuldade em se chegar à uma conclusão sobre o significado preciso
da ressurreição e do seu modo de
acontecer; por outro lado, nos é fácil constatar o quanto se aponta para ela,
no Novo Testamento. Não nos é possível estabelecer uma análise exegética de
todas as passagens em que se aponta ou se fala diretamente da ressurreição, em
todo o Novo Testamento. Por isso, nos contentamos em apontar alguns textos
evangélicos que implicam, direta ou indiretamente, a fé na ressurreição.
a) Os Sinóticos
Pode-se,
segundo afirmam autores como F. Mussner[12], basear a existência
de uma vida após a morte em textos como o de Mt 6,19-21, onde a admoestação
(…), “mas ajuntai para vós tesouros nos céus”, só adquire sentido quando se
pressupõe uma vida após a morte. Do mesmo modo, textos como Mt 7,13-14: (…)
“Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à Vida”; Mt
19,16-21: (…) “Mas se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos” (…),
onde o termo vida significa
ter parte na salvação, participar da vida eterna, como em Mt 25,46: “E irão
estes para castigo eterno, enquanto os justos irão para vida eterna’. Todas
estas passagens são enquadradas por uma referência direta à vida eterna, sem
nenhuma menção nem da imortalidade, nem de uma reencarnação, nem de
ressurreição. Contudo, o contexto global do Novo Testamento indica que o homem
tem acesso à essa vida eterna somente através da ressurreição. Textos como o de
Mt 10,28: “Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Temei
antes aquele que pode destruir a alma e o corpo na geena”, e Mc 9, 43-48, onde
se diz que é melhor entrar “mutilado para a Vida do que tendo as duas mãos (…),
tendo os dois pés e ir para a geena”; implicam a fé na ressurreição dos mortos,
ressurreição corporal.
Mas,
o ensino de Jesus sobre a ressurreição aparece claramente, na versão sinótica,
no debate de Jesus com os Saduceus[13]. Na resposta,
Jesus censura os Saduceus de não conhecerem nem as Escrituras nem o poder de
Deus. Se os Saduceus conhecessem melhor as Escrituras, certamente saberiam que
elas falam e apontam para a ressurreição. Respondendo à questão posta pelos
Saduceus, Jesus cita Ex 3,6 que era aceito por eles como Escritura canônica.
Ora, segundo a interpretação de Jesus há nesta passagem uma referência à
ressurreição, pois a expressão “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o
Deus de Jacó” evoca a eleição divina e a fidelidade de Deus a seus eleitos.
Essa eleição não é efêmera. Ela supera a morte fazendo com que o eleito de Deus
retorne à vida pela fidelidade e poder de Deus. Tomando ainda como argumento o
exemplo da sarça que ardia em fogo, mas não se consumia, Jesus se referia à
morte que, em fazendo desaparecer o homem desta terra, não destrói para a vida
eterna.
A
tradição sinótica não fala abertamente da ressurreição dos ímpios, mas ela é pressuposta
na parábola sobre o julgamento, de todos os homens. Para Tiro e Sidônia, o
julgamento será menos severo que para as cidades da Galileia que não se
converteram, apesar dos milagres operados por Jesus[14]. Por isso, também em
Lc 14,14, onde se fala explicitamente “da ressurreição dos justos”, poder-se-ia
entender num sentido exclusivo. Mas apoiando-se em Lc 20,35: “muitos pensaram
que Lucas não admitia a ressurreição para os pecadores (concepção que se
encontrava em certos meiosjudaicos de então). Mas Lucas anuncia em At 24, 15
uma ressurreição dos justos e dos pecadores. Suas expressões aqui em Lc 20,35
se explicam pelo fato de que só os justos chegam à verdadeira vida”[15].
b) Evangelho de João
Segundo
o Evangelho de João, ocorrem tanto a ressurreição dos justos quanto a
ressurreição para o juízo[16]. É assim que o
ensino de Jesus sobre a ressurreição aparece de maneira mais completa e mais
clara. Afirma-se aí que todos ressuscitarão, justos e pecadores, com a
diferença de que os justos não serão submetidos ao julgamento[17].Segundo Jo 6,39-40,
Jesus promete ressuscitar todo aquele que crê nele: “Que eu não perca nenhum
dos que ele me deu, mas o ressuscite no último dia. Sim, esta é a vontade de
meu Pai: quem vê o Filho e nele crê tem a vida eterna e eu ressuscitarei no
último dia”. Como resposta aos murmúrios levantados pelos judeus contra Jesus,
sobre o “pão descido do céu”, Jesus reafirma seu ensinamento fundamental:
“Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o atrair; e eu o
ressuscitarei no último dia” (v. 44). Ainda dentro do discurso do pão da vida,
Jesus revela e precisa, no arremate do discurso, o ato derradeiro da redenção
que é a ressurreição: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida
eterna e eu ressuscitarei no último dia” (v. 54). O fato da ressurreição, o
poder de Jesus sobre a morte, um e outro está afirmado no episódio da
ressurreição de Lázaro[18].Conhecendo e
confiando no poder de Jesus, Maria diz: “Mas ainda agora sei que tudo o que
pedires a Deus, ele te concederá” (v. 22). Ao que Jesus responde: “Teu irmão
ressuscitará” (v. 23). Marta retorna ao diálogo para expressar a fé comum,
tradicional, dos judeus: a ressurreição, no último dia. A afirmação de Jesus
corrige e tenta modificar a concepção de Marta, em termos de tempo: a
ressurreição é já um ato presente; ela ocorre lá onde há fé autêntica nele.
Jesus insiste naquilo que os judeus ignoravam: a parte, missão e poder do
Messias na ressurreição. Crer no Messias é também crer na ressurreição.
IV. CONCLUSÃO
Não
podemos repassar, neste artigo, todo o Novo Testamento, sobre a questão tão
ampla e complexa como sugere o próprio título. Um vasto trabalho poderia ser
feito sobre a literatura paulina, cujo texto mais extenso e importante se
encontra em 1Cor 15. Aos Tessalonicenses,
preocupado com a sorte de seus mortos, Paulo os consola com a perspectiva que
lhe abre o ensinamento fundamental da ressurreição dos mortos. O autor da Carta aos Hebreus,
fornecendo um esquema de um catecismo fundamental, cita como elemento
indispensável da fé cristã a ressurreição: “Por isso, deixando de lado o
ensinamento elementar a respeito de Cristo, elevemo-nos a uma perfeição adulta,
sem ter que voltar aos artigos fundamentais: o arrependimento das obras mortas
e a fé em Deus, a doutrina sobre os batismos e a imposição das mãos, a
ressurreição dos mortos e o julgamento eterno”[19].
Segundo o Novo
Testamento, Jesus esclareceu e firmou a fé nascida já no Antigo Testamento na
ressurreição dos mortos. Em nenhum lugar se encontram elementos claros, sólidos
ou suficientes para se desenvolver uma “doutrina da imortalidade da alma” e
menos ainda de uma “doutrina da reencarnação. Além disso, Jesus uniu a fé nele
com fé na ressurreição, por isso ele afirma: “Eu sou a ressurreição e a vida”.
Em nenhum lugar ele ensina que a fé nele garante a “imortalidade”. A fé é
garantia de ressurreição, de uma nova existência. Em nenhum lugar ele diz que o
homem tem uma nova chance, numa possível reencarnação, até que adquira a
perfeição desejada e necessária para ir junto de Deus. Todo ensino de Jesus é
centrado na decisão que o homem deve tomar nesta vida. É aqui, neste mundo,
nesta existência, que o homem deve decidir sua sorte eterna. Pela fé-adesão a
ele, o homem obtém a garantia de que viverá eternamente; não em vista à
imortalidade de sua alma ou de sucessivas reencarnações pelas quais alcança
méritos de gozar essa eternidade, mas através de um novo ato de Deus: a
ressurreição.
[1] Cf. Vida Pastoral, nº
118, 1984, pp. 21-27.
[2] Col.
“Verdad e Imagem 31”, Ed. Sígueme, Salamanca, 1972, pp. 233-234.
[3] Fédon 713c;
80d; 81e; Plotino, Enneades II,
9,6.
[4] O Livro dos Espíritos, n.
222.
[5] Cf.
B. Kloppenburg. “Fundamentos Cristianos de Ia Reencarnación?”, em Medellín, 14,
vol. IV, 1978, p. 192.
[6] Cf. Dictionnaire des
symboles, dir. por J. Chevalier e A. Gheerbrant, Seghers,
1974, vocábulo: résurrection.
[7] F.
Josephus, Bello Jud. 2,8,14; Antiguidades 18,1.4.
[8] Col.
1. “Paythèque”,
Payot, Paris, 1982, cap. XI, pp. 424-425.
[9] Sifré
Deut. § 306; 132a, em op. cit., p.
425.
[10] Ibidem,
pp. 425-426.
[11] Ibidem,
p. 428.
[12] A
Doutrina de Jesus sobre a vida futura, segundo os Sinóticos, em Concilium 60,
1970/10, pp. 1.241-1.248.
[13] MC
12,18-27; Mt 22,23-33; Lc 20,27-40.
[14] Mt
11,20-24.
[15] Nota
da Tradução Ecumênica da Bíblia.
[16] Jo
5,28ss; 6,39ss; 11,25ss.
[17] Jo
5,28-29.
[18] Jo
11,1-44.
[19] Hb
6,1-3.
https://www.vidapastoral.com.br/artigos/escatologia/imortalidade-reencarnacao-ou-ressurreicao/
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