REFLEXÃO DOMINICAL III
DEUS TEM MISERICÓRDIA E AMPARA OS HUMILDES
Por Maria Inês de Castro
Millen(*)
1ª leitura - Eclo
35,15b-17. 20-22a
Salmo - Sl 33
2ª leitura - 2 Tm
4,6-8.16-18
Evangelho - Lc 18, 9-14
"O
Senhor é o Pai compassivo, misericordioso, que não faz acepção de pessoas, que perdoa
sempre, que rompe o ciclo da violência, que vence sem fazer vencidos. É Ele o
defensor dos descartados pela vida, dos que não têm mais a quem recorrer nas
suas necessidades tão urgentes. Ele eleva os humildes, ele sacia de bens os
famintos. É nisto que creio, é nisto que está fundada a minha fé e a minha
esperança. O Amor que tento acolher em mim para poder transmiti-lo aos outros
está também alicerçado nesta verdade."
Gostaria de começar a
reflexão da Palavra proposta para este domingo a partir do Evangelho (Lc 18, 9-14). Lucas
nos diz que Jesus contou a parábola
do fariseu e do publicano para aqueles que confiavam na
sua própria justiça e desprezavam os outros. Temos a tentação de pensar que
estas são atitudes presentes em outras pessoas que devem ser por nós exortadas,
julgadas ou até excluídas. Na verdade, precisamos aceitar que estas são facetas
presentes no nosso próprio eu, muitas vezes cego para as fragilidades e feridas
presentes em nós. Jesus nos conta esta parábola chamando-nos a olhar para o
nosso interior para aí descobrirmos
o fariseu e o publicano que nos habitam. Nosso lado farisaico
abre espaço em nós para a rigidez, para o moralismo, para a fácil condenação
dos outros e a exaltação de nós mesmos. A arrogância prepotente de nos acharmos
purificados pelos atos piedosos realizados e pelo estrito cumprimento da lei
não nos permite reconhecer o “cobrador de impostos” que vive em nós, e que
muitas vezes, de modo diferente daquele do Evangelho, não reconhece a própria
debilidade e acredita não precisar do perdão e da misericórdia de Deus para si
e sim para os outros. Nós, muitas vezes somos o cobrador fariseu, aquele que
coloca fardos pesados nos ombros dos outros, que não enxerga a trave no próprio
olho e exige das pessoas aquilo que nós mesmos não conseguimos oferecer.
Precisamos aprender a humildade que
nos coloca diante da nossa verdade criatural e diante da Verdade que é Deus
para dizermos: “Senhor, tem piedade de nós, pois somos pecadores!”
A primeira leitura (Eclo 35,15b-17. 20-22a) nos
ajuda a entender quem
é este Deus a quem clamamos, pois nos revela que Deus é um juiz
que não faz discriminação de pessoas e escuta a súplica dos humildes. Ele não é
parcial em prejuízo do pobre, como infelizmente costuma ocorrer entre nós, mas,
ao contrário, escuta as súplicas dos oprimidos. Quando os pequenos, que não têm
a quem recorrer, desabafam com Ele as suas mágoas, jamais são desprezados. A
palavra “jamais” é um alento, pois significa nunca, nunca serão esquecidos. E
diz mais: Os que se reconhecem fragilizados e mesmo assim fazem o que podem em
favor do bem de todos, no cumprimento da lei do amor, terão suas súplicas
atendidas quando recorrerem a Deus. “A prece dos humildes atravessa as nuvens”,
nos diz o texto. Quaisquer nuvens... e o Altíssimo intervém...sempre. A
esperança dos pequenos aí reside e por isso nos anima a seguir o caminho do
bem, ainda que em meio a contradições incompreensíveis.
O Salmo 33 nos
convida a rezar, no seu refrão: “O povo clama a Deus e ele escuta: o Senhor
liberta a vida dos seus servos.” Por isso devemos bendizer a Deus em todo o
tempo e seu louvor deve estar sempre em nossa boca. Gratidão é a
palavra que deve florescer em nosso coração, pois é Deus quem nos ajuda a
combater o bom combate, é ele quem nos assiste quando estamos nos sentindo
tristes, oprimidos, impossibilitados, desamparados. Precisamos crer na palavra
que nos afirma a fidelidade do Senhor. Ele está sempre ao nosso lado nos dando
forças e nos amparando nas dificuldades que encontramos no caminho, nas fragilidades
que nos atingem, nas feridas abertas que às vezes teimam em não cicatrizar. É
ele quem nos ajuda para que, apesar de tudo, não desanimemos e continuemos a
anunciar a presença do Reino de Deus entre nós.
Acho um pouco
temeroso e até de certo modo semelhante à arrogância do fariseu as palavras de
Paulo: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está
reservada para mim a coroa da justiça.” Por mais que corramos atrás do bem e da
boa conduta diante de Deus e dos homens, penso que devemos sempre nos
considerar servos inúteis, aqueles que não fizeram senão aquilo que deviam
mesmo fazer e rezar batendo no peito como o publicano: “Meu Deus, tem compaixão
de mim, pois sou um pecador”.
O que sabemos é que
nenhuma criatura consegue aqui na história atingir a perfeição, por mais santo
que consiga ser. No entanto, no final Paulo confessa: “O Senhor me libertará de
todo o mal e me salvará para o seu Reino celeste.” Assim ele admite que nós não
salvamos a nós mesmos, por melhor que sejamos, mas que só Deus pode nos salvar
de nossas sempre presentes infidelidades e fraquezas. Só ele é misericórdia absoluta e
compaixão. Segundo a lógica de Jesus de Nazaré, Ele salvará a
nós e também àqueles que nos fizeram mal, nos perseguiram, nos caluniaram e fizeram
sangrar nosso coração em função das feridas abertas pela prepotência de muitos.
O Senhor é o Pai compassivo, misericordioso, que não faz acepção de pessoas,
que perdoa sempre, que rompe o ciclo da violência, que vence sem fazer
vencidos. É Ele o defensor dos descartados pela vida, dos que não têm mais a
quem recorrer nas suas necessidades tão urgentes. Ele eleva os humildes, ele sacia de
bens os famintos. É nisto que creio, é nisto que está fundada a
minha fé e a minha esperança. O Amor que tento acolher em mim para poder
transmiti-lo aos outros está também alicerçado nesta verdade.
Que saibamos bendizer
ao Senhor todos os dias. Que sejamos sempre gratos por sua presença
misericordiosa em nossas vidas. Que vivamos a alegria que entusiasma e contagia,
esta alegria que nos permite primeirear, acolher as pessoas, envolver-nos com
elas, acompanhá-las, fazer frutificar e festejar as colheitas possíveis. Que
sejamos ousadas e criativas em tempos difíceis de fragmentação e violências
inúteis; firmes na fé, na esperança e na caridade, apesar dos paradoxos e
contradições de cada dia. O Senhor é quem nos guia. Ter os olhos fixos em Jesus nos
salva de muitas obscuridades e desalentos. Sigamos com coragem! Amém!
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(*) Graduada em
Medicina pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (1971) e em Teologia pela PUC-Rio (1992),
mestre em Ciência da Religião pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (1997) e possui doutorado em
Teologia pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (2003). Atualmente
é ouvidora e assessora pedagógica do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora
e professora titular no curso de Teologia do Centro de Ensino Superior de Juiz
de Fora. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Ginecologia e
Obstetrícia, atuando principalmente nos seguintes temas: moral fundamental,
moral social, moral sexual conjugal e familiar, bioética e antropologia
teológica.
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