sábado, 1 de outubro de 2022

A PASTORAL DA PALAVRA (II)

 

A PASTORAL DA PALAVRA (II)

3 – A Pregação desde o Início da Igreja até o Concílio Vaticano II

1° Período: Apostólico

Nesse período a pregação apostólica e a vida da Igreja estão impregnadas pelo kerygma: cf. At 2, 14-32; 3, 12-26; 4, 8-12; 7, 1-53; 10, 34-43; 13, 16-41; 17, 24-31.

Em grandes linhas o kerygma se processa da seguinte forma:

a) O mistério Pascal que acaba de se realizar, foi anunciado pelos profetas. Portanto, os tempos messiânicos foram inaugurados.

b) Através de sua Ressurreição, Cristo é exaltado à direita de Deus como Senhor.

c) Cristo envia o Espírito Santo para continuar a sua obra através da Igreja.

d) Cristo virá um dia como Juiz.

e) Diante disso os ouvintes são convidados à conversão.

O Mistério Pascal, centro da História da Salvação e da pregação querigmática, é apresentado como um fato que opera no hoje da Igreja, e o ponto alto da celebração desse mistério é a Eucaristia, vivida na caridade conforme nos falam At 2, 42-47; 4, 32-37.

Portanto a vida cristã se fundamentava na fé, no culto e na caridade. A Palavra era anunciada, celebrada na Eucaristia e vivida no dia a dia.

2° Período: Patrístico

A teologia patrística gira em torno do Mistério Pascal. Ela vai desenvolver o kerygma apostólico, numa linha fundamentalmente bíblica. Com o aparecimento das controvérsias cristológicas entram aos poucos na pregação da Igreja as definições: pessoa, substância, natureza, etc. Surge gradativamente um aspecto intelectualizante na pregação, o que diminui um pouco o aspecto de pregação Boa-Nova em alguns teólogos pregadores.

Percebe-se na leitura dos grandes Padres (S. João Crisóstomo, S. Ambrósio, S. Agostinho…) a existência de um centro irradiador e também unificador: o Mistério de Cristo que culmina na Paixão, Morte e Ressurreição.

Um exemplo interessante nesse sentido é o «De catechizandis rudibus» (S. Agostinho, ano 400): fundamenta toda a catequese na História da Salvação, ordenando-a para um grande centro, o Mistério Pascal.

Podemos perceber nos escritos dos Padres que, partindo do kerygma apostólico, eles criaram aos poucos uma teologia eminentemente bíblica, que pervade toda a vida cristã. Ao mesmo tempo têm uma visão bastante clara sobre o sentido da Palavra de Deus no plano divino e acabam criando uma teologia da Palavra de Deus, especialmente Santo Agostinho acentua com clareza que Cristo-Pessoa é o Sujeito Principal e Objeto da Pregação.

3°Período: Do início da Escolástica até o Concílio de Trento

Nesse período aparecem grandes luzeiros da História da Igreja na pregação: S. Anselmo, S. Alberto Magno, S. Tomás, S. Boaventura, que foram homens que marcaram enormemente sua época. Os escolásticos bebem ainda da fonte bíblica e da patrística. Eram pregadores eminentemente bíblicos.

Esse período é marcado pelo interesse pela filosofia que pouco a pouco vai penetrando na teologia acentuando, desse modo, o seu aspecto de intelectualização-racionalização, ocorrendo assim um início de afastamento do centro polarizador: mistério pascal. (teologia-ciência)

A Teologia da Palavra de Deus torna-se mais tímida entre os teólogos do período áureo da escolástica, embora seja bastante acentuada em Tomás e em Boaventura.

A teologia aos poucos começa a desencarnar-se da vida, entra em cheio a racionalização da teologia e o elán bíblico, tão marcante na patrística, diminui consideravelmente. Vai-se apagando mais e mais a teologia da Palavra de Deus.

4° Período: Do Concílio de Trento ao Concílio Vaticano II

O Concílio de Trento, marcado pela controvérsia protestante, vai favorecer a acentuação da radicalização. De um lado os Evangélicos propugnavam uma Igreja da Palavra, a Igreja colocará em primeiro lugar o tema dos sacramentos e, em segundo lugar, o da Palavra de Deus.

Haverá pouca preocupação com o problema teológico da Palavra de Deus e, pouco a pouco, a Teologia da Pregação vai desaparecendo. A pregação será identificada simplesmente com a arte (retórica). E, no campo da pastoral, sobram da pregação apenas algumas normas práticas. E é essa a visão que vai prevalecendo nesse campo: tudo vai ser visto desde o ponto de vista do direito, de normas leis, a teologia da Palavra de Deus se esvazia dando lugar ao jurisdicismo. A teologia se coloca mais no campo da auto-defesa, da auto-apologética. Faltava, portanto, aquela visão bíblico-patrística da Teologia que é antes de tudo Palavra de Deus, Palavra de Salvação.

Como conseqüências práticas dessa postura podemos destacar:

– Catequese: perde-se de vista a genuína História da Salvação cujo centro polarizador é o Mistério Pascal e se transforma predominantemente num ensino racional. Hoje, no entanto, ocorre o risco contrário que é o de não se acentuar suficientemente esse aspecto da catequese.

– Liturgia: perdendo o verdadeiro conteúdo teológico transforma-se num frio rubricismo.

– Moral: é vista quase exclusivamente sob o ângulo de preceitos que irrompem na mais complicada casuística. A moral parece reduzir-se a teoremas de geometria. Isso ocorre por perca da visão bíblica da moral: a boa nova que se acolhe, compromete e converte. Hoje o perigo é o de uma moral subjetivista demais, uma moral quase sem pecado.

No ano de 1936 um escritor alemão, Jungmann, dá um passo importante rumo à renovação da teologia da pregação com a publicação de uma obra cujas idéias principais buscavam colocar as bases para uma volta ao essencial da teologia da pregação.

Constatou que na pastoral (catequética, litúrgica, moral) faltava um centro polarizador: muitas normas, preceitos, mas faltava uma visão unitária do cristianismo. Essa falta tem sua raiz última na própria teologia que além de estar desvinculada da Pastoral se ressentia da falta de um centro polarizador. Esse centro canalizador é Cristo, Boa Nova de salvação; Cristo, Palavra da vida; Cristo, Mistério Pascal. Em seus estudos patrísticos sobre a liturgia, Jungmann verificou que precisamente na Patrística a vida cristã brotava da própria teologia. E a liturgia celebrava a vida cristã como um encontro com o Mistério Pascal, centro irradiador de toda a pregação.

A partir daí podemos concluir:

1. A teologia não pode se desvincular da vida da Igreja, não pode ser apenas ciência, mas é também primordialmente Boa Nova, Mensagem de Salvação, Vida.

2. A teologia deve ser revista tendo como centro irradiador e de convergência o Mistério de Cristo, particularmente sua Morte e Ressurreição numa visão não meramente racional mas numa visão em que Cristo aparece como Boa Nova de Salvação.

A obra de Jungmann teve grande influência na renovação da teologia, da catequética e da liturgia. E é sob essa influência que nasce em 1939 a Escola Querigmática de Innsbruck (Áustria), fruto de uma tentativa de dar à teologia uma nova perspectiva (tirá-la da visão intelectualista e apologética): a teologia é antes de tudo revelação salvífica, Boa Nova da salvação. Desejo de reestruturar a teologia buscando redescobri-la revelação, como palavra salvífica, como Boa Nova. Assim, depois de anos de debates, a partir de 1950 inicia-se um processo lento, mas decidido de busca de uma teologia viva, menos abstrata, mais voltada para a salvação.

Paralelamente a esse movimento querigmático surgiu o movimento que estuda a Palavra de Deus. Não basta apresentar a Palavra como mensagem, Boa Nova, como fez a teologia querigmática. É preciso descobrir o sentido da Palavra de Deus. «Para renovar a missa devemos renovar a ante-missa, ou seja, para renovar a liturgia eucarística, devemos renovar a liturgia da Palavra» (slogan lançado pelo movimento bíblico).

É é dentro desse contexto que vemos irromper nos anos 60 o Concílio Vaticano II.

5° Período : O Concílio Vaticano II e a Palavra de Deus

Ao entrar em contato com o Concílio Vaticano II já se percebe de que fonte ele quis beber: a Palavra de Deus e a Patrística. Nesse sentido traz uma grande variedade de textos bíblicos e patrísticos. Nenhum concílio na história da Igreja deu tanta importância à Palavra de Deus como o Vaticano II, basta começar pelo fato de uma Constituição dogmática sobre a Revelação: Dei Verbum. E todos os seus documentos estão impregnados desse espírito bíblico. Assim, na Constituição sobre a Liturgia Cristo aparece como sujeito principal da pregação: «Presente está Cristo pela sua Palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na Igreja» (SC 7).

Falará também na mesma Constituição mais explicitamente: «pois na Liturgia Deus fala a seu povo. Cristo anuncia o Evangelho» (SC 33). No Decreto Presbiterorum Ordinis 4: «a pregação da Palavra se faz necessária para o próprio ministério dos sacramentos, uma vez que são sacramentos da fé, e esta nasce e se alimenta da fé».

Conclusão

1. Quando um centro polarizador coordena toda a teologia, no caso o Mistério Pascal, toda a vida da Igreja é impregnada por este centro. E o cristianismo, em todos os setores de sua vida, vive, iluminado por esta visão unitária, que lhe empresta luz e força. Quando se perde esse centro se abre caminho para abusos e desvios.

2. O problema fundamental da pregação não é seu aspecto prático e sim seu sentido teológico.

3. Quando a teologia é estudada em primeiro lugar como Revelação da Palavra de Deus, que culmina no Mistério Pascal, sempre operante na vida da Igreja e na História, desaparece a dicotomia entre a Palavra e Sacramento.

«Pode já considerar-se ultrapassado aquele tempo em que as pessoas se julgavam no direito de opor uma Igreja da Palavra (protestante) e uma Igreja do Sacramento (católica), ou então de atribuir a eficácia da graça, segundo a Escritura, à Palavra, e segundo a Igreja, ao Sacramento. O movimento litúrgico dos diferentes países, apoiado no movimento bíblico e muitas vezes acompanhado por uma procura de renovação da pregação e da catequese, tinha aproximado eficazmente, ao mesmo tempo que unira, a celebração dos sacramentos e a pregação da Palavra» (Y. Congar).

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DV 2.

DV 5.

Para toda essa parte cf. Ramos, J. A., Teología pastoral, BAC, Madrid  1995.

Jo 1,12.

Hb 1,1

Cf. Durrwell, F.X., La presencia de Jesucristo en la predicación, em Rahner, K – Häring, B., Palabra en el mundo (Salamanca  1972), 31-46.

Z. Alszeghy-M.Flick, Il problema teologico della predicazione, «Gregorianum», 1959, p. 742.

K. Rahner, La salvezza nella Chiesa, Roma-Brescia  1986, p.116.

D. Ruiz Bueno, Padres apologistas griegos, BAC, Madrid  1954

SC 2, 6 e 7.

Cf. R. Bohren, Predigtlehre, Munique, 1980,p. 82; A. Schwarz, Praxis und Predigtlehre, Viena, 1986, p. 50.

Cf. J. Rothermundt, Der Heiliege Geist  und die Rhetorik, Güterslh, 1985, p. 45. L. Maldonado, La comunidad cristiana, p.15-40.

Cf. CIC, cânon. 767.

K. H. Biertiz-Ch.  Bunners, Handbuch der Predigt, Berlim  1990, p. 100-135.

Para esta parte: MOESCH,O., O anúncio da Palavra de Deus. Reflexões sobre a teologia pastoral da pregação. Petrópolis: Vozes, 1980.

Cf. Evangelium nuntiandi, n. 41.

Idem, n. 79.

Cf. EN, 43.

Para toda esta parte estaremos utilizando as reflexões do Departamento de Liturgia do CELAM, Homilia, São Paulo: Paulinas, 1983, p. 13-55.

Sobre o lugar onde se deve proferir a homilia assim diz a Instr. Geral do Missal Romano no n.136: «O sacerdote, de pé junto à cadeira ou no próprio ambão, ou ainda, se for oportuno, em outro lugar adequado, profere a homilia; ao terminar, pode-se observar um tempo de silêncio».

https://presbiteros.org.br/manual-de-homiletica/

 

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