A PASTORAL DA PALAVRA (II)
3 – A
Pregação desde o Início da Igreja até o Concílio Vaticano II
1° Período: Apostólico
Nesse período a pregação
apostólica e a vida da Igreja estão impregnadas pelo kerygma: cf. At 2,
14-32; 3, 12-26; 4, 8-12; 7, 1-53; 10, 34-43; 13, 16-41; 17, 24-31.
Em grandes linhas o kerygma se
processa da seguinte forma:
a) O mistério Pascal que acaba de
se realizar, foi anunciado pelos profetas. Portanto, os tempos messiânicos
foram inaugurados.
b) Através de sua Ressurreição,
Cristo é exaltado à direita de Deus como Senhor.
c) Cristo envia o Espírito Santo
para continuar a sua obra através da Igreja.
d) Cristo virá um dia como Juiz.
e) Diante disso os ouvintes são
convidados à conversão.
O Mistério Pascal, centro da
História da Salvação e da pregação querigmática, é apresentado como um fato que
opera no hoje da Igreja, e o ponto alto da celebração desse mistério é a
Eucaristia, vivida na caridade conforme nos falam At 2, 42-47;
4, 32-37.
Portanto a vida cristã se
fundamentava na fé, no culto e na caridade. A Palavra era anunciada, celebrada
na Eucaristia e vivida no dia a dia.
2° Período: Patrístico
A teologia patrística gira em
torno do Mistério Pascal. Ela vai desenvolver o kerygma apostólico, numa linha
fundamentalmente bíblica. Com o aparecimento das controvérsias cristológicas
entram aos poucos na pregação da Igreja as definições: pessoa,
substância, natureza, etc. Surge gradativamente um aspecto
intelectualizante na pregação, o que diminui um pouco o aspecto de
pregação Boa-Nova em alguns teólogos pregadores.
Percebe-se na leitura dos grandes
Padres (S. João Crisóstomo, S. Ambrósio, S. Agostinho…) a existência de um
centro irradiador e também unificador: o Mistério de Cristo que culmina na
Paixão, Morte e Ressurreição.
Um exemplo interessante nesse
sentido é o «De catechizandis rudibus» (S. Agostinho, ano 400): fundamenta toda
a catequese na História da Salvação, ordenando-a para um grande centro, o
Mistério Pascal.
Podemos perceber nos escritos dos
Padres que, partindo do kerygma apostólico, eles criaram aos poucos uma
teologia eminentemente bíblica, que pervade toda a vida cristã. Ao mesmo
tempo têm uma visão bastante clara sobre o sentido da Palavra de Deus no plano
divino e acabam criando uma teologia da Palavra de Deus, especialmente Santo
Agostinho acentua com clareza que Cristo-Pessoa é o Sujeito Principal e Objeto
da Pregação.
3°Período: Do início da
Escolástica até o Concílio de Trento
Nesse período aparecem grandes
luzeiros da História da Igreja na pregação: S. Anselmo, S. Alberto Magno, S.
Tomás, S. Boaventura, que foram homens que marcaram enormemente sua época. Os
escolásticos bebem ainda da fonte bíblica e da patrística. Eram pregadores
eminentemente bíblicos.
Esse período é marcado pelo interesse
pela filosofia que pouco a pouco vai penetrando na teologia
acentuando, desse modo, o seu aspecto de intelectualização-racionalização,
ocorrendo assim um início de afastamento do centro polarizador: mistério
pascal. (teologia-ciência)
A Teologia da Palavra de Deus
torna-se mais tímida entre os teólogos do período áureo da escolástica, embora
seja bastante acentuada em Tomás e em Boaventura.
A teologia aos poucos começa a
desencarnar-se da vida, entra em cheio a racionalização da teologia e o elán
bíblico, tão marcante na patrística, diminui consideravelmente. Vai-se apagando
mais e mais a teologia da Palavra de Deus.
4° Período: Do Concílio de Trento
ao Concílio Vaticano II
O Concílio de Trento, marcado
pela controvérsia protestante, vai favorecer a acentuação da radicalização. De
um lado os Evangélicos propugnavam uma Igreja da Palavra, a
Igreja colocará em primeiro lugar o tema dos sacramentos e, em
segundo lugar, o da Palavra de Deus.
Haverá pouca preocupação com o
problema teológico da Palavra de Deus e, pouco a pouco, a Teologia da Pregação
vai desaparecendo. A pregação será identificada simplesmente com a arte (retórica).
E, no campo da pastoral, sobram da pregação apenas algumas normas práticas. E é
essa a visão que vai prevalecendo nesse campo: tudo vai ser visto desde o ponto
de vista do direito, de normas e leis,
a teologia da Palavra de Deus se esvazia dando lugar ao jurisdicismo.
A teologia se coloca mais no campo da auto-defesa, da auto-apologética.
Faltava, portanto, aquela visão bíblico-patrística da Teologia que é antes de
tudo Palavra de Deus, Palavra de Salvação.
Como conseqüências práticas dessa
postura podemos destacar:
– Catequese: perde-se
de vista a genuína História da Salvação cujo centro polarizador é o Mistério
Pascal e se transforma predominantemente num ensino racional. Hoje, no entanto,
ocorre o risco contrário que é o de não se acentuar suficientemente esse
aspecto da catequese.
– Liturgia: perdendo
o verdadeiro conteúdo teológico transforma-se num frio rubricismo.
– Moral: é vista
quase exclusivamente sob o ângulo de preceitos que irrompem na mais complicada
casuística. A moral parece reduzir-se a teoremas de geometria. Isso ocorre por
perca da visão bíblica da moral: a boa nova que se acolhe, compromete e
converte. Hoje o perigo é o de uma moral subjetivista demais, uma moral quase
sem pecado.
No ano de 1936 um escritor
alemão, Jungmann, dá um passo importante rumo à renovação da teologia da
pregação com a publicação de uma obra cujas idéias principais buscavam colocar
as bases para uma volta ao essencial da teologia da pregação.
Constatou que na pastoral
(catequética, litúrgica, moral) faltava um centro polarizador: muitas normas,
preceitos, mas faltava uma visão unitária do cristianismo. Essa falta tem sua
raiz última na própria teologia que além de estar desvinculada da Pastoral se
ressentia da falta de um centro polarizador. Esse centro canalizador é Cristo,
Boa Nova de salvação; Cristo, Palavra da vida; Cristo, Mistério Pascal. Em seus
estudos patrísticos sobre a liturgia, Jungmann verificou que precisamente na
Patrística a vida cristã brotava da própria teologia. E a liturgia celebrava a
vida cristã como um encontro com o Mistério Pascal, centro irradiador de toda a
pregação.
A partir daí podemos concluir:
1. A teologia não pode se
desvincular da vida da Igreja, não pode ser apenas ciência, mas é também
primordialmente Boa Nova, Mensagem de Salvação, Vida.
2. A teologia deve ser revista
tendo como centro irradiador e de convergência o Mistério de Cristo,
particularmente sua Morte e Ressurreição numa visão não meramente racional mas
numa visão em que Cristo aparece como Boa Nova de Salvação.
A obra de Jungmann teve grande
influência na renovação da teologia, da catequética e da liturgia. E é sob essa
influência que nasce em 1939 a Escola Querigmática de Innsbruck (Áustria),
fruto de uma tentativa de dar à teologia uma nova perspectiva
(tirá-la da visão intelectualista e apologética): a teologia é antes de tudo
revelação salvífica, Boa Nova da salvação. Desejo de reestruturar a teologia
buscando redescobri-la revelação, como palavra salvífica, como Boa Nova. Assim,
depois de anos de debates, a partir de 1950 inicia-se um processo lento, mas
decidido de busca de uma teologia viva, menos abstrata, mais voltada para a
salvação.
Paralelamente a esse movimento
querigmático surgiu o movimento que estuda a Palavra de Deus. Não basta
apresentar a Palavra como mensagem, Boa Nova, como fez a teologia querigmática.
É preciso descobrir o sentido da Palavra de Deus. «Para renovar a missa devemos
renovar a ante-missa, ou seja, para renovar a liturgia eucarística, devemos
renovar a liturgia da Palavra» (slogan lançado pelo movimento bíblico).
É é dentro desse contexto que
vemos irromper nos anos 60 o Concílio Vaticano II.
5° Período : O Concílio Vaticano
II e a Palavra de Deus
Ao entrar em contato com o
Concílio Vaticano II já se percebe de que fonte ele quis beber: a Palavra de
Deus e a Patrística. Nesse sentido traz uma grande variedade de textos bíblicos
e patrísticos. Nenhum concílio na história da Igreja deu tanta importância à
Palavra de Deus como o Vaticano II, basta começar pelo fato de uma Constituição
dogmática sobre a Revelação: Dei Verbum. E todos os seus documentos
estão impregnados desse espírito bíblico. Assim, na Constituição sobre a
Liturgia Cristo aparece como sujeito principal da pregação: «Presente está
Cristo pela sua Palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas
Escrituras na Igreja» (SC 7).
Falará também na mesma
Constituição mais explicitamente: «pois na Liturgia Deus fala a seu povo.
Cristo anuncia o Evangelho» (SC 33). No Decreto Presbiterorum
Ordinis 4: «a pregação da Palavra se faz necessária para o próprio
ministério dos sacramentos, uma vez que são sacramentos da fé, e esta nasce e
se alimenta da fé».
Conclusão
1. Quando um centro polarizador
coordena toda a teologia, no caso o Mistério Pascal, toda a vida da Igreja é
impregnada por este centro. E o cristianismo, em todos os setores de sua vida,
vive, iluminado por esta visão unitária, que lhe empresta luz e força. Quando
se perde esse centro se abre caminho para abusos e desvios.
2. O problema fundamental da
pregação não é seu aspecto prático e sim seu sentido teológico.
3. Quando a teologia é estudada
em primeiro lugar como Revelação da Palavra de Deus, que culmina no Mistério
Pascal, sempre operante na vida da Igreja e na História, desaparece a dicotomia
entre a Palavra e Sacramento.
«Pode já considerar-se
ultrapassado aquele tempo em que as pessoas se julgavam no direito de opor uma
Igreja da Palavra (protestante) e uma Igreja do Sacramento (católica), ou então
de atribuir a eficácia da graça, segundo a Escritura, à Palavra, e segundo a
Igreja, ao Sacramento. O movimento litúrgico dos diferentes países, apoiado no
movimento bíblico e muitas vezes acompanhado por uma procura de renovação da
pregação e da catequese, tinha aproximado eficazmente, ao mesmo tempo que
unira, a celebração dos sacramentos e a pregação da Palavra» (Y. Congar).
_____________________________
Para toda
essa parte cf. Ramos, J. A., Teología pastoral, BAC, Madrid
1995.
Cf.
Durrwell, F.X., La presencia de Jesucristo en la predicación, em
Rahner, K – Häring, B., Palabra en el mundo (Salamanca
1972), 31-46.
Z.
Alszeghy-M.Flick, Il problema teologico della predicazione,
«Gregorianum», 1959, p. 742.
K.
Rahner, La salvezza nella Chiesa, Roma-Brescia 1986, p.116.
D. Ruiz
Bueno, Padres apologistas griegos, BAC, Madrid 1954
Cf. R. Bohren, Predigtlehre, Munique,
1980,p. 82; A. Schwarz, Praxis und Predigtlehre, Viena,
1986, p. 50.
Cf. J. Rothermundt, Der
Heiliege Geist und die Rhetorik, Güterslh, 1985, p. 45. L. Maldonado, La
comunidad cristiana, p.15-40.
K. H.
Biertiz-Ch. Bunners, Handbuch der Predigt, Berlim
1990, p. 100-135.
Para esta
parte: MOESCH,O., O anúncio da Palavra de Deus. Reflexões sobre a
teologia pastoral da pregação. Petrópolis: Vozes, 1980.
Cf. Evangelium
nuntiandi, n. 41.
Para toda
esta parte estaremos utilizando as reflexões do Departamento de Liturgia do
CELAM, Homilia, São Paulo: Paulinas, 1983, p. 13-55.
Sobre
o lugar onde se deve proferir a homilia assim diz a
Instr. Geral do Missal Romano no n.136: «O sacerdote, de pé junto à cadeira ou
no próprio ambão, ou ainda, se for oportuno, em outro lugar adequado, profere a
homilia; ao terminar, pode-se observar um tempo de silêncio».
https://presbiteros.org.br/manual-de-homiletica/
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